Natal, o aniversário da cruz — poema de Gabriel Nascente

I

Ouvi o estouro de um trovão, longe.

Dezembro chegou com as águas da primavera, sujas de pólvoras.

Isso queima o lençol de minhas lágrimas.

Mas é Natal

e eu faço as contas.

Vamos lembrar que o céu construiu catedrais para os homens.

Vamos lembrar que há mais de dois mil anos, Cristo renasce e floresce

das fúlgidas cores da alegria.

II

Papai Noel,

o endereço humano morreu.

Os poderosos sugam

o suor dos humildes.

Estamos à deriva e reféns deste orbe de débeis mentais, (que transformam crianças em escombros fumegantes).

A fumaça dessas mortes vem do Oriente.

E é covardia demais

os homens sem diálogos

III

A minha cabeça é um tumulto. Chorar é teatro.

Então, vede: é Natal, e eu busco refúgio nos braços de Cristo.

A luz me faz voar pelos rastros da utopia.

A Canaã prometida é chão de hospício.

Desembarcamos no paraíso errado.

IV

É Natal, meninos. E eu faço as contas.

O velho barba de algodão já está entre nós, tilintando

a sua sineta de monarca das ilusões, todo chique, amoroso, atroando

o seu ôrrôrrô de é Natal, Feliz Natal…

da fulgência das vitrines para o sonho da garotada.

Haja bombons, de graça, abraços e brinquedos!

V

O tempo carrega o tempo.

O tempo me roubou o direito

de sonhar com pacotes de fantasias.

Sou homem – chão, e não compactuo com a religião que mistura o rabi da Galileia, com a máfia do dinheiro.

Deus é ninho de passarinhos na floresta de minha alma.

É Natal, meninos. Acordem!

E vamos aplaudir

o Príncipe dos pobres, que distribui virtudes,

pão e peixes, para os homens.

Deus pregado na cruz faz aniversário

sem leitoas e uísques.

V

É Natal. Eu sei. E nada posso.

O mundo anda perto de um holocausto nuclear.

Gabriel Nascente. Sala Albert Camus, 24 de novembro de 2024, tarde de domingo

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