Livro de Luciene Godoy e Valéria Belém investiga a insustentável leveza da felicidade

Francisco Barros

Especial para o Jornal Opção

Você está pronto para uma sessão de análise? Ajeite-se numa poltrona confortável. Abra o livro “A Felicidade Não É para Covardes” (Editora Nacional, 272 páginas). Coloque o celular no silencioso. Não se deixe interromper. Mergulhe. Sem se dar conta, você será conduzido por águas pouco exploradas. Ou se preferir: por uma viagem ao desconhecido. Enfim, prepare-se para ficar “cara a cara” com o seu “eu interior”.

Mas não estranhe. O livro sobre o qual estou comentando não é um tratado hermético, para iniciados. São crônicas leves, que fluem como as águas de um riacho, escritas a quatro mãos pelas experientes psicanalistas Valéria Belém e Luciene Godoy. Sim, o título é uma provocação. Mas como não ser provocativo num mundo povoado por tanta desatenção?

O propósito das duas autoras está muito bem explicitado numa das crônicas do livro. É como se fosse uma profissão de fé: “… falar de psicanálise para que todo e qualquer interessado possa usufruir, sem precisar de palavras difíceis para provar meu nível de conhecimento”, sublinha Luciene. O título da crônica é bem elucidativo: “Falar difícil, para que serve?”.

Luciene Godoy: psicanalista e escritora | Foto: Divulgação

O fato é que os textos fluem como conversas íntimas, entre amigos que se conhecem há muitos anos. São trocas de experiências, algumas vezes “bons conselhos”, mas sem moralismos; em outros momentos, leves advertências e puxões de orelhas. O leitor, a cada página virada (sempre com muita sutileza), é convencido a desbravar a próxima. Como o degustar de um vinho de boa safra.

Alternando a assinatura das crônicas, Valéria e Luciene tocam em pontos sensíveis. Mas não arrancam cascas de feridas. Simplesmente mostram que elas existem. E o fazem de forma não invasiva. Em outras palavras: chamam atenção para que não permaneçam invisíveis. E fazem o convite para que você as observe, sinta-as, pondere-as e as vivencie. E se transforme. Vida é movimento.

As autoras não tergiversam. Vão direto ao ponto. Como quando afirmam: “… vivemos mais infelizes pelo que não temos, do que felizes pelo que temos”. Luciene pincela, como quem desenha uma aquarela: “Desejar, querer descobrir, inventar, arriscar-se e se surpreender, usufruir do mundo, são possibilidades só para quem anda com os olhos bem abertos.”

Valéria Belém: jornalista, escritora e psicanalista | Foto: Divulgação

E o leitor, de “olhos bem abertos”, se espantará (ainda bem) diante das provocações como essa feita por Valéria: “A delícia das delícias é descobrir o que fazer com isso que é você, olhar para o futuro, arriscar-se em situações que tiram o pó dos sapatos, lançando os pés em outras estradas”. E Luciene, ainda mais provocativa, alfineta: “Será que somos dignos da vida que nos foi dada?”

Antes que o leitor tome fôlego, Luciene acrescenta: “Há uma lista infinita das nossas realizações, mas vamos diariamente passando por cima delas, distraídos pela beleza insuspeita das nossas pequenas grandes conquistas”. Como hábeis arquitetos sentados diante do esboço de sua obra, Luciene explica: “Projetamos o que está dentro de nós e, só então, fazemos fora o que está dentro.”

As duas escritoras defendem que a modernidade nos trouxe a um mundo onde “tudo que é sólido se desmancha no ar”. Por isso mesmo, não se deve alimentar culpa, nem obrigações que sufocam o desejo. Elas argumentam que o século 21 é o momento mais propício para “colher os muitos frutos plantados pelos nossos antepassados”. Nesse sentido, ele [o século 21] “representa a conquista de instrumentos que nos permitem viver melhor juntos”. 

Valéria, sem falsa modéstia, aponta o poder das palavras e como é possível utilizá-las para intervir nesse mundo caótico em que vivemos. Numa das crônicas que assina, registra de maneira franca: “… lembrei o que posso fazer pelo mundo com minhas palavras: escrever, transmitir, dar voz ao sofrimento humano, construir pontes para muitos encontros.”

Nesse ato de construção de pontes, Valéria explica que “alguns caminhos nos conduzem a um verdadeiro encontro com o outro por meio da linguagem”. Mas para isso, sublinha, é necessário “Ver e ouvir o outro a partir do que ele tem de único, de singular, nos levar a enxergar novos mundos e a melhorar nossos relacionamentos.”

Em outra crônica, o leitor é como que sacudido em sua poltrona confortável, quando Valéria chama a sua atenção. “Perceba: estamos vivendo a maior reviravolta nos laços sociais de toda a história da humanidade.” Nem precisa acrescentar: trata-se de uma revolução. E as duas escritoras cravam a seguinte máxima: “Ao longo dos milhares de anos, nos desenvolvemos de homens das cavernas a seres conectados em rede.”

Esse “admirável mundo novo” se abre para infinitas janelas de oportunidades, posto que as relações deixaram de ser verticais e o poder deixou de ser exercido de cima para baixo. “No aqui, agora, hoje, não precisamos mais nos encaixar em lugar algum. Podemos estar onde quisermos, se quisermos”, explica Valéria, que ainda ressalva: “Também podemos mudar amanhã, se der vontade.”

Mas talvez permaneça a dúvida na cabeça do leitor: Por que “A Felicidade Não É Para Covardes?” Aqui as peças se encaixam: “… qualquer coisa pode ser motivo para viver bem o dia que se inicia”, ensina Valéria. “A gente pode ser feliz por tudo na vida (e tem quem escolhe ser infeliz por tudo!”. Será que dá para ligar o nome à pessoa? A felicidade (sim) é leve. Insustentável é a covardia.

Francisco Barros, jornalista e escritor, é colaborador do Jornal Opção.

Luciene Godoy é psicanalista

Luciene Godoy é psicanalista especialista em clínica para o século 21. Escreve sobre relações humanas — livros, artigos para jornal e trabalhos científicos.

Conduz pesquisas sobre amor, paixão, felicidade e angústia. Fundou o Instituto Bebê Canguru, que pesquisa e divulga a exterogestação — uma proposta de receber o bebê após a perda do útero materno em um útero-externo, a bolsa canguru.

É membra efetiva da instituição internacional La Cause des Bébés. Graduada em Pedagogia, é pós-graduada em língua e literatura inglesa/americana, metodologia de ensino, estimulação precoce, périnatologie e clínica psicanalítica.

Valéria Belém é psicanalista e escritora

Valéria Belém é psicanalista, escritora e jornalista. Tem formação em psicanálise pelo GTEP do Instituto Sedes Sapientiae (SP) e pelo Instituto da Psicanálise Lacaniana (Ipla/SP).

É especialista em Psicanálise da clínica aos espaços institucionais pelo Ipog (GO).

É integrante do Instituto Bebê Canguru e da associação francesa transdisciplinar La Cause des Bébés.

Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Goiás, é diplomada Jornalista Amigo da Criança pela Andi. Autora de 34 livros infantis, entre eles “O Cabelo de Lelê” e “Feita de Pano”, escolhidos pelo Ministério da Educação (MEC) para participar do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE); e “Um Mundo Dentro de Mim” e “A Vaca Avacalhada”, escolhidos pelo MEC para participar do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD Literário).

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