‘Poder e Progresso’ é leitura obrigatória para quem deseja compreender a relação entre sociedade, economia e tecnologia

Salatiel Soares Correia*
Especial para o Jornal Opção

A Revolução Industrial prosperou de maneira mais intensa na Inglaterra do que em outros países graças a uma combinação única de fatores, conforme destacado pelo livro ‘Poder e Progresso’. Os autores são Daron Acemoglu and Simon Johnson, professores do MIT e vencedores do Prêmio Nobel de Economia deste ano. Esses fatores incluíram o papel de inventores práticos, instituições adaptáveis e uma geografia favorável, que juntos criaram vantagens comparativas significativas para o país.

Um aspecto central foi a contribuição de inventores como George Stephenson, que, mesmo sem formação científica formal, desenvolveu a primeira locomotiva a vapor. Essa invenção simbolizou a Revolução Industrial ao transformar o transporte de bens e pessoas, integrando regiões industriais da Inglaterra e criando um sistema logístico eficiente. As ferrovias deram à Inglaterra uma vantagem estratégica sobre países predominantemente marítimos, como Espanha, Portugal e Holanda, que não alcançaram o mesmo nível de desenvolvimento em infraestrutura terrestre.

Além disso, a flexibilidade das instituições inglesas foi fundamental. A capacidade de absorver e aplicar conhecimentos gerados internamente destacou-se em relação a outros contextos, como o da China. Apesar dos avanços tecnológicos e científicos chineses, a rigidez e centralização de suas instituições impediram que o conhecimento se transformasse em progresso econômico e industrial sustentado. A rede institucional inglesa, por outro lado, incentivava o desenvolvimento e a disseminação de inovações, criando um ambiente propício à expansão industrial.

A geografia inglesa também desempenhou um papel estratégico. A abundância de carvão e a proximidade das minas às cidades industriais reduziram significativamente os custos de energia e transporte, acelerando o avanço tecnológico e a produção em larga escala.

Portanto, a junção de inventores engenhosos, uma infraestrutura ferroviária revolucionária, instituições flexíveis e recursos naturais estratégicos colocou a Inglaterra na vanguarda da Revolução Industrial. Esses elementos, interligados, consolidaram o país como o berço de transformações que moldaram a modernidade e definiram os rumos do progresso global.

A Predominância do protestantismo contra o catolicismo que perseguiu cientistas como Galileu , a Revolução Industrial se deu sobre trilhos ,preponderantes na Inglaterra e não em países focados no mar como Espanha, Holanda e Portugal, a Desvantagem da China que não conseguiu transferir em tecnologia seu avanço científico . Somado a isso,O ambiente religioso da Inglaterra desempenhou um papel crucial nesse contexto. Diferentemente de países católicos, onde o avanço científico era frequentemente restringido pela Igreja, a Inglaterra protestante oferecia maior tolerância. A ética protestante, como analisada por Max Weber, exaltava o trabalho árduo e a inovação, criando condições culturais favoráveis para o progresso econômico e tecnológico. Essa mentalidade aberta à experimentação foi essencial para que o país assumisse a liderança na Revolução Industrial, ao mesmo tempo em que outras nações enfrentavam limitações culturais e institucionais.

Outro aspecto singular foi o foco da Inglaterra na infraestrutura terrestre, especialmente no desenvolvimento de ferrovias. Enquanto outras potências europeias priorizavam a exploração marítima e o comércio colonial, os investimentos ingleses em redes ferroviárias conectaram regiões industriais, transformando o transporte de bens e pessoas e promovendo um crescimento econômico acelerado. Essa estratégia de desenvolvimento interno foi decisiva para consolidar o país como o centro das transformações industriais.

Embora a China tenha liderado avanços científicos durante séculos, não conseguiu traduzir seu conhecimento em inovações práticas amplamente aplicadas. Segundo Daron Acemoglu e Simon Johnson, as rígidas estruturas institucionais chinesas desestimulavam o empreendedorismo e a experimentação prática, em contraste com as instituições flexíveis da Inglaterra, que incentivavam o uso pragmático do conhecimento. Esse ambiente favorável foi complementado por fatores socioeconômicos, como a existência de uma classe média empreendedora e a abundância de recursos naturais, como carvão e ferro, que forneceram as bases materiais para os avanços tecnológicos. Outros países, mesmo com avanços científicos significativos, não conseguiram criar as condições necessárias para sustentar uma revolução industrial de mesma magnitude.

Portanto, a Revolução Industrial na Inglaterra resultou da interação de pragmatismo, tolerância cultural, infraestrutura eficiente e instituições flexíveis, que favoreceram a aplicação prática do conhecimento e o progresso tecnológico. A análise apresentada em “Poder e Progresso” revela como esses fatores se alinharam para transformar a Inglaterra no berço da Revolução Industrial, destacando a importância de um equilíbrio entre teoria e prática para o avanço de uma sociedade. A experiência inglesa oferece não apenas uma explicação histórica para seu sucesso, mas também valiosas lições sobre como a cultura, a religião e as instituições podem moldar o destino econômico de uma nação.

Em suma,”Poder e Progresso” oferece uma análise profunda de como a tecnologia tem sido historicamente utilizada para concentrar poder e riqueza, e propõe caminhos para direcionar a inovação tecnológica em beneficio de toda  a sociedade,não apenas de uma elite restrita.

