Thomas Friedman, do “New York Times”, escreveu um dos melhores artigos sobre a crise das tarifas — e muito mais — entre os Estados Unidos de Donald Trump e a China Xi Jinping. “Acabo de enxergar o futuro, e adivinhem? Ele não envolve os Estados Unidos” foi publicado no Brasil pelo “Estadão”, com tradução de Guilherme Russo, na quinta-feira, 3.
O jornalista americano esteve na China, recentemente, e ficou impressionado com o novo e gigantesco centro de pesquisas da Huawei.
Um empresário americano, que operou na China durante vários anos, disse a Friedman: “Houve um tempo em que as pessoas iam para os Estados Unidos ver o futuro”. Agora, ressaltou, vão para a China.
Construído em três anos, o complexo da Huawei “conta com 104 edifícios projetados individualmente com gramados bem cuidados, conectados um monotrilho, laboratórios para até 35 mil cientistas, engenheiros e outros trabalhadores e 100 cafés, além de estúdios de fitness e outras vantagens projetadas para atrair os melhores especialistas em tecnologia chineses estrangeiros.
A China exclusiva das bugigangas, com quais o país fez e, de certo modo, ainda faz sua acumulação primitiva de capital, não existe mais. Trata-se de um país altamente tecnológico e, como tal, altamente competitivo. Disputa, de igual para igual, com Estados Unidos e Alemanha. O Japão ficou pata trás. A Alemanha, apesar da alta qualidade de seus produtos, também está ficando. (E há um país que Friedman não menciona: a Índia está chegando e tão forte que, em breve, estará concorrendo com o país de William Faulkner e o país de Can Xue.)
Os Estados Unidos tentaram destruir a Huawei, depois de 2019, “restringindo-lhe a exportação de tecnologia americana, incluindo semicondutores, em meio a preocupações com segurança nacional”, assinala Friedman.
A Huawei, apesar dos grandes prejuízos, decidiu não lamuriar, e sim inovar.
Friedman transcreve trecho de uma reportagem do jornal sul-coreano “Maeil Business”: “A Huawei surpreendeu o mundo ao apresentar a série ‘Mate 60’, um smartphone equipado com semicondutores avançados no ano passado, apesar das sanções dos Estados Unidos”.
Depois, a Huawei lançou “o primeiro smartphone triplamente dobrável do mundo e revelou seu próprio sistema operacional móvel, o Hongmeng (Harmonia), para competir com os softwares da Apple e do Google”.

Cerceada pelos Estados Unidos, a Huawei inovou ainda mais, pontua Friedman, ao “criar tecnologia de IA para todas as coisas, de veículos elétricos e autônomos até equipamentos de mineração autônomos capazes de substituir mineiros humanos”.
É provável que poucos brasileiros saibam que foi Jânio da Silva Quadros, presidente da República do Brasil, nos primeiros oito meses de 1961. Ele tinha o hábito de governar por bilhetes e perdia tempo com coisas sem importância (se mulheres estavam indo de biquíni à praia todos os dias e até com briga de galo). Pois Donald Trump, com sua agenda ideológica retardatária, numa espécie de identitarismo ao contrário, está preocupado “sobre quais modalidades atletas transgêneros americanos podem competir”, é um Jânio Quadros piorado. Porque, com sua agenda isolacionista, prejudicará, não apenas os Estados Unidos, e sim todo o mundo.
Não há dúvida: a China é uma ditadura. Mas, em termo de tecnologia e de fazer a coisa certa, não ideologicamente, representa um avanço imenso. O país está focado, mostra Friedman, “em transformar suas fábricas com IA para ser capaz de superar todas as manufaturas” dos Estados Unidos.
Friedman enfatiza que “a estratégia de ‘Dia da Libertação’ de Trump é dobrar o valor das tarifas ao mesmo tempo que destrói nossas instituições científicas nacionais e a força de trabalho que estimula a inovação nos Estados Unidos. A estratégia de libertação da China é abrir mais complexos de pesquisa e dobrar a aposta na inovação impulsionada pela IA para se libertar permanentemente das tarifas de Trump”.
O “Wall Street Journal” publicou que “o lucro líquido da Huawei mais do que dobrou” em 2024. Um dos motivos é “um novo hardware que ‘roda em seus chips nacionais’”.
Há como, numa economia integrada, o país para rico do mundo, os Estados Unidos, operar sem o segundo mais rico, a China? Friedman sugere que não: “O melhor futuro para ambos — às vésperas da revolução da IA — e uma estratégia chamada: fabricado nos EUA, por trabalhadores americanos em parceria com capital e tecnologia chineses”.
