Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), entre 1,8 e 3 milhões de beneficiários do Bolsa Família usaram os recursos do programa para realizar apostas em plataformas online. Agora, essas famílias vivem a incerteza sobre a possibilidade de reaver o dinheiro perdido nas chamadas “Bets”.
Na tentativa de garantir a devolução dos valores, a Educafro e o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca) ingressaram com uma ação civil pública na 13ª Vara Cível Federal de São Paulo. No entanto, o processo ainda está em fase preliminar e não há previsão de quando, ou mesmo se, os valores serão restituídos.
A ação foi registrada no dia 22 de maio e aguarda decisão sobre os pedidos de tutela de urgência. Segundo o advogado das entidades que moveram o processo, Márlon Reis, a abertura formal do caso depende de despacho do juiz federal Marcelo Guerra Martins. Caso a Justiça aceite os pedidos, o processo seguirá para instrução e julgamento. Porém, mesmo com decisão favorável, os valores podem demorar a ser recuperados, ou jamais retornar aos beneficiários.
Enquanto isso, o mercado de apostas online no Brasil segue em plena expansão. Segundo dados do Banco Central (BC), o setor movimenta atualmente cerca de R$ 30 bilhões por mês. Mantido esse ritmo, o volume acumulado até o final de 2025 pode ultrapassar R$ 360 bilhões, valor superior ao total de investimentos planejados pelo programa Nova Indústria, do governo federal, para os quatro anos de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dentre esses bilhões, estima-se que cerca de R$ 3 bilhões tenham sido transferidos por beneficiários do Bolsa Família para plataformas de apostas até agosto de 2024. Se revertido em políticas públicas, o impacto do uso desse valor, poderia, por exemplo, adquirir cerca de 3,3 milhões de cestas básicas no estado de São Paulo, ao custo de R$ 909,25 cada, valor calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A quantidade seria suficiente para atender 92,5% das famílias beneficiárias do programa nas 27 capitais do país.
Outra possibilidade seria investir os mesmos recursos na construção de unidades de saúde. De acordo com o Ministério da Saúde, seria possível erguer 476 Unidades Básicas de Saúde (UBS) de porte V, as mais completas do SUS, com capacidade para atender até 500 mil pessoas por mês. Um investimento com essa escala poderia transformar a vida de milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade.
O valor chamou a atenção do MDS, que solicitou à Polícia Federal a abertura de investigação sobre possíveis fraudes. A apuração busca identificar se parte dos recursos foi usada por terceiros em nome dos assistidos.
Além da devolução dos valores, a ação pede que a Justiça obrigue as operadoras a criarem sistemas para impedir que beneficiários do CadÚnico se registrem ou continuem ativos nas plataformas. Também está prevista a realização de campanhas educativas voltadas à prevenção do uso indevido de recursos sociais em apostas. Em caso de descumprimento, as empresas poderão pagar multa diária de R$ 500 mil e até ter suas atividades suspensas.
O diretor da Educafro, Frei David, criticou a atuação das empresas e a vulnerabilidade dos apostadores. “É um dinheiro público que, por malandragem e falta de caráter desta quadrilha organizada, foi desviado de sua finalidade para enriquecer grupos exploradores, sob os olhares omissos de quem deveria proteger o povo pobre. […] Na ilusão de aumentar o dinheiro público que receberam para enfrentar seus problemas, [pessoas assistidas] jogam em bets, na ilusão de um ganho”, declarou à Pública.
Para o psiquiatra Leonardo Rodrigues da Cruz, o problema ultrapassa a esfera econômica e atinge a saúde pública. Segundo ele, “a própria facilidade de acesso e a falta de políticas específicas podem ser uma contribuição muito importante para a geração de transtornos [viciosos]”. Além disso, ele apontou à Pública que pessoas em situação de vulnerabilidade estão mais suscetíveis aos efeitos do vício em jogos, especialmente em ambientes com altos níveis de estresse social.
Já a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda informou à Pública que uma medida está em fase de avaliação técnica e jurídica, com o objetivo de atender a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte exigiu que o governo implemente ações para coibir o uso de recursos assistenciais em plataformas de apostas.
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