Quando as chamas calam a música: o incêndio que silenciou Schoenberg

Poucos nomes na história da música universal provocam tanta reverência e controvérsia quanto Arnold Schoenberg (1874–1951). Compositor, teórico, professor e escritor, ele transformou radicalmente a música ocidental no século XX, desafiando as convenções tonais e redefinindo a relação do ouvinte com a harmonia e a forma. Recentemente, uma catástrofe ambiental abalou o mundo da música: um incêndio em Pacific Palisades, Los Angeles, destruiu o acervo da Belmont Music Publishers, editora dedicada à preservação de suas obras.

Este acervo continha manuscritos originais, partituras e documentos que testemunhavam a  história de um dos maiores revolucionários musicais de todos os tempos. Mais do que um infeliz incêndio, essa tragédia,  representa um golpe profundo na memória cultural global,  causando uma lacuna irreparável com o legado de um homem cuja obra continua a desafiar e inspirar.

Larry Schoenberg, filho do compositor e guardião desse patrimônio, resumiu a tragédia com pesar:

Essa perda representa não apenas uma destruição física, mas um golpe cultural”

Suas palavras se juntam o sentimento de profunda comoção entre estudiosos e amantes da música contemporânea. A destruição de um arquivo dessa magnitude não implica apenas a perda de documentos; ela rompe um elo vital com a história, eliminando registros que testemunham o pensamento criativo e os contextos que transformaram para sempre a música moderna.

Arnold Schoenberg nasceu em Viena, em uma família judia de classe média. Autodidata, ele começou sua jornada musical orquestrando operetas e compondo obras como o sexteto de cordas Verklärte Nacht (1899). Influenciado inicialmente por Brahms e Wagner,  rapidamente se distanciou da tonalidade tradicional, explorando a “emancipação da dissonância”. Essa ideia culminaria no desenvolvimento do dodecafonismo, um sistema que organiza as 12 notas da escala cromática em igualdade hierárquica, rompendo com séculos de supremacia tonal.

Sua obra não foi apenas musical, mas também filosófica e intelectual. Schoenberg concebeu conceitos como a “unidade do espaço musical”, em que cada nota, motivo e acorde estavam interligados, conferindo coesão e profundidade às suas composições. Ele foi o mentor de compositores notáveis como Anton Webern e Alban Berg, figuras centrais da Segunda Escola de Viena, que levaram adiante suas ideias e expandiram os limites da música moderna.

Casa de Arnold Schoenberg em Los Angelis, 1948 | Foto: Reprodução

Schoenberg enfrentou o antissemitismo de maneira pessoal e profissional. Inicialmente convertido ao cristianismo luterano, ele retornou ao judaísmo em 1933, como uma resposta ao nazismo e à perseguição crescente na Europa. Forçado a emigrar para os Estados Unidos, estabeleceu-se em Los Angeles, onde continuou a compor, lecionar e escrever, contribuindo enormemente para o cenário musical americano. Sua música foi rotulada pelos nazistas como “degenerada”, mas ele transformou essa rejeição em uma força criativa, compondo obras como Um Sobrevivente de Varsóvia (1947), uma homenagem às vítimas do Holocausto.

O incêndio que destruiu o acervo da Belmont Music Publishers é um lembrete trágico da fragilidade com que são mantidos os patrimônios culturais em todo o mundo. Manuscritos como os de Pierrot Lunaire e Gurre-Lieder, que testemunhavam o gênio criativo de Schoenberg, agora são apenas cinzas. Essa prujizo reforça a urgência de esforços de digitalização e preservação, garantindo que as futuras gerações possam estudar e se inspirar na obra dos  maiores revolucionários das artes, inclusive, a musical.

Embora as chamas tenham destruído parte de seu legado físico, suas ideias certamente continuarão vivas,  ressoando em cada nova geração de compositores e ouvintes.

Arnold Schoenberg | Foto: Divulgação/Arquivos

Que a ausência deste acervo sirva como um alerta para proteger outros tesouros culturais, lembrando-nos de que preservar o passado é essencial para inspirar o futuro. Afinal, a revolução de Schoenberg nunca será silenciada enquanto sua música for tocada, estudada e admirada.

Ouviremos  a Cantata “Um Sobrevivente de Varsóvia, Op. 46”,  (1947) de Arnold Schoenberg com a  orquestra daCapela do Estado de Berlim,  sob a regência de Daniel Barenboim, gravado em 2020.

Observe o , Sprechstimme, a fala cantada,  uma característica marcante nesta obra, na qual o   narrador, Thomas Quasthoff,  equilibra o texto falado com as inflexões musicais, criando uma atmosfera dramática e intensamente expressiva transmitindo  o sofrimento, o terror e a força de quem sobreviveu ao Holocausto. Na orquestração, Schoenberg, utiliza a orquestra como uma extensão emocional da narrativa. Fique atento aos momentos em que a orquestra dialoga com o narrador, como se fosse outro personagem da história. O coro masculino, canta “Sh’ma Yisrael” , a oração judaica “Escuta, ó Israel” em hebraico no clímax da obra. Por fim, não deixe de observar a condução de Daniel Barenboim: conhecido por sua sensibilidade em obras com profundo impacto histórico e emocional.

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