Por Fabrício Barreto Teresa, Gabriel Ângelo Marques Diniz Paula, Victor Yuri da Silva Moreira, Jhonatan Silva Lima, Carlos Filipe Camilo Cotrim, Fernanda de Paula Gomes, Douglas dos Santos Silva*
Especial para o Jornal Opção
A bacia do rio Araguaia abriga cerca de 450 espécies de peixes, cerca de 15% das espécies do Brasil. É a mais rica entre as bacias do Cerrado. Grande parte dessa diversidade ainda é muito pouco conhecida, com distribuição restrita e que ocorre em pequenos córregos. Entretanto, há também uma parte dessa diversidade que é mais popular, velha conhecida dos pescadores. São os peixes que ocorrem nos rios e que são apreciados como fonte de alimento ou pela esportividade durante a pescaria.
Quando navegou pelo rio Araguaia no século XIX, Couto de Magalhães registrou relatos impressionantes sobre o tamanho e a abundância dos peixes. Em um desses relatos, após capturar uma piraíba cuja cabeça mediu dois palmos e meio de largura, ele observou “Continuamos a pesca, até 11h da noite conseguindo mais uma piraíba, um chicote, de cinco palmos de comprimento, uma pirarara e alguns peixes menores…”. Hoje, os peixes do Araguaia continuam despertando o interesse dos pescadores que vêm de todo o país. Essa atividade segue desempenhando um papel importante tanto para as populações locais quanto para os visitantes, e se manifesta em diferentes modalidades. A pesca profissional, voltada à comercialização do pescado, é mais comum nos estados do Mato Grosso, Pará e Tocantins. Nessas mesmas regiões, assim como em Goiás — Estado onde há restrição legal para o transporte de peixes — predominam as modalidades amadora e esportiva.
Mas por que o rio Araguaia tem tanto peixe? Uma das razões é que o Araguaia é um dos poucos rios que ainda possui fluxo livre, ou seja, está livre de barramentos no seu canal principal. Assim, o rio mantém seu fluxo natural e varia de nível de água e vazão de acordo com as estações. Na época das cheias, o rio sobe e alaga grandes extensões de terra, como as planícies de inundação. Na seca, as águas recuam para o canal principal. Esse sobe e desce do nível da água é chamado de pulso de inundação, um processo natural fundamental para a dinâmica ecológica dos rios e que é fundamental para a reprodução e persistência das espécies. Além disso, o rio Araguaia ainda possui muitas áreas ainda conservadas, o que é essencial para a manutenção do ciclo de vida das espécies. Entretanto, infelizmente, essa realidade está mudando nas últimas décadas, com o avanço do desmatamento, poluição, assoreamento e retirada de água.
Apesar da importância da pesca no Araguaia e em face das ameaças crescentes à conservação das espécies, ainda faltavam informações básicas sobre os estoques pesqueiros, o que dificulta a adoção de ações de manejo e conservação. Para preencher essa lacuna, foi iniciado o “Monitoramento Participativo da Pesca no Rio Araguaia”, uma iniciativa que é parte do Programa Araguaia Vivo 2030 (@araguaiavivo), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) e gerenciado pela TWRA (“Tropical Water Research Alliance”). O objetivo do monitoramento é produzir dados de forma sistemática sobre as espécies-alvo da pesca. Essas informações são fundamentais para estabelecer uma linha de base para acompanhar as tendências futuras dos estoques, de forma para orientar estratégias de manejo, promover a conservação e garantir a sustentabilidade da atividade pesqueira.
O Monitoramento
O monitoramento está ocorrendo desde março do ano passado e abrangeu toda a temporada de pesca de 2024 e o primeiro trimestre da temporada de 2025. A coleta dos dados ocorre nos municípios de Aruanã, Nova Crixás (São José dos Bandeirantes) e São Miguel do Araguaia (Luiz Alves), em Goiás, e em São Félix do Araguaia, no Mato Grosso.
Os dados das pescarias são registrados por meio de entrevistas nos portos mais movimentados de Aruanã e Luiz Alves. As entrevistas são realizadas durante quatro dias por mês por pesquisadores que abordam os pescadores no retorno das pescarias e registram as informações sobre as espécies capturadas, quantidades, tamanhos, número de pescadores e duração da pescaria.
Participação dos guias de pesca como cientistas cidadãos
Um dos diferenciais do projeto é o envolvimento direto dos guias de pesca como protagonistas do monitoramento. Além dos dados obtidos pelos pesquisadores, 50 guias atuam como cientistas cidadãos, registrando em um diário de pesca as informações detalhadas sobre as capturas e o esforço de pesca das pescarias que participam. Essa colaboração é muito importante, pois os guias de pesca possuem profundo conhecimento sobre o rio e os peixes.
