Uma leitura de ‘O Preço da Liberdade’, poema de Gilberto Mendonça Teles

Heloisa Helena de Campos Borges*

O Preço da Liberdade
Michael Collins …………………………. Presente
García Lorca ……………………… Presente
Jean Moulin ………………………Presente
Mahatma Gandhi …………………Presente
Patrice Lumumba …………………Presente
John Kennedy …………………….Presente
Eduardo Mondlane ……………….Presente
Humberto Delgado ……………….Presente
Luther King ………………………..Presente
Che Guevara ………………………Presente
Salvador Allende ………………… Presente
Amílcar Cabral …………………….Presente
Aldo Moro ………………………..Presente
Ali Bhutto …………………………Presente
Indira Gandhi …………………….Presente
Olof Palme ………………………..Presente
Chico Mendes …………………………..Presente
                               Nós, os ausentes, vos saudamos!     

O que dizer de um poema que não parece poema? Um poema sem as peças habituais dos poemas, ou seja, sem rimas, sem esquema rítmico, sem sistema de metrificação? Um poema, cujas pausas surgem do encadeamento monótono e repetitivo da palavra Presente? O que dizer de um poema sem formatação?

Não se trata de uma Elegia, não é Ode, nem Soneto, apesar de guardar traços dessas formas poéticas. Por exemplo, do Soneto, o verso final, a famosa ‘chave de ouro’, dos Madrigais e das Odes, a intenção de celebrar, da Elegia, uma certa tristeza. Mas, nem com tudo isso, ele poderia ser classificado como pertencente a uma delas.

Entretanto, há uma outra modalidade, a canção, composição mais curta e liberal, que permite todos os temas. Nem sempre destinada a ser cantada, ela pode ou não apresentar estribilho e, ainda, quando considerada como ‘canção nacional’, incorpora-se à tradição de todos os povos. 

As características apontadas parecem mais pertinentes para que se faça a classificação deste poema, se bem que eu me pergunte até que ponto isso é necessário e importante?

Mas, ao mesmo tempo, por que não dizer que ‘O Preço da Liberdade’ é uma canção? Mais. Por que não dizer que é uma canção de amor? Aliás, por que não dizer que ‘O Preço da Liberdade’ é uma bravíssima canção de amor?

Sem se ater ao amor sensual, éros, amor de concupiscência, amor que ama o outro pelo bem de si mesmo, mas figurando-se em agapè, palavra grega que quer dizer ‘banquete de confraternização’, amor de benevolência: amor que ama o outro pelo bem do outro, ‘O Preço da Liberdade’ é canto de amor solidário, que deseja, que luta pelo outro. 

Por esta razão, seus Heroína e Heróis são Cidadãos do Mundo. As diferenças dos credos, das raças, da temporalidade dos acontecimentos, ao contrário de se fazerem barreiras, são pontes para a Humanidade, para que outros, por elas, se orientem nas suas travessias individuais. 

Aos Heroína e Heróis desta canção, todo o nosso respeito. Além da vida, eles nos legaram valores, valores que permanecem inquestionáveis como o exercício da liberdade, que inclui escolha, responsabilidade e coragem de lutar pelo ideal que se sonha.

Portanto, mais que simples canção, ‘O Preço da Liberdade’ é uma grande ciranda de amor, constantemente remontada e executada a incontáveis mãos. 

Com formato poético inusitado, o de um livro de chamada escolar, este poema também faz a sua chamada, mas incomum chamada, pois além dos nomes, é uma chamada de vidas, uma chamada da História.  

Contrariando o habitual uso do livro de chamada, intróito do professor, quem diz ou ouve os nomes é que tem a aprender, porque não se trata de um simples registro de ausência ou presença em um espaço, porém de um apelo de valoração e destaque do ‘existir-sendo’ no Tempo. 

Os nomes são dispostos, um após o outro, cada qual com a sua linha pontilhada, onde pairam fatos, feitos, sentimentos, proporcionando a todos que os percebem, reviver um pausado e revolucionário espetáculo do caminhar da Humanidade.

Portanto, ‘O Preço da Liberdade’ é um jogo travado entre o ser e o não ser, entre o morrer e o viver, entre o se fazer presente e o ausentar-se da construção da História.    

Tratando-se de Poesia, é bom repetir que o discurso poético difere do discurso histórico. Ao invés de relatar objetivamente feitos, prefere mais sugerir, ao invés de se preocupar em alinhar os acontecimentos, prefere suspendê-los como nuvem carregada de um fluxo bravio de sentimento que paira sobre os versos, aqui, especificamente, nas linhas pontilhadas. 

Daí, a importância destas linhas, pois entre o nome pronunciado e o carimbo presente, o leitor relembra a passagem das lutas, das esperanças, das ousadias, dos ideais, das tragédias, jamais do fim.

O efeito disto no leitor é de grandiosa reverência, porque o obriga a fazer um ‘ralentando’ no seu ato de ler, porquanto o texto o encaminha para o desfecho que contrapõe presença/ausência; vida/morte; histórias da vida/vidas que fazem a História. 

Os mortos que fazem a História da Humanidade estão mais vivos, mais presentes do que nós, nós, que nos apresentamos agora e aqui, passivos, inertes.  

 Detenho-me no valor da Poesia. Quantas gerações se debruçaram sobre esta questão tentando descobrir para que ela serve. Sem intenção didática, prefiro refletir sobre a imensidão do seu universo. 

Não é novidade dizer que o universo poético aceita tudo, visto ser acolhedor de todo tipo de expressão, desde a visão panorâmica da civilização à intimista; da sensatez ao desvario…

Entretanto, apesar de tanta diversidade, de uma questão não se pode duvidar: a Poesia é capaz de manipular o Tempo. A Poesia reduz lonjuras, restringe diferenças e, sobretudo, consegue suspender a sua transitoriedade, essa, talvez, a maior das agruras da nossa condição humana.

Portanto, que viva a Poesia!

Heloisa Helena de Campos Borges é mestre em Teoria da Literatura e ocupa a cadeira nº 30 da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás. O ensaio foi escrito em 2005 para o livro “Mais que Simples Palavras” (Editora Kelps). É colaboradora do Jornal Opção.

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