EUA discutem moratória que proíbe leis sobre Inteligência Artificial

Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Xeque na Democracia, enviada toda segunda-feira, 12h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.

O Velho Oeste, nos filmes americanos, sempre representou aquela terra sem lei, onde quem tinha uma arma mais potente ou um saque mais veloz – mocinhos, bandidos, indígenas – era quem ganhava na marra, ou na violência. Hoje, é uma boa descrição do que aquele país está se tornando, em todos os aspectos, mas em especial em relação ao desenvolvimento de tecnologias, com foco na inteligência artificial.

Há apenas dois anos, os principais líderes do Vale do Silício se reuniram para implorar por uma regulação que garantisse que o desenvolvimento da IA seria seguro – que essa nova tecnologia não acabaria destruindo a humanidade. Na época, Elon Musk afirmou que o desenvolvimento de IA representava “o potencial de destruição da civilização”.

Dando um pulo pra 2025, temos uma emenda avançando rapidamente na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos que prevê uma proibição de dez anos para qualquer legislação estadual sobre regulação de IA. A emenda faz parte de recomendações sobre o orçamento americano, e diz o seguinte: “nenhum estado pode aplicar qualquer lei ou regulamento que regule modelos de inteligência artificial, sistemas de inteligência artificial ou sistemas de decisão automatizados durante o período de 10 anos a partir da data de promulgação desta lei”.

A emenda ainda precisa ser aprovada pela maioria dos deputados para seguir para o Senado.

Como em toda legislação construída para beneficiar um punhado de capitalistas sem-vergonha, há uma justificativa racional para essa proposta. Há mais de 700 projetos de lei nos congressos dos 50 estados americanos com provisões diferentes para regular a IA – desde deepfakes, desinformação eleitoral, proteção a crianças, danos ambientais – o que causaria a famosa “insegurança jurídica” de que as corporações americanas sempre acusaram nossas democracias latino-americanas. A emenda propõe essa pausa para que seja aprovada uma legislação federal que guie o desenvolvimento de IA, permitindo aos legisladores “curva de aprendizado” aos legisladores estaduais sobre como seria a melhor maneira de fazer isso.

Mas, claro, com as empresas que controlam o desenvolvimento de IA americanas gastando os tubos para fazerem lobby no congresso – o número de organizações que fazem lobby sobre o tema aumentou 190% em 2023 – e com Senado e Câmara dominados pelo partido republicano trumpista, a realidade é que nenhuma legislação conseguirá passar no Congresso americano.

Essa inação faz parte de um histórico de inação do Congresso em questões tecnológicas, o que levou os estados a tomarem suas próprias medidas, como a Lei de Privacidade do Consumidor da Califórnia e a Lei de Privacidade de Informações Biométricas de Illinois, no espaço da privacidade.

A nova emenda terá o efeito de neutralizar a única esfera que tem conseguido colocar algum limite na devastação econômica, moral e cognitiva que a IA já está causando nos seres humanos que habitam aquela ex-colônia britânica.

O que significa, claro, que se apertarmos um pouquinho os olhos conseguiremos enxergar as digitais dos tecno-oligarcas por trás dessa proposta.

Quando o governo Trump abriu uma chamada para contribuições a respeito de um “Plano de Ação em IA”, 41 documentos foram enviados pelas Big Tech pedindo para o governo federal implementar uma “legislação preventiva” federal que impeça leis estaduais de IA para criar um marco nacional unificado, segundo a organização Institute for Progress.

Empresas como Google, Meta e OpenAI foram algumas das que pediram essa ação do governo de Trump. Além disso, grupos financiados pela indústria, como a Câmara de Comércio dos EUA, a Associação da Indústria de Computação e Comunicações, o Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação e a TechNet, também pediram a mesma coisa.

Há outros sinais. Durante uma audiência no Senado, o republicano Ted Cruz perguntou ao CEO da OpenAI, Sam Altman, se ele apoiaria a moratória de 10 anos. “Acho que uma abordagem federal única, com regulação leve e condições equitativas, me parece ótima”, ele respondeu.

Ted Cruz ainda apontou um precedente para ajudar a azeitar o argumento pró-moratório. Ele lembrou que, em 1998, o Congresso americano aprovou uma moratória de dez anos sobre impostos da internet. “Os resultados dessas decisões foram extraordinários. Até 2000, os Estados Unidos registraram cinco anos consecutivos de ganhos históricos de produtividade e crescimento de investimentos. Centenas de milhares de novos empregos foram criados, e o país se tornou um dos maiores exportadores de tecnologia”, disse.

Um presentão para a então nascente e disruptiva indústria centrada no Vale do Silício. O resultado, neste caso, nós já sabemos qual foi – os EUA criaram um monstro que se tornou a maior máquina de destruir sociedades e pessoas da história do capitalismo: as Big Techs.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.