A colaboração vai muito além do registro dos dados. Eles participam de reunião de planejamento no início da temporada de pesca e também da interpretação dos resultados. Como forma de prestigiar os guias de pesca parceiros, o Programa Araguaia Vivo criou também a série “guias parceiros” no perfil do projeto no instagram (@araguaiavivo) dedicada à publicação das fotos e dos perfis dos guias colaboradores.
Principais resultados do monitoramento
O monitoramento da pesca é um processo contínuo que precisa se estender por vários anos para permitir a identificação de tendências. A coleta de dados segue em 2025, mas os resultados de 2024 já oferecem um panorama inicial importante. Na primeira temporada do monitoramento, foram registradas 1.665 pescarias, envolvendo 4.578 pescadores. Ao todo, 10.753 peixes de 24 espécies diferentes foram capturados, com um rendimento médio de 6,4 peixes por pescaria. As espécies mais frequentes foram mandubé, barbado, dourada, cachorra-facão, corvina e pirarara, que juntas representaram 83% do total de peixes pescados. Um dos resultados mais significativos foi o registro do rubinho (Aguarunichthys tocantinensis), espécie criticamente ameaçada de extinção e, até então, conhecida apenas para o rio Tocantins. Enquanto essa espécie enfrenta sérias ameaças no Tocantins devido ao represamento por hidrelétricas, os registros no Araguaia indicam que sua distribuição é mais ampla do que se imaginava. Essas informações podem ter implicações importantes tanto para a reavaliação do status de conservação da espécie, quanto para o planejamento de estratégias voltadas para a sua conservação.
Entre as espécies que mais atraem a atenção dos pescadores esportivos estão a piraíba (Brachyplatystoma filamentosum) e a pirarara (Phractocephalus hemioliopterus). O rendimento da pesca desses peixes foi mais alta entre abril e junho, com um pico em maio, reduzindo nos meses seguintes. Os dados de tamanho obtidos no monitoramento para essas espécies revelam que, na média, as piraíbas apresentaram 1,27 m, enquanto as pirararas 1,1 m. O acompanhamento da distribuição de tamanho das espécies alvo ao longo dos anos é fundamental, pois ele é um indicador da intensidade da pressão de pesca e da renovação dos estoques. A maior parte dos indivíduos dessas espécies registrados estava acima do tamanho da primeira maturação reprodutiva, o que é um bom indicativo de menor impacto da pesca sobre a reprodução.
Divulgação dos resultados para a comunidade
Tão importante quanto produzir dados sobre a pesca é garantir que essa informação chegue ao público. Por isso, os resultados estão sendo reunidos em um Boletim da Pesca, o qual está disponível online e deve ser atualizado ao final de cada ano de monitoramento.
Além disso, os dados de 2024 foram apresentados em encontros realizados em Aruanã, São José dos Bandeirantes e Luiz Alves, promovendo momentos de diálogo direto com as comunidades locais. Nessas ocasiões, os participantes puderam conhecer os resultados, refletir sobre suas implicações e contribuir com observações e conhecimentos próprios. Como forma de valorização pela parceria no projeto, foram entregues certificados de participação aos guias de pesca que atuaram como cientistas cidadãos.
O Monitoramento Participativo da Pesca segue em andamento ao longo de 2025, consolidando-se como uma iniciativa colaborativa fundamental para ampliar os conhecimentos sobre os peixes e a pesca no rio Araguaia!
Fabrício Barreto Teresa – Professor na Universidade Estadual de Goiás, coordenador da Atividade de Turismo e Pesca no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Gabriel Ângelo Marques Diniz Paula – Biólogo e Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais do Cerrado da Universidade Estadual de Goiás (UEG), pesquisador do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Victor Yuri da Silva Moreira– Biólogo e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais do Cerrado da Universidade Estadual de Goiás (UEG), pesquisador do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Jhonatan Silva Lima – Engenheiro de Pesca e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais do Cerrado da Universidade Estadual de Goiás (UEG), pesquisador do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Carlos Felipe Camilo Cotrim – Professor na Universidade Estadual de Goiás, pesquisador do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Fernanda de Paula Gomes – Professora na Universidade Federal de Goiás, Secretária Nacional de Aquicultura do Ministério de Pesca e Aquicultura.
Douglas dos Santos Silva – Turismólogo, Doutor em Biodiversidade Animal, vice coordenador da Atividade de Turismo e Pesca do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
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