Leonencio Nossa lança 2º volume da biografia de Roberto Marinho e destaca festivais e Riocentro

Escrever a história dos meios de comunicação do Grupo Globo — “O Globo”, Rádio Globo e TV Globo, entre outros — e de Roberto Marinho (1904-2003 — viveu 98 anos) não é nada fácil. Porque envolve paixões, notadamente políticas, e, na maioria das vezes, julgamentos precipitados e quase sempre puramente ideológicos.

O fato de Roberto Marinho ter apoiado o golpe de 1964 e a ditadura civil-militar (1964-1985) turvou o julgamento justo — ou mais justo — da comunicação que criou ou desenvolveu.

Criado em 1925, não por Roberto Marinho, mas por seu pai, Irineu Marinho, “O Globo” se tornou um grande jornal, sempre dirigido por profissionais competentes, como Evandro Carlos de Andrade e Rodolfo Fernandes, para mencionar apenas dois.

João Roberto, Roberto Marinho (falecido), Roberto Irineu e José Roberto Marinho: o fundador e os filhos que deram seguimento ao projeto do Grupo Globo | Foto: Reprodução

Se não criou, Roberto Marinho dinamizou “O Globo”, tornando-o, ao longo do tempo, um dos melhores jornais do país. O empresário sempre apreciou contratar os melhores profissionais do mercado.

A Rádio Globo fazia tanto sucesso — hoje não sei se faz — que muitos goianos se tornaram torcedores de times cariocas por causa de suas transmissões. Os narradores esportivos Waldir Amaral, Jorge Cury, Antônio Porto e José Carlos Rangel fizeram história. Eram popularíssimos no seu tempo, entre as décadas de 1960 e 1970, pelo menos. Mário Vianna, o comentarista de arbitragem, era empolgante com críticas ácidas aos árbitros.

Em 1965, quando tinha 61 anos, Roberto Marinho fundou a TV Globo. Seu método era o de sempre: contratar os melhores, como Walter Clark e Boni. Eles, com o apoio do empresário, são responsáveis pelo padrão Globo de qualidade, vigente até hoje.

Glória Maria e José Roberto Marinho foram casados | Fotos: Reproduções

De fato, a Globo tem uma qualidade média muito superior à dos concorrentes. O SBT, por exemplo, nunca firmou seu jornalismo. A Record o mantém estável, mas, dependendo de quem está no poder, se torna uma espécie de Secom televisual. Entre 2019 e 2022, a rede se bolsonarizou ampla e vergonhosamente.

Roberto Marinho e seus veículos de comunicação têm sido abordados, nos últimos anos, por vários estudiosos.

Em 2004, há 21 anos, o jornalista Pedro Bial publicou “Roberto Marinho (Zahar, 392 páginas). Se o leitor souber, desde o início, que se trata-se uma hagiografia, um livro de louvação, é possível que valorize pelo menos a divulgação das informações básicas. Porém, no geral, é inteiramente acrítica.

Pedro Bial constrói, com relativa mestria, a figura de um santo realizador. O realizador é, claro, inquestionável. Porém, para construir tanto, num país de história nebulosa e complexa, é muito difícil ser “parceiro” de Deus. Roberto Marinho era, acima de tudo, um realista. Um Maquiavel mais pragmático do que o florentino.

O professor universitário e jornalista Eugênio Bucci escreveu um ensaio biográfico, “Roberto Marinho” (Companhia das Letras, 340 páginas), que supera a pesquisa de Pedro Bial, da qual, em linhas básicas, é tributária. O livro é de 2021.

Eugênio Bucci esforça-se para entender Roberto Marinho e o contexto em que transitou. Ao término da leitura, o leitor que sabe o tanto que Roberto Marinho fez, fora e nos bastidores, sente-se desconfortável. A biografia, embora não seja fraca, é lacunar. O autor não teve, quem sabe, tempo suficiente para pesquisar. Talvez por isso escora-se tanto na “interpretação” do personagem. Falta, também, matizes na exposição do contexto histórico que o empresário atuou.

