STF tenta proteger direito do cidadão contra a liberdade dos negócios das plataformas digitais

Um “conto” sobre a realidade do mundo digital

Usuário frequente das redes sociais, Carlos das Metas¹ decidiu atacar Paulo do X-Tudo sem meias palavras. “Paulo do X-Tudo é um larápio inveterado e já foi preso várias vezes”, diz Carlos das Metas.

Estupefato, Paulo do X-Tudo contrata um advogado, que faz uma notificação à rede social na qual ocorreu o ataque. O membro da OAB informa que não há nenhuma ação judicial contra seu cliente e que ele nunca foi preso. Portanto, a “informação” é falsa — uma fake news.

Notificada, a rede decide não tomar nenhuma providência, gerando constrangimento a Paulo do X-Tudo. O que fazer? O advogado alerta: “Precisamos recorrer à Justiça para que obrigue a rede social TopFace a retirar a acusação do ar e fornecer dados, verdadeiros, sobre o autor do achincalhe”.

Há indícios de que Carlos das Metas é um nome inventado com o objetivo de atacar pessoas, de maneira gratuita, nas redes sociais. Os motivos do agressor? Não se sabe.

O advogado de Paulo do X-Tudo poderá pedir a responsabilização judicial tanto de Carlos das Metas quanto da rede social TopFace? É o que se espera.

Liberdade de expressão e responsabilização

No momento, o Supremo Tribunal Federal está julgando dois recursos extraordinários que deverão levar a modificações no artigo 19 do Marco Civil da Internet.

A direita professa que o STF estaria censurando as plataformas. O que é um equívoco. O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, voz sempre ponderada, sublinha que regulamentação nada tem a ver com censura e não há invasão da competência do Legislativo.

Dias Toffoli: ministro do Supremo Tribunal Federal | Foto: Rosinei Coutinho/ SCO/STF

“Estabelecer os critérios que vão reger os casos que chegarem ao Judiciário é nosso dever e nada tem de invasão à competência dos outros poderes e muito menos tem a ver com censura”, enfatiza Luís Roberto Barroso.

O Supremo avalia a questão da responsabilização das plataformas digitais e das empresas de tecnologia — Google, Bing, Facebook, Instagram, Telegram e, entre outras, X. Qual é a responsabilidade delas em relação às postagens dos usuários?

Luís Roberto Barroso acrescenta: “O Judiciário não está legislando. E muito menos regulando, em caráter geral, abstrato e definitivo as plataformas digitais”.

Assim que o Congresso, saindo do marasmo habitual — em parte decorrente dos lobbies das big techs —, criar uma legislação adequada, a Justiça acatará o que for determinado, desde que as medidas não violem a Constituição.

“Os critérios adotados pelo tribunal para decidir os casos trazidos perante ele só prevalecerão até que o Congresso Nacional legisle, se e quando entender legislar a respeito. E quando o congresso legislar a respeito é a vontade do Congresso que vai ser aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, desde que, evidentemente, compatível com a constituição”, frisou o presidente do STF.

André Luiz Mendonça conta com o apoio do bolsonarismo e da Folha de S. Paulo | Foto: Reprodução

O ministro Dias Toffoli corrobora a fala de Luís Roberto Barroso ao ressaltar que o julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil não tem a ver com nenhuma limitação da liberdade de expressão.

“Quero também agregar que não se trata de nenhum julgamento que diga respeito à censura, ou a tolher a liberdade de expressão. Não estamos tratando de liberdade de expressão, o que nós estamos aqui a tratar é do momento em que surge a responsabilização”, destacou Dias Toffoli.

Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux deram votos pela responsabilização das plataformas — total ou parcialmente. O STF está definindo o modo de responsabilização das plataformas digitais pela divulgação de conteúdo por terceiros. Como no caso de Carlos das Metas contra Paulo do X-Tudo.

Pela tese prevalecente no Supremo, a rede TopFace, ao divulgar uma notícia falsa contra o primeiro, estaria endossando-a. Portanto, é corresponsável.

No momento, a regra é a seguinte: as redes podem ser responsabilizadas, mas só se descumprirem uma ordem judicial para excluir conteúdo nocivo aos cidadãos.

Supremo Tribunal Federal: defesa dos cidadãos e não dos negócios das big techs | Foto: Reprodução

O ministro André Mendonça, contrariando os três magistrados, é pela manutenção do que é definido pelo Marco Civil. Ao menos nesta questão, o magistrado conta com o apoio do jornal “Folha de S. Paulo” e da direita bolsonarista.

Luiz Fux e Dias Toffoli postulam que, se o conteúdo for comprovadamente ofensivo ou ilícito, não será preciso ordem judicial para as plataformas retirarem o material do ar. Basta uma notificação extrajudicial.

Dias Toffoli sugere que, em casos de racismo, as plataformas sejam rápidas e precisas ao agir, acatando a notificação extrajudicial. Porque racismo é evidente e não precisa, ao menos num primeiro momento, da intervenção judicial.

Luiz Fux ressalta que, no ambiente digital, há um déficit de proteção aos direitos. Com a geração de ativismo pelo excesso, as plataformas eventualmente ganham dinheiro, e por isso dão pouca importância às reclamações dos usuários agredidos.

“Olha que zona de conforto. A plataforma chega e diz que eu não tenho condições, não tem como tirar, isso é para garantir a liberdade dos negócios. E como garante a liberdade dos negócios? Degrada a liberdade das pessoas”, anota, com pertinência, Luiz Fux.

Luís Roberto Barroso pensa como Luiz Fux e Dias Toffoli, mas deu um voto intermediário. O ministro concorda que as plataformas digitais devem ser responsabilizadas pela publicação de conteúdo de terceiros se deixarem de adotar as providências necessárias. Ou seja, se não removeram as postagens com conteúdo “criminoso”.

“Não há fundamento constitucional para um regime que incentiva que as plataformas permaneçam inertes após tomaram conhecimento de claras violações da lei penal”, diz Luís Roberto Barroso.

Noutras palavras, os magistrados querem proteção para usuários como Carlos das Metas, que, atacado por Paulo do X-Tudo, não recebeu nenhuma proteção da plataforma TopFace.

Nota

¹ Carlos das Metas e Paulo do X-Tudo são nomes fictícios. Assim como a rede TopFace. Mas dizem respeito a casos reais.

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