Por Mirelle Costa
Do Blog do Eliomar
Não é a primeira vez que eu vou ao Maciço de Baturité para me deliciar com a Rota do Café no Ceará. E, hoje, tem mais um capítulo dessa aventura. Eu te convido a dar um mergulho na história do Sítio São Luís, que acolhe os visitantes com pão da casa, café fresquinho e uma boa conversa, pra lá de acolhedora. Bráulio Bessa diz que “Quem esquece de onde veio, não sabe pra onde vai”.
“Eu fiz parte da última geração que viveu entre a serra e o sertão. O cearense não conhece a nossa história. Até hoje o nordestino ainda é discriminado. Vivemos uma separação. Recentemente fui à São Paulo e muitos ficaram surpresos ao saberem que nós temos café. A serra aqui custou a ser povoada. Baturité guarda tantas surpresas e riquezas naturais que chegamos a receber durante dias pesquisadores do Museu Nacional. As primeiras tentativas de povoar essa terra foram por meio dos roçados. Custou entendermos o que realmente a serra queria nos dizer e como queria que a víssemos. Eu acho que o café realmente nos redimiu”, explica Cláudia de Góes.

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A prosa é regada ao legítimo café da serra acompanhado do famoso bolo de café, o mesmo que foi servido no casamento de Laura, uma das filhas de Cláudia. Contando-nos a história da serra com tanto orgulho, de repente, a matriarca se levanta e faz a mesma reverência que os índios faziam ao olhar para a serra. Segundo ela, “Ybityra-eté”, em Tupi, significa “a montanha”, a “serra verdadeira”, a “montanha de verdade”.

O pertencimento na fala de Cláudia tem quarenta anos. Foi aqui que a filha Renata praticamente (re)nasceu. “Vim pra fazenda tomar leite de cabra onde já morava minha bisavó, Dona Carmen”, conta Renata Góes. E assim também vieram os outros filhos que também eternizaram memórias no lugar.
O portão está sempre aberto, mas pedimos licença para entrar. Dizem que o lugar é abençoado por uma guardiã. O sítio São Luis é um projeto de família. Já foi de Luiz Ribeiro da Cunha, do capitão José Alexandre Castelo Branco, do Cel. João Pereira Castelo Branco, dos irmãos Boris Frères, do Dr. Luiz Cícero Sampaio e de Carmen Nepomuceno, a Dona Carmen. Agora é de Cláudia Maria Mattos Brito de Góes e também de Laura, Daniel, Renata, Raquel e Fernando (membros da quinta geração) e é um pouco de quem chega também.
No carnaval, passaram mais de setecentas pessoas em um único dia. Como não ficar com vontade de entrar? As cinco portas de frente são convidativas.

Três arquitetos holandeses foram chamados para construir uma casa com alpendre e colunas suntuosas, em 1870. O Sítio São Luís já foi um dos maiores produtores de café da história da Serra de Baturité. Se um pé de café dura de oitenta a cem anos, uma boa história se perpetua pela eternidade.
“O Sítio São Luís era lugar de gente perdida. (E que, ao chegar lá, encontrava-se)”, conta Renata Góes. Em 2015, o Sebrae propôs que o Sítio fosse lugar de parada.
“E como é que eu vou ganhar dinheiro contando história?” disse a matriarca Cláudia à equipe do Sebrae quando da criação da Rota do Café. É, Dona Cláudia, a história tem valor. Ouvir histórias assim, sem pressa, é uma riqueza que só podemos desfrutar quando deixamos de ouvir a buzina do carro para ouvir o barulho dos gansos que empolgam-se quando a refeição chega.
É parar para observar o cãozinho Marrone, que posa para todo visitante que se aproxima dele com um celular na mão.
“Quando eu era pequena, tinha tanto café aqui na faxina. O cheiro do café secando é característico, que é totalmente diferente do café que a gente bebe. Eu ia dormir com esse cheiro que tomava conta da casa”, explica Renata Góes. A faxina do café colheita, ou limpeza pós-colheita, é uma etapa crucial na produção do café, com o objetivo de remover impurezas e melhorar a qualidade dos grãos. Esta limpeza, que pode ser manual ou mecanizada, envolve a separação de folhas, ramos, terra, pedras e outros resíduos do café colhido.
Hoje o lugar da faxina recebe, todos os anos, o arraiá do Sítio São Luís, que está sendo preparado para acontecer no dia 12 de julho. Começa assim que o sol se despede, é farto e cheio de acolhida.
“Dizem que aqui até as matas se encontram. Há indícios de que, há milhares de anos, a Mata Atlântica encontrou-se com a Floresta Amazônica, prova disso são vários insetos que só são encontrados na Amazônia”, explica Renata Góes. O sítio São Luís possui mais de quarenta hectares de mata preservada. Cláudia abraçou a missão de preservar a memória do sítio que pertence à família há mais de um século. A dificuldade de ter todos os dias um pãozinho quente fez com que eles produzissem o próprio pão, que, agora, vira cardápio na cafeteria, acompanhado da geleia de banana com laranja e da ricota.
O que a família consome, nós temos a oportunidade de experimentar também. “Queremos que todas as pessoas que entram aqui saiam melhor do que chegaram. Cresci vendo minha mãe receber gente aqui”, conta Cláudia Góes.
E saímos mesmo. O cheiro do café se mistura ao cheiro de história e até cheiro de milagre, que o diga Laura. “Certa vez, ouvi que ninguém nasce no princípio de uma história. Estamos sempre no meio de uma história de alguém e de um lugar”, emociona-se Cláudia Góes que depois fez questão de me mandar todo o verso. “Cada homem carrega a história de todos que o precederam. E faz, por sua vez, em certa medida, a história de todos que o seguirão. Nenhum de nós começa do princípio… Nascemos no meio da nossa própria história!” (Padre Daniel Lima).
A relação da família com o café mudou ao longo das décadas. Hoje não há mais colheita do café, mas o amor à terra e às histórias permanece.

Durante uma tarde inteira, ouvimos histórias inesquecíveis. Pra conhecer todas elas, é preciso subir a serra e visitar o Sítio São Luís, abertos aos sábados e domingos, das 9h às 17h. A taxa de visitação é dez reais.
Quem quiser se hospedar ao lado do sítio, a Casa Bananal está situada dentro do Sítio São Luís, CE 253, Km 99 – Zona Rural, Pacoti – CE, em uma vila familiar ao lado do Casarão. Eles trabalham com AirBnb. O arraiá da família do Sítio São Luís vai acontecer no dia 12 de julho, a partir das 18h.
Para mais informações, entre em contato pelo Instagram.
Obrigada pela acolhida!
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