Conmebol reage à crise e lança força-tarefa contra racismo

Dias após anunciar a criação de uma força-tarefa para enfrentar o racismo no futebol, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) voltou ao centro do debate público. Às vésperas da estreia da Copa Sul-Americana, torcedores do Unión Santa Fe publicaram ofensas racistas contra o Cruzeiro em resposta a uma campanha antidiscriminatória do próprio clube argentino.

A iniciativa da Conmebol, liderada por Ronaldo Nazário, surge em meio a sucessivos episódios de discriminação contra atletas brasileiros e crescente pressão por parte de clubes e autoridades por medidas concretas.

A força-tarefa foi apresentada na última quinta (27), durante uma reunião convocada na sede da Conmebol, em Luque, no Paraguai. Além de Ronaldo, participam da iniciativa a ex-secretária-geral da FIFA, Fatma Samoura, e o presidente da FIFPro, Sergio Marchi. Estiveram presentes também figuras históricas do futebol sul-americano, como Diego Lugano, Carlitos Tevez, Claudio Caniggia, Léo Moura, Ruggeri e Mauro Silva, além de representantes dos dez países membros da confederação.

O anúncio do grupo de trabalho foi precedido por declarações racistas do próprio presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, que comparou uma Libertadores sem clubes brasileiros a “Tarzan sem a Chita”.

A fala, feita durante o sorteio dos grupos da competição, gerou indignação de torcedores, clubes e do governo brasileiro. Em nota conjunta, os Ministérios do Esporte, da Igualdade Racial e das Relações Exteriores repudiaram a postura da entidade e denunciaram a repetição de omissões institucionais diante de atos de racismo.

Na mesma ocasião, a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, recusou-se a participar do sorteio e criticou a punição “ridícula” aplicada ao Cerro Porteño, cujo torcedor imitou um macaco na direção do jogador Luighi, da equipe sub-20 do clube paulista. O episódio motivou o afastamento da dirigente e foi o estopim para que a Conmebol convocasse a reunião extraordinária.

O governo federal foi representado no encontro por Washington Cerqueira, da Autoridade Pública do Futebol (APFUT), e Luiz Barros, do Ministério da Igualdade Racial. Ambos defenderam a criação de um comitê permanente tripartite, com participação de governos, clubes e federações, além de reforçarem que o racismo é crime inafiançável no Brasil.

Entre as medidas anunciadas pela Conmebol, estão a criação de uma lista de pessoas banidas de estádios — válida para torneios da América do Sul e competições internacionais — e a implementação de programas educacionais voltados a jogadores, árbitros, clubes e torcedores.

As multas aplicadas em casos de discriminação serão destinadas ao Projeto SUMA, coordenado pela própria entidade, e replicado em todos os países membros. Nenhuma das ações, contudo, teve prazos definidos ou detalhamento sobre mecanismos de monitoramento e aplicação.

A Conmebol afirma aplicar “as penalidades mais severas estabelecidas em nível internacional”, em alinhamento com FIFA, UEFA e outras ligas. Na prática, os episódios mais recentes envolveram sanções como multas entre US$ 50 mil e US$ 100 mil, partidas com portões fechados ou campanhas virtuais contra o racismo — medidas amplamente criticadas por clubes brasileiros e entidades civis como o Observatório da Discriminação Racial no Futebol.

A criação da força-tarefa ocorre em meio à crescente tensão entre torcidas sul-americanas. Em 2023 e 2024, episódios de racismo e violência envolveram torcedores da Argentina, do Paraguai e do Uruguai. O caso mais grave ocorreu na semifinal entre Botafogo e Peñarol, com dezenas de uruguaios detidos no Rio e relatos de retaliação a brasileiros em Montevidéu. O confronto entre Palmeiras e Cerro Porteño, marcado para o dia 9 de abril, será o primeiro teste da nova força-tarefa.

