Como a série Adolescência ajuda a compreender os processos psicológicos por trás da violência juvenil?

A série “Adolescência” ganhou destaque ao abordar questões fundamentais da juventude contemporânea, como a violência juvenil e a influência das redes sociais na formação da identidade. Em uma entrevista exclusiva ao Jornal Opção, a psicóloga infantil Talge Aryce compartilhou suas reflexões sobre os desafios enfrentados por adolescentes na atualidade.

Aryce ressaltou que a série ilustra uma família que, apesar de parecer funcional, enfrenta dramas ocultos. “O filho de treze anos comete um assassinato devido à pressão de aceitação imposta por seus pares, revelando a vulnerabilidade dentro do ambiente familiar e escolar”, explicou. A pressão para se encaixar e a inadequação emocional são fatores que podem levar os jovens a situações extremas.

Talge Aryce é psicóloga infantil | Foto: Reprodução

O bullying, especialmente nas redes sociais, foi outro ponto crucial discutido pela psicóloga. Aryce destacou que essa forma de agressão amplifica o estado de estresse emocional e piora a saúde mental dos adolescentes, que frequentemente se veem expostos a comparações nocivas. “As redes sociais se tornaram uma vitrine que distorce a percepção de valor, resultando em padrões inalcançáveis para os jovens.”

Ela também enfatizou a importância dos vínculos familiares como um dos principais recursos na prevenção da violência e bullying. “Um forte senso de pertencimento ajuda os jovens a lidarem melhor com situações difíceis e buscarmos suporte emocional”, afirmou.

No que diz respeito à comunicação entre pais e filhos, Aryce observou que a falta de diálogo pode deixar os adolescentes mais vulneráveis a comportamentos de risco. “Quando não se comunicam, os jovens frequentemente recorrem a influências externas que podem não oferecer as melhores soluções.”

Para enfrentar esses desafios, a psicóloga sugere que famílias adotem estratégias que priorizem o tempo de qualidade juntas, substituindo momentos digitais por interações humanas genuínas. “É preciso que os pais reflitam sobre o ambiente que criam e façam com que os filhos sintam prazer em estar com eles.”

Aryce também alertou para a dinâmica de grupo entre os jovens, que pode intensificar comportamentos agressivos em nome da aceitação social. “A pressão dos pares é poderosa nessa fase. Por isso, é essencial que os adultos estejam atentos ao grupo que o adolescente frequenta”, acrescentou.

Por fim, a psicóloga enfatizou o papel dos profissionais de saúde mental na ressignificação das experiências de bullying e violência. “Eles ajudam os jovens a transformar experiências negativas em aprendizados, fortalecendo a autoestima e a resiliência”, concluiu.

Confira a entrevista na íntegra:

Como a série Adolescência contribui para compreendermos os processos psicológicos por trás da violência juvenil?

A série Adolescência traz em seu contexto uma família aparentemente funcional, onde existe pais que tentam estar presentes em meio a sua rotina diária e seus dois filhos adolescentes, uma menina funcional e um menino já dando alguns sinais de que não estava tão bem em seu ambiente escolar. Em meio a esse cenário podemos perceber que, apesar disso, o filho de treze anos do casal comete um assassinato em decorrência da pressão e necessidade de aceitação e aprovação imposto por outros jovens. Percebendo que em decorrência da sua vulnerabilidade ele não conseguiu responder assertivamente a situação de estresse psicológico ao qual foi colocado.

De que forma o bullying, sobretudo nas redes sociais, afeta a saúde mental dos adolescentes? 

O bullying em qualquer situação coloca o adolescente em um estado de estresse com o qual é necessário utilizar de ferramentas emocionais e psicológicas importantes para conseguir lidar, como acontece em várias situações de estresse que temos em nossa vida. Mas, quando esse bullying é lançado nas redes sociais ele atinge níveis de importância e propagação ainda maiores, afetando ainda mais a saúde mental da pessoa ali exposta. Pois, essas redes sociais se tornaram uma vitrine, onde eu sou vista não pelo que eu sou e sim pelo que esta sendo exposto nas redes sociais.

3. Como a exposição constante à internet e às redes sociais influencia a formação da identidade e a autoimagem dos jovens? 

Atualmente percebemos em consultório que a internet e as redes sociais se tornaram um importante termômetro de comparação. A definição do que é bonito, bom e importante vem através do que eu vejo e recebo das telas. E sabemos que, quanto mais eu vejo de um conteúdo, mais eu recebo daquele conteúdo. Desta forma, acaba parecendo que aquilo que estou vendo é uma verdade absoluta. Com isso, cria-se necessidades muitas vezes inalcançáveis para esses jovens. Dificultando a formação da identidade e da autoimagem que necessitam tanto de pluralidade para chegar a um modelo único, que somos cada um de nós. É como se eu precisasse de vários modelos para eu encontrar o meu EU, mas, se esses modelos são todos parecidos, como eu estabeleço a minha identidade única?

