Por Everardo Gueiros*
Para o Blog do Claudio Dantas
A CPI das Bets, como vem sendo chamada, é mais do que um episódio lamentável de autopromoção parlamentar e influência digital: é o retrato de um Estado que perdeu o senso de prioridade, de responsabilidade e, mais grave ainda, de vergonha. Não se trata apenas do papelão de uma influenciadora ou do riso frouxo de parlamentares entretidos, mas da confissão pública de que normalizamos o vício em nome do lucro e da distração.
O Brasil tolera que jovens de 16, 17 anos passem noites inteiras “apostando” em jogos cujas regras sequer conhecem. E, enquanto isso, o poder público, que deveria regular, prevenir e educar, escolhe assistir de camarote — de preferência com uma cota de patrocínio e uma fatia do imposto. A CPI, em tese um instrumento de controle, virou palco de um teatro sem direção, onde ninguém quer de fato chegar a lugar algum. Porque o lugar certo — a regulação equilibrada com uma responsabilização exemplar — mexe com interesses bilionários.
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Há algo de profundamente perverso na maneira como o país lida com as chamadas “bets”. A omissão legislativa, a leniência da fiscalização, o silêncio conivente das autoridades de saúde mental e a cumplicidade dos grandes canais de mídia formam uma cadeia de permissividade que não pode ser ignorada. A CPI é apenas a ponta visível do colapso ético.
Pior que tudo é o simulacro de debate. Enquanto se convoca uma influenciadora digital para dar explicações sobre publicidade de apostas, como se ela fosse a gênese do problema, o Estado esconde sua própria ausência normativa. O que está em discussão não é se ela deveria ter feito ou não uma publicação. O que deveria estar na pauta é por que o Brasil permitiu, sem marcos legais adequados, que plataformas estrangeiras operassem livremente, aliciando emocional e financeiramente milhões de brasileiros.
Do ponto de vista jurídico, a ausência de uma regulação robusta transforma o ordenamento em letra morta. Não é à influenciadora que devemos cobrar a solução, mas à estrutura institucional que dormiu enquanto uma epidemia silenciosa de endividamento e compulsão se espalhava em forma de publicidade colorida entre vídeos de comédia e dança.
A CPI das Bets não deveria ser o palco do ridículo, mas a porta de entrada para um debate sério sobre saúde pública, educação financeira, responsabilidade digital e soberania normativa. Não é ser contra o jogo pura e simplesmente. É criar os mecanismos corretos para que os prêmios não sejam para poucos, e os prejuízos, para todos.
*Advogado e empresário. Foi secretário de Projetos Especiais do Governo do Distrito Federal, desembargador do TRE-DF, conselheiro federal da OAB, presidente da Caixa de Assistência da OAB/DF e diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB/PE.
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