Quatro meses antes de ser alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) por suspeita de fraudes bilionárias nos descontos sobre aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap) firmou contrato com o escritório do advogado Enrique Lewandowski, filho do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski. A informação foi revelada pelo portal Metrópoles, que teve acesso ao documento.
Assinado em dezembro de 2024, o acordo estipula pagamento mensal de R$ 200 mil, dos quais R$ 50 mil seriam destinados diretamente ao escritório do filho do ministro. O contrato teria ainda uma validade de 12 meses e valor total de R$ 600 mil em um ano.
De acordo com o contrato obtido pelo Metrópoles, o objetivo da contratação era assegurar a manutenção do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS, que permite descontos automáticos na folha de pagamento dos aposentados filiados ao Cebap. Além disso, previa-se uma atuação institucional junto a órgãos como o INSS, a Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
A operação da Polícia Federal, deflagrada na última quarta-feira, 23, apura um esquema de descontos indevidos sobre benefícios previdenciários, que teria desviado até R$ 6,3 bilhões. O Cebap foi um dos principais alvos da ofensiva, tendo sua sede, localizada em São Paulo, vasculhada por agentes federais. A contratação do escritório de Enrique Lewandowski ocorreu em meio a auditorias da CGU e do TCU, que, já naquela época, apontavam indícios de fraudes nas filiações de aposentados.
Conforme revelado pelo contrato, o serviço prestado pelos advogados incluiria “atendimento consultivo às fiscalizações demandadas pelos órgãos reguladores dos ACTs” e “assessoria jurídica consultiva para evitar a desabilitação da cliente [Cebap] dos quadros do INSS como entidade autorizada a realizar descontos de mensalidades de seus associados, sempre em âmbito administrativo”. O compromisso firmado previa a participação dos representantes jurídicos em reuniões com autoridades públicas para apresentar diagnósticos e debater o vínculo do Cebap com as instituições reguladoras.
O que diz a defesa de Lewandowski
Procurado, o advogado Enrique Lewandowski, por meio de sua assessoria, declarou que o contrato “diz respeito a uma proposta de prestação de serviços na área do direito administrativo” e que não abrange “atuação na esfera criminal”. Ele também enfatizou que “jamais atuou em nenhum processo no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública”. Já a assessoria do ministro Ricardo Lewandowski ressaltou que “não há, nem houve, nenhuma atuação do referido escritório no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública”.
Embora o contrato mencione atuação junto à Senacon — vinculada à pasta comandada pelo pai do advogado — o escritório afirma que sua atuação se restringe à esfera administrativa e institucional. Ainda assim, a Senacon, como órgão com prerrogativa de aplicar multas milionárias em defesa do consumidor, aparece entre as autoridades que passaram a investigar as irregularidades apontadas desde dezembro de 2023.
O Cebap é uma das três entidades associativas ligadas ao empresário Maurício Camisotti, suspeito de comandar o esquema utilizando-se de laranjas. Ele também foi alvo da operação da PF. Habilitado pelo INSS em dezembro de 2022 — durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — o Cebap obteve autorização para descontar mensalidades associativas diretamente da folha de pagamento dos aposentados.
Os primeiros descontos começaram em junho de 2023, gerando naquele mês uma receita de R$ 388 mil. Em menos de um ano, o faturamento saltou para R$ 9,9 milhões mensais.
Segundo o Metrópoles, somente empresas ligadas a Camisotti teriam recebido R$ 43 milhões dessas associações. O contrato firmado com o escritório do filho de Lewandowski foi encontrado em um computador pertencente a ex-diretores do Cebap, incluindo o ex-presidente Charles Ariel, que, segundo a reportagem, era próximo de Camisotti, mas rompeu com ele após a revelação do escândalo.
Além de ter sido alvo de busca e apreensão, o Cebap também acumula diversas condenações judiciais por realizar cobranças de mensalidades sem o consentimento dos beneficiários. Mesmo assim, em dezembro de 2024, a entidade buscava garantir institucionalmente a continuidade do ACT, justamente no momento em que já era alvo de investigações.
No mesmo dia da operação, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu entrevista coletiva em Brasília para detalhar o escopo das investigações. Na ocasião, ele afirmou que a ofensiva policial cumpriu 211 mandados de busca e apreensão, além de seis ordens de prisão, por envolvimento no desvio dos recursos de aposentados e pensionistas. Apesar da ligação entre o nome de seu filho e o Cebap, o ministro reiterou não haver nenhuma interferência do Ministério da Justiça no contrato ou nos atos do escritório.
O Ministério da Previdência anunciou na última sexta-feira, 25, a suspensão de todos os acordos de cooperação técnica com entidades associativas. Além disso, a pasta garantiu que os valores descontados dos beneficiários em abril serão devolvidos. A restituição dos valores anteriores, por sua vez, será analisada por um grupo da Advocacia-Geral da União (AGU), que está responsável por tratar do tema.
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