Apesar do discurso de união e responsabilidade institucional, a ausência de prazos, a falta de revisão dos casos passados e a destinação de recursos para projetos internos da própria Conmebol alimentam críticas sobre a real efetividade das medidas. Para dirigentes e ativistas, o gesto da entidade pode soar mais como reação a uma crise reputacional do que como compromisso estrutural com o combate ao racismo no futebol sul-americano.

Casos recentes de racismo contra clubes brasileiros no futebol sul-americano

Abaixo, o Vermelho lista os principais episódios de racismo envolvendo clubes brasileiros nos últimos dois anos, dentro e fora do país. A maioria ocorreu em jogos organizados pela Conmebol, principalmente a Copa Libertadores e a Copa Sul-Americana. As punições, em sua maior parte, limitaram-se a advertências simbólicas, multas ou jogos com portões fechados — medidas consideradas insuficientes por clubes e entidades civis.

2023

22 de fevereiro – Carabobo x Atlético-MG (Libertadores)
Torcedores venezuelanos chamaram os jogadores brasileiros de “macacos”. O Carabobo foi multado pela Conmebol em US$ 100 mil.

3 de maio – Internacional x Nacional (Libertadores)
Torcedor do Nacional foi flagrado imitando macaco no Beira-Rio, em Porto Alegre. O clube uruguaio foi multado em US$ 100 mil.

27 de junho – Libertad x Atlético-MG (Libertadores)
O goleiro Éverson foi chamado de “macaco” por um torcedor do Libertad durante entrevista no gramado. O clube paraguaio foi multado em US$ 100 mil e obrigado a realizar campanha de conscientização.

11 de julho – Corinthians x Universitario (Sul-Americana)
O preparador físico do time peruano fez gestos racistas à torcida do Corinthians. Foi preso em flagrante e depois condenado a dois anos de reclusão, com pena convertida. A Conmebol o suspendeu por dez jogos.

1º de agosto – River Plate x Internacional (Libertadores)
Torcedor do River exibiu a mensagem “macacos em uma jaula” no celular. O caso não gerou punição da Conmebol.

10 de agosto – São Paulo x San Lorenzo (Sul-Americana)
Um torcedor arremessou banana e um dirigente do San Lorenzo mostrou imagem de macaco a torcedores. Ambos foram presos. O dirigente foi condenado à pena alternativa e pagamento de multa.

2024

23 de junho – Atlético-MG x Fortaleza (Brasileirão)
O jogador Pedro Augusto, do Fortaleza, denunciou ofensa racial por parte de Battaglia, do Atlético-MG. A denúncia foi arquivada pelo STJD.

8 de julho – Bahia x JC Futebol Clube (Brasileiro Feminino)
A zagueira Suelen Santos foi chamada de “macaca” pelo treinador do time adversário, Hugo Duarte. Ele foi preso e depois liberado mediante fiança. O STJD o puniu com oito jogos de suspensão e multa de R$ 15 mil.

20 de dezembro – Grêmio x River Plate (Brasil Ladies Cup)
Quatro jogadoras do River foram presas após xingamentos racistas a atletas do Grêmio e a um membro da arbitragem. O clube argentino foi expulso da competição.

2025

25 de janeiro – Coritiba x Athletico-PR (Campeonato Paranaense)
O zagueiro Léo foi chamado de “macaco” por um torcedor. O autor foi identificado, indiciado e liberado. O caso corre sob segredo de Justiça.

6 de março – Cerro Porteño x Palmeiras (Libertadores Sub-20)
Um torcedor imitou um macaco em direção ao jogador Luighi. O atleta deixou o campo chorando. O Cerro foi multado em US$ 50 mil e obrigado a jogar com portões fechados. A punição gerou revolta no Palmeiras, que acusou a Conmebol de conivência.

31 de março – Unión Santa Fe x Cruzeiro (Sul-Americana)
Durante campanha antidiscriminatória do clube argentino, torcedores reagiram com comentários racistas direcionados ao Cruzeiro. O episódio ocorreu às vésperas da estreia da competição e reacendeu o debate sobre a eficácia das medidas da Conmebol.

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