Há três livros mais recentes, todos do jornalista Ernesto Rodrigues, sobre a televisão criada por Roberto Marinho. Como não li nenhum deles, vou apenas citar os títulos, sem tecer comentários. 1 — “A Globo — Hegemonia: 1965-1984” (Autêntica, 612 páginas); 2 — “A Globo — Concorrência: 1985-1998” (Autêntica, 720 páginas) e 3 — “A Globo — Metamorfose: 1999-2025” (Autêntica, 672 páginas).

A melhor história de Roberto Marinho e da Globo é da lavra do jornalista Leonencio Nossa.

Roberto Marinho com o presidente João Baptista Figueiredo e com Antônio Carlos Magalhães: um homem do poder | Fotos: Reproduções

O primeiro volume de Leonencio Nossa, “Roberto Marinho — O Poder Está no Ar — Do Nascimento ao Jornal Nacional” (Nova Fronteira, 544 páginas), não conta apenas a história da Globo. É uma biografia detalhada, resultado de uma pesquisa ampla, criteriosa. O rigor do texto — da pesquisa — revela um repórter com vocação para historiador. (Ele conta também que um dos filhos de Roberto Marinho, José Roberto Marinho, foi casado com a jornalista Glória Maria.)

O jornalista vasculha a vida do empresário desde seus primórdios e toca num assunto que a maioria prefere passar ao largo: a cor do empresário, que, claro, não era branco. Era pardo.

Leonencio Nossa mostra que, por trás do sucesso do Grupo Globo, havia um empresário tão atilado quanto obstinado. Era disciplinado, apreciava trabalhar com os melhores — nunca com os mais ou menos —, e determinado. Pedia ao tesoureiro para avisá-lo se havia dinheiro no caixa, pois não aceitava pagar atrasado aos seus funcionários.

É certo que Roberto Marinho apreciava dinheiro, poder e belas mulheres. Mas gostava também de informação. Não raro dava furos à redação (e não fazia questão de aparecer como responsável por eles; deixava seus profissionais brilharem). Ele era poderoso e gostava disso. Era, por assim dizer, um rei sem coroa. Espécie de rei da política brasileira, como havia sido Assis Chateaubriand, só que mais sutil e discreto, daí, quem sabe, a longevidade dos negócios da família Marinho.

Roberto Marinho apoiou o golpe de 1964 e todos os governos da ditadura, aqui e ali discordando de alguma coisa, mas sem estremecimentos sérios. Os três filhos, em editoral de “O Globo”, decidiram — consta que “compelidos” por um jornalista — pedir desculpas pelos fato de seus veículos de comunicação terem apoiado, sem nenhum questionamento sério, o regime discricionário.

Com equilíbrio e serenidade, Leonencio Nossa relata como foi criada a Globo e se delineou a alta qualidade da rede de televisão. O jornalista não impreca contra a Globo e Roberto Marinho, mas também não deixa de apontar os problemas. Ele mostra, expõe. Não grita. Não faz panfleto.

Não li o volume que está saindo agora, “Roberto Marinho — A Globo na Ditadura — Dos Festivais às Bombas no Riocentro” (Nova Fronteira, 608 páginas). Mas é, claro, a fase mais problemática da rede. Encomendei um exemplar, se não para uma resenha, ao menos para leitura.

Pelo que li, no primeiro volume, a biografia de Leonencio Nossa é a melhor do mercado. E, como todo bom estudo biográfico, o jornalista, funcionando como um historiador conscienciso, apresenta ao leitor uma história do Brasil de alta qualidade. Fica-se sabendo, de maneira precisa, em qual contexto Roberto Marinho viveu e conviveu com empresários, políticos e jornalistas e dialogou, à sua maneira, com a sociedade civil.

Leonencio Nossa apresenta um Roberto Marinho tão grande quanto complexo. Portanto, sua obra é um marco historiográfico no exame da vida de um homem que, sem ser político, no sentido de ter mandato, influenciou políticos poderosos durante décadas — tanto na democracia quanto na ditadura.

O livro (fala-se do primeiro volume, o lido) de Leonencio Nossa não é obra do contra nem a favor. É uma história precisa e nuançada para entender um personagem significativo da história brasileira.

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