Friedman assinala “que praticamente todos os produtos complexos hoje em dia — carros, iPhones e vacinas de mRNA — fabricadas por ambientes globais de manufatura, gigantescos e complexos. É por isso que esses produtos ficam cada vez melhores e mais baratos”. Reúnem tecnologias e matérias-primas variadas e de qualidade. O mundo depende de insumos da China, o que o jornalista não diz, para fabricar vacinas.
Trump, com suas tarifas contraproducentes, postula que está protegendo, por exemplo, a indústria automobilística. Friedman diz que quem faz isto “não sabe nada sobre como os carros são produzidos. Levaria anos para as montadoras americanas substituírem as cadeias globais de fornecimento das quais dependem e fabricarem tudo nos EUA. Até a Tesla precisa importar algumas peças”. Elon Musk, por certo, está preocupado com a ações do amigão presidente.
A China copia tudo ou quase tudo. De fato, o país copiou o melhor da tecnologia global. Porém, no momento, produz tecnologia de ponta, própria, e faz “as coisas mais baratas, mais rápidas, melhores, mais inteligentes e cada vez mais infundidas de IA”.
O segredo da China, um deles, é investir em educação (e não perder tempo com discussão ideológica; já Trump parece um soldado invernal da Guerra Fria que, como Rippe Van Tiple, acordou 36 anos depois da queda do muro de Berlim). “A China começa com ênfase em educação STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). A cada ano, o país produz cerca de 3,5 milhões de graduados em STEM.”
O correspondente do Times em Pequim, Keith Bradsher, informa: “A China tem 39 universidades com programas para treinar engenheiros e pesquisadores para a indústria de terras raras. As universidades americanas e europeias oferecem principalmente cursos ocasionais”.
Os Estados Unidos, sob Trump, decidiu taxar a China e o país asiático contra-atacou, elevando as tarifas sobre os produtores americanos.
Crítico de Trump, mas entre os mais moderados, Friedman enfatiza que “é impossível alcançar a prosperidade simplesmente impondo tarifas, especialmente no alvorecer da IA”. O resultado das ações do presidente dos Estados Unidos pode ser inflação e estagnação. E não apenas nos EUA, e sim em quase todo o mundo”.
Por que os americanos escolheram um homem do “passado” para gerir seu presente e seu futuro? Talvez porque a decadência precise de um representante, quiçá de um bárbaro que capte a lamúria dos que caem. Porém, é preciso ressalvar que, apesar do avanço da China, os Estados Unidos permanecem com a maior potência tecnológica.
I Ian Shen Lin, americano que trabalha no Asia Group, afirma que, ao contrário do que se pensa, “o DeepSeek não deveria ter sido uma surpresa. (…) A China está definindo os padrões tecnológicos do futuro sem a colaboração dos EUA. Isso nos colocará em uma série desvantagem competitiva no futuro”.
A China, apesar dos rápidos avanços, não chegou a auge. Com o domínio tecnológico, de alta qualidade, prestes se aproximará ainda mais dos Estados Unidos, podendo superar o país de Trump, o político, quem sabe, da decadência sem elegância.
Friedman cita Michele Gelfand, professora da Universidade Stanford: “Os defensores de Trump argumentam que sua imprevisibilidade desestabiliza os oponentes. Mas os grandes negociadores sabem que confiança, e não caos, obtém resultados duradouros. A abordagem ‘ganha-perde de Trump para fazer acordos é um jogo perigoso”.
Michele Gelfand acrescenta: “Se” Trump “continuar a tratar irresponsavelmente aliados como adversários e negociações como campos de batalha, os Estados Unidos arriscam não apenas ir mal nos negócios, mas também se deparar com um mundo no qual não teremos mais ninguém com quem negociar”.
No fim de seu artigo, Friedman cita Dov Seidman, autor do livro “Como — Por que o como fazer algo significa tudo… nos Negócios (e na Vida): quando se trata da China e dos Estados Unidos, “a interdependência não é mais nossa escolha. É nossa condição. Nossa única escolha é forjar interpendências saudáveis e ascender juntos, ou manter interdependências doentias e despencar juntos”.
Noutras palavras, apesar de Trump, os Estados Unidos dependem da China e vice-versa. Não há escapatória. Oxalá Donald não se torne o Pato da História.
O post Tarifaço de Trump pode levar EUA à decadência e a China a ser o país mais rico do mundo apareceu primeiro em Jornal Opção.