Qual o papel dos vínculos familiares na prevenção e no enfrentamento de comportamentos violentos e do bullying

SENSO DE PERTENCIMENTO!!! Esse é o grande e importante papel dos vínculos familiares no enfrentamento de comportamentos violentos e do bullying. Se eu tenho esse senso de pertencer a um grupo, a uma família, se eu tenho vínculos fortemente construídos eu estou menos vulnerável e o jovem irá conseguir lidar melhor com situações de estresse e buscar ajuda e ferramentas através desses vínculos para lidar e resolver situações problemas.

De que maneira a dificuldade de comunicação entre pais e filhos pode aumentar a vulnerabilidade dos adolescentes a comportamentos de risco? 

A falta de comunicação faz com que esse adolescente não busque ajuda ou até busque a ajuda de pessoas que vão influencia-los a responder de uma forma disfuncional ao que está acontecendo. Muitas vezes se apoiando em pessoas com dificuldade em resolver problemas de maneira funcional. Lembrando que para haver comunicação não basta eu falar, é necessário que o outro compreenda a minha mensagem.

Quais estratégias, na visão da psicologia, podem ser adotadas para melhorar o relacionamento familiar e reduzir os impactos negativos do ambiente digital? 

Estar mais presente na vida real do que na vida digital. Aproveitar o momento presente. Valorizar o estar ao invés do ter. Muitos pais reclamam que seus filhos não querem sair das telas, que não gostam de participar. Cabe a nós pais refletirmos quanto de esforço estamos fazendo para ser prazeroso esses jovens estar com a gente. A internet é uma concorrente perspicaz. Mas, será que ele é capaz de prevalecer a verdadeira troca humana de amor. Talvez esteja na hora de retornarmos as noites de jogos de tabuleiros que deixaram memórias afetivas em nós.

Como a dinâmica do grupo e a pressão dos pares potencializam comportamentos agressivos e violentos entre os jovens? 

Durante a infância os pais e os ciclos familiares são o nosso universo, a nossa referência e o que há de mais importante em nossas vidas. Com a chegada da adolescência, em busca de construir sua própria identidade, esses pais ganham um papel secundário, mas não menos importante. No entanto, o adolescente vai olhar mais para os seus pares no intuito de se construir. Dessa forma, a opinião e os comportamentos desse grupo no qual eu me sinto pertencente são extremamente importantes para o jovem. Nesse contexto, em grupo o jovem cria força para muitas vezes fazer o que não faria sozinho, podendo potencializar comportamentos agressivos em busca de aprovação e senso de pertencimento. Mas vale ressaltar que isso também se aplica a potencializar aspectos funcionais. Por isso, é tão importante a comunicação, o olhar para o jovem afim de perceber o grupo aos quais ele tem buscado pertencer e estreitar vínculos para fazer desse jovem uma influência positiva para outros jovens.

Quais sinais os pais e educadores devem observar para identificar se um adolescente está sofrendo ou praticando bullying?

Veja além das aparências e não confie na comunicação verbal se as outras comunicações estão falando algo diferente. É crucial olhar para o adolescente e ver além da aparência. Muitas vezes as alterações nos adolescentes surgem em meio a um turbilhão de mudanças que essa fase do desenvolvimento já traz por si só. E é necessário conhecer esse adolescente para distinguir o que são alterações pertinentes a essa etapa da vida ou se tem algo mais acontecendo. Mas, sinais importantes para se ter em mente são as alterações na socialização, humor, no desenvolvimento escolar, no sono e alimentação. E o tempo e intensidade dessas alterações. Pois, como eu disse anteriormente muito dessas alterações são comuns na adolescência, mas diante de algo fora da etapa do desenvolvimento o tempo e a proporção delas serão diferentes. Mas, cabe a família conhecer de perto esse jovem para saber o que está dentro do esperado para ele (pois ele é único) ou o que está demais. E, se houver dúvidas buscar informações na escola, dos amigos do seu filho e auxílio de profissionais capacitados para entender melhor o que está acontecendo.

Em que medida a construção da identidade digital pode interferir nas relações sociais e na saúde emocional dos adolescentes? 

Muitas vezes o que é construído dentro do mundo digital não é o real. Lá podemos ser perfeitos, podemos estar sempre felizes, pode não haver problema algum nas nossas vidas. Mas, a vida não acontece lá!!! No mundo real teremos problemas, vamos lidar com sentimentos e pensamentos que nos ajudam e nos atrapalham todos os dias das nossas vidas. A comparação diária com pessoas falsamente “perfeitas” que a rede social traz atrapalha o jovem a se construir como um ser único dotado de qualidades e defeitos como todos nós. Ou seja, pode afetar eu me ver, me encontrar e me aceitar como eu sou.

Como os profissionais de saúde mental podem contribuir para a ressignificação das experiências de violência e bullying vivenciadas pelos jovens?

Os profissionais de saúde mental podem contribuir para a ressignificação das experiências de violência e bullying vivenciados pelos jovens auxiliando-os a construir sua identidade, identificando seus pontos fortes, trabalhando a autoestima. Construindo junto com esse jovem ferramentas para resolução de problemas, diminuindo assim a vulnerabilidade a fatores estressores. Em toda experiência vivida somos capazes de aprender algo e, desta forma, uma experiência ruim pode se tornar um aprendizado importante para levar por toda a vida. O profissional de saúde pode auxiliar o jovem a transformar essa experiência em um aprendizado bom para a vida!

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