No último domingo, 27, o escritor e editor da Revista Bula Carlos Willian Leite entreabriu a caixa preta ao publicar o artigo “O que o Google está escondendo? As mudanças que estão afetando milhões de sites no mundo inteiro”. No texto, Carlos Willian resume a história sobre como jornais, blogs e revistas criaram dependência da empresa para distribuição de seu conteúdo e, nas últimas semanas, quando o número de acessos despencou, se viram nas mãos da big tech.
Com enorme parte das matérias chegando aos leitores por meio do Google (em especial o Google Discover), editores já estavam conscientes de que, na realidade, trabalham para o buscador. Em troca de acessos (na internet, acessos significam receita com publicidade), os sites criam conteúdo para alimentar o Discover, a inteligência artificial Gemini e outros produtos. Sempre houve esperança de que a relação se mantivesse estável, com distribuição regular das publicações ao público.
Sites noticiosos podem adaptar sua redação e programação para se tornarem mais amigáveis ao motor de buscas. Ao fazer isso, ficam melhor ranqueados (surgem no topo das sugestões para o usuário em suas buscas). Quando mesmo os colaboradores mais voluntariosos foram punidos com a queda do tráfego, ficou claro que a desejada estabilidade não existe.
A justificativa oficial para a mudança de regras na distribuição de publicações foi a de que o Google buscava favorecer conteúdos mais “originais”, mais “humanos”, menos “fabricados”. Paradoxalmente, quem premiou com melhor ranqueamento as publicações menos humanas, e quem treinou administradores de sites a priorizar a forma “fabricada” acima do conteúdo original foi o próprio Google. A mudança repentina mostrou um controle arbitrário e caprichoso sobre as regras do jogo.
Para o leitor que nunca quis aparecer nos resultados de buscas, o funcionamento das engrenagens da internet pode soar como tecnicidade fútil, mas não é. Estamos atravessando uma transformação de pensamento — a pergunta “quem deve ser informado do quê?” tem resposta cada vez mais complexa. Hoje, não apenas os jornais têm conflitos de interesses pela dicotomia entre sua natureza comercial e sua função pública; agora, também os “jornaleiros”, os distribuidores das notícias, têm interesses conflitantes. Este é, na verdade, o mais recente capítulo da crise do Jornalismo que se iniciou no final do século 20.
O “jornaleiro” Google tem interesse em anunciantes, e há preocupação com a insatisfação de anunciantes (o efeito dessa insatisfação é relativo, já que a bich tech é acusada de ter monopólio do mercado de anúncios on-line). Primeiro, interessa ao Google eliminar a sensação de que resultados de buscas são construções vazias para enganar o algoritmo. A geração Z, inclusive, usa o Tik Tok como fonte de informação justamente porque nas redes sociais em que se vê a cara dos autores, o leitor tem certeza de que não há truques de SEO.
Segundo, se o Google puder compor respostas “originais” com sua inteligência artificial Gemini em vez de encaminhar usuários para sites de terceiros, melhor. Por último, há a impressão de que a cobertura da imprensa sobre pautas negativas para a empresa é reprimida. A queda do tráfego se iniciou no dia 14, data da sentença do juiz americano que considerou o Google um monopólio, e se acirrou a partir do dia 22. É difícil negar o timiging, apesar das justificativas oficiais.
Após ler sobre mudanças profundas que preocupam dos pequenos aos grandes sites, esse hipotético leitor leigo pode agora estar surpreso com o fato de que questões importantes sobre tráfego são raramente debatidas. Essa caixa preta entreaberta por Carlos Willian é a razão da vantagem das bich techs sobre a imprensa. O jornalismo precisa discutir soluções; mas fazer isso significa admitir queda de acessos, portanto, queda de faturamento e de valor para os anunciantes. Os jornais têm preferido ficar calados com esperança de que a relação se restabeleça, estável e previsível.
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