Para você entender melhor do que eu

Para melhor entendimento do que você leu,apresento o resumo abaixo com as principais ideias do livro.

Daron Acemoglu e Simon Johnson, autores de Poder e Progresso | Foto: Reprodução

Primeira: Tecnologia nem sempre é progresso para todos

A inovação costuma ser apresentada como a solução para os problemas da sociedade, mas a realidade é mais complexa. Um exemplo é o descaroçador de algodão, inventado em 1793.Ele revolucionou a produção, mas também aumentou a demanda por mão de obra escravizada, fortalecendo o sistema de exploração e  enriquecendo apenas as elites proprietárias.

Segunda: Quem ganha com o progresso tecnológico?

Desde a Revolução Industrial até as plataformas digitais de hoje, a tecnologia trouxe avanços, mas também precarizou o trabalho e excluiu muitos.

A Automação e a inteligência artificial são exemplos atuais: enquanto eliminam empregos de baixa qualificação, concentram riqueza em um pequeno grupo de empresas e indivíduos

Terceira: O papel das instituições

Acemoglu e Johnson mostram que o impacto da tecnologia depende de como ela é usada. Em países como a Coreia do Sul,onde houve planejamento e investimento em educação , a tecnologia impulsionou crescimento e inclusão. Já em lugares com instituições frágeis, como o Paraguai, ela ampliou desigualdades e beneficiou apenas as elites.

Quarta: Perguntas que merecem respostas

Quem realmente se beneficia da inovação? Quem vem perdendo o bonde da história?

O livro destaca que progresso tecnológico não é só uma questão de avanços técnicos,mas de escolhas politicas e sociais.

Quinta: a Revolução Industrial

A Revolução Industrial é um exemplo clássico de como a tecnologia pode transformar economias. Na Inglaterra , uma combinação de inventores brilhantes ,instituições flexíveis e recursos naturais deu ao país uma vantagem global; Mas nem todos colheram os frutos desse progresso .Enquanto empresários prosperavam, trabalhadores enfrentavam jornadas exaustivas e condições precárias.

 O que dizem mentes brilhantes sobre este livro

“Este livro singular me fez compreender a influência entre sociedade, economia e tecnologia.”
Jaron Lanier

Jaron Lanier uma das maiores autoridades mundiais em ciência da computação e autor do clássico Dez Argumentos para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais.

“Poder e progresso traz a base de que precisamos para encarar os desafios à frente: a tecnologia só contribui para uma prosperidade compartilhada quando obedece a direitos, valores e princípios democráticos, e é regida por leis que garantem essas condições.”
Shoshana Zuboff

Oriunda da Universidade de Harvard, Shoshana Zuboff é uma psicóloga social, filósofa e respeitada pesquisadora americana. É autora de obras que repercutem nos quatro cantos do planeta, como A Era do Capitalismo de Vigilância, Na Idade da Máquina Inteligente e O Futuro do Trabalho e do Poder

O que aprendi com leitura de “Poder e Progresso

“Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.” Essa célebre frase de Antoine de Saint-Exupéry, extraída de O Pequeno Príncipe, serve como uma poderosa introdução ao debate proposto por Daron Acemoglu e Simon Johnson em Poder e Progresso. A obra dos ganhadores do Nobel de Economia deste ano nos convida a questionar a visão limitada de um mundo moderno guiado pela tecnologia, desnudando as armadilhas do progresso como um instrumento de poder.

O tecnicismo bitolado, que enxerga apenas o visível e ignora as complexas nuances do que é invisível, é o ponto de partida para a análise dos autores. Eles conduzem o leitor em uma viagem de mil anos pela história, mostrando como a tecnologia, embora frequentemente apresentada como sinônimo de modernidade, tem sido usada como ferramenta para perpetuar desigualdades, concentrar poder e justificar atrocidades.

Sob o manto da modernização, regimes como o nazista de Adolf Hitler exaltaram a tecnologia como símbolo de progresso, enquanto sua aplicação real resultou em horrores indescritíveis. Do mesmo modo, o avanço científico no estudo dos átomos culminou na criação da bomba atômica, um instrumento de destruição em massa que ceifou milhões de vidas. Esses exemplos revelam como o “moderno” pode mascarar intenções perversas, onde os fins justificam os meios.

No Brasil, a história recente também oferece lições importantes. Discursos modernizadores frequentemente ocultaram práticas nocivas. A falência da CELG, antiga estatal de energia de Goiás, é um exemplo emblemático: sob o pretexto de modernizar sua estrutura tecnológica, altos investimentos em computadores e pacotes tecnológicos levaram a empresa ao colapso financeiro, desnudando a perversidade invisível por trás do aparente progresso.

Assim, Poder e Progresso emerge como uma leitura obrigatória para quem deseja compreender a delicada e, por vezes, perversa relação entre poder e desenvolvimento. Acemoglu e Johnson nos lembram que o progresso tecnológico, por si só, não é garantia de justiça ou igualdade. É preciso enxergar além do visível, questionando as estruturas de poder que moldam e limitam seu potencial transformador. O essencial, como nos alerta Saint-Exupéry, é invisível — mas jamais irrelevante.

*Salatiel Soares Correia é Engenheiro, Administrador  de Empresas. Mestre em Energia pela Unicamp. Autor de 8 livros relacionados aos temas:Energia, Economia, Política e Desenvolvimento regional.

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