Sabe contar? Para não mudar 14 vagas na Câmara, deputados criam novas 18, sem atender STF

Em vez de corrigir as desproporções entre as vagas por estados, como exige decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta que manteve todas as atuais cadeiras e criou outras 18. Pela decisão da Corte, até 20 de junho, as 531 cadeiras parlamentares deveriam ser redistribuídas com base no Censo de 2022 – o que pelo cálculo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) afetaria 14 vagas entre os estados, com o Rio de Janeiro sendo o mais afetado, perdendo quatro deputados. Sem consenso, o tema segue indefinido no Legislativo.

Por que isso importa?

  • Para evitar perdas nas bancadas de alguns estados, os deputados aprovaram ampliação de vagas na própria Câmara, mas proposta encontra resistência no Senado e impacto financeiro do efeito cascata desse medida sequer é considerado em projeto.

Para o cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa André Pereira César, o projeto aprovado aproveita uma brecha para evitar que estados percam cadeiras, uma vez que a legislação estabelece a margem de no mínimo oito e máximo 70 deputados por estado, sem estipular um teto para a Câmara.

“A leitura [do STF] era redistribuir. O que estão colocando em prática é outra coisa. Não só não remanejaram, como também criaram outras vagas”, explica César. O cientista político destaca ainda que os limites já distorcem a representatividade proporcional, já que, por população, estados como Roraima não teriam direito a oito representantes, enquanto São Paulo ultrapassaria 120 parlamentares.

De acordo com o Diap, Pará e Santa Catarina teriam quatro novas cadeiras; Amazonas, Mato Grosso e Rio Grande do Norte, duas; e Ceará, Goiás, Minas Gerais e Paraná, uma. Por outro lado, além do Rio de Janeiro, sairiam perdendo Bahia, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Sul, que reduziriam dois deputados, e Alagoas e Pernambuco, um cada.

Se o Congresso não apresentar uma solução até 20 de junho, segundo o STF, caberá ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definir, até 1º de outubro, a nova composição das bancadas para 2027. Procurado, o TSE ainda não se respondeu se já fez estudo ou se há decisão sobre a questão para o caso de o Congresso não resolver a questão até o prazo definido pela Corte. Em caso de manifestação, este espaço será atualizado.

Obedecer para quê? O “jeitinho” dos parlamentares para evitar perdas

Para evitar perdas nas bancadas estaduais, o plenário da Câmara aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 177/23, que amplia o número total de cadeiras de 513 para 531. A proposta prevê que 14 das 18 novas vagas respeitem a projeção com base no Censo feita pelo Diap, ampliando as mesmas cadeiras estaduais do redesenho exigido, e outras quatro seriam para contemplar Mato Grosso e Paraná com um representante a mais e o Rio Grande do Norte com mais dois.

O relator, deputado Damião Feliciano (União-PB), justificou a criação dessas quatro novas vagas como forma de evitar que estados mais populosos fiquem em desvantagem: Mato Grosso e Paraná em relação ao Piauí, de população menor, ou o Paraná, equiparado ao Rio Grande do Sul.

O deputado Reimont (PT-RJ) é um dos que perderiam o mandato caso o redesenho já estivesse valendo nas últimas eleições, com o Rio de Janeiro com quatro cadeiras a menos. “Seria uma injustiça o Rio de Janeiro perder representação, mas também é preciso ressaltar que este aumento do número de deputados foi maior que o esperado”, afirmou o parlamentar, que votou contra o PLP que amplia a Câmara.

Deputado Reimont (PT) defende que o Rio de Janeiro não perca vagas, mas votou contra a ampliação de vagas na Câmara

O PLP 177/23 recebeu 270 votos favoráveis a 207 contrários, mas ainda precisa passar pelo Senado, onde encontra resistência. Se aprovada e sancionada pelo presidente Lula, a medida terá impacto anual estimado em R$ 3,6 milhões para cada novo deputado por ano, valor a ser absorvido no orçamento de 2027 no total de R$ 64,6 milhões, segundo a Diretoria-Geral da Câmara.

Além da questão financeira, alterar o número de deputados pode impactar votações que usam a composição atual como referência, como as decisões por maioria simples, que hoje exigem pelo menos 257 votos. “No processo legislativo, isso tem um potencial de gerar novas arenas de informalidade [de coros]”, afirma a cientista política Graziella Testa, professora da Fundação Getúlio Vargas.

“A representatividade de estados como Santa Catarina está defasada há anos, mas votei contra porque sou contra inchar ainda mais o Congresso. Não é aumentando o número de deputados que se resolve um problema de justiça federativa”, defendeu Vampiro (MDB-SC), que atualmente atua como suplente pelo estado, mas que teria sido eleito para um mandato efetivo se o redesenho, com Santa Catarina recebendo quatro novas cadeiras, já estivesse valendo nas últimas eleições.

Vampiro (MDB) diz que Santa Catarina precisa de mais representatividade na Câmara, mas que a justiça federativa não passa pelo aumento de deputados

Na mesma linha defendeu a deputada Geovania de Sá (PSDB-SC), que votou contra “por entender que essa medida não condiz com o que o país precisa neste momento”. “O que o Congresso fez foi um arranjo político, ao invés de corrigir essa distorção com responsabilidade, criaram novos cargos”, complementou a parlamentar, que apesar de hoje ocupar cargo efetivo, ficou a duas posições de ser eleita à época.

Geovania de Sá (PSDB-SC) classifica a tentativa de não redesenhar as vagas da Câmara conforme decisão do STF como um “arranjo político” que não corrige distorções.

Impacto real no país ainda é desconhecido

De acordo com especialistas ouvidos pela Pública, o projeto abre margem para impactos não pensados pelo texto aprovado, como o aumento de deputados estaduais nas assembleias legislativas, que, por regra, devem ter até o triplo da bancada estadual na Câmara, com trava em 36 cadeiras. Além disso, há o aumento das emendas parlamentares, que os novos representantes passarão a ter direito de indicar no Orçamento da União.

“Criou um precedente. Todas as vezes que tiver reajuste populacional, para garantir essa representatividade [dos estados] de acordo com o STF e a própria classe política, vai criar um precedente sem fim de todas às vezes ficar aumentando deputados federais até conseguir atingir o número ideal”, complementa o cientista político e doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná Tiago Valenciano.

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