Por Karine Borges Machado, Ariany Tavares de Andrade, Marcela Fernandes de Almeida,
Priscilla de Carvalho e João Carlos Nabout – Especial para o Jornal Opção
A bacia hidrográfica do rio Araguaia possui uma grande diversidade de organismos e uma enorme importância para a região Centro-Oeste e para todo o Brasil. Desde 2022, recursos de diferentes projetos de pesquisa, tais como o “Araguaia Vivo 2030” e o “PPBio Araguaia”, além do INCT em “Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade”, têm sido utilizados para realizar grandes expedições científicas para conhecer a biodiversidade aquática dessa região. Embora a ideia de “biodiversidade” muitas vezes se concentre nos animais e vegetais macroscópicos, o rio Araguaia também abriga importantes microrganismos, que apesar do pequeno tamanho, possuem uma grande importância para a manutenção do equilíbrio desse ecossistema. Entre os organismos microscópicos que vivem no rio Araguaia estão as microalgas. Esse grupo é representado por indivíduos fotossintetizantes (ou seja, aqueles que são capazes de produzir seu próprio alimento, utilizando a luz solar como fonte de energia), que podem viver tanto em suspensão na coluna de água (conhecidos como “fitoplâncton”) ou aderidos a algum tipo de substrato (conhecidos como “perifíton”), tais como rochas ou em plantas aquáticas.
A principal importância ecológica das microalgas está na produção de oxigênio. Por meio da fotossíntese, estes organismos são capazes de fixar o dióxido de carbono da atmosfera ou dissolvido na água e converter essa molécula em oxigênio, que fica disponível para respiração das demais espécies. Nesse mesmo processo, também é produzida a matéria orgânica que serve de alimento para as próprias microalgas. Uma vez que as microalgas são consumidas por outros organismos, como o zooplâncton (pequenos animais aquáticos) ou os peixes, essa energia produzida na fotossíntese é transmitida para os demais níveis tróficos da cadeia alimentar. A cadeia alimentar representa as relações de consumo dentro de um ecossistema, mostrando quem se alimenta de quem. Assim, muitos dos peixes que chegam às nossas mesas podem ter consumido em algum momento o zooplâncton, que por sua vez já se alimentou de uma microalga!

Outra importância ecológica das microalgas é a sua utilização como bioindicadores de qualidade ambiental. Para que esses organismos consigam realizar a fotossíntese, crescer e se reproduzir, eles necessitam de luminosidade, condições de temperatura favoráveis (não tão frias e nem muito quentes) e nutrientes como o nitrogênio e o fósforo. Esses nutrientes estão presentes naturalmente nos ambientes aquáticos, por meio de entradas provenientes do ambiente terrestre circundante, da atmosfera (no caso do nitrogênio), lixiviação das rochas (no caso do fósforo) ou através da decomposição da matéria orgânica dos próprios organismos aquáticos. No entanto, a quantidade de nutrientes que entra nos corpos d’água pode aumentar como consequência das atividades humanas, tais como o lançamento de esgoto doméstico e industrial sem tratamento, ou ainda o uso de insumos agrícolas, ricos em compostos nitrogenados e fosfatados. Com a alta quantidade de nutrientes na água (processo conhecido como eutrofização), esses organismos podem se reproduzir de forma excessiva e promover a formação de florações (grandes massas de algas que se formam sobre a superfície da água). A floração impede a passagem de luz para as camadas inferiores, diminuindo as taxas de fotossíntese e consequentemente de oxigênio no fundo do ecossistema aquático, o que pode ocasionar a mortalidade de peixes e outros animais. Além disso, muitas das espécies de algas envolvidas nas florações podem produzir toxinas, que após a morte de suas células são liberadas na água, comprometendo a qualidade para o consumo humano. Dessa forma, a presença de florações ou de espécies com potencial tóxico são usados como indicativo de baixa qualidade da água.
Diante da importância das microalgas para o bom funcionamento dos ecossistemas, as expedições ao longo do Araguaia têm amostrado tanto o fitoplâncton quanto o perifíton. As informações obtidas para as espécies serão correlacionadas com as variáveis ambientais mensuradas nos mesmos pontos de amostragem, para conhecer quais microalgas vivem no rio Araguaia e ainda compreender os fatores que regulam o crescimento e manutenção desses organismos, assim como a ocorrência de florações e dominância de espécies tóxicas.
Coleta do fitoplâncton nas lagoas de inundação do Araguaia

Uma das estratégias de amostragem das microalgas fitoplanctônicas é a coleta realizada nas lagoas da planície de inundação. Esses ecossistemas são representados por lagoas marginais ao rio Araguaia, que se formam principalmente durante o período de cheia. Algumas lagoas podem permanecer conectadas ao canal principal do rio quando as águas baixam, outras desaparecem completamente durante a seca, enquanto muitas lagoas se isolam na seca e se conectam novamente apenas no próximo período chuvoso. Esses ecossistemas marginais ao rio possuem grande importância biológica e atuam como berçários para peixes, anfíbios e répteis, locais de alimentação para muitas espécies, além de contribuir para retenção de água e controle das enchentes. As coletas são realizadas nesses ambientes e, nas expedições mais recentes, aproximadamente 150 lagoas foram amostradas ao longo de quase 3000 km de rio Araguaia e seus principais afluentes. Para coleta do fitoplâncton, os pesquisadores acessam a lagoa em um barco a motor, e realizam a coleta passando um frasco na subsuperfície da água (aproximadamente 0,5 cm). Essa amostra é levada para o laboratório e analisada com auxílio de um microscópio. Os pesquisadores identificam quais são as espécies presentes em cada ponto de coleta e ainda quantificam a quantidade de células existentes na amostra.
Coleta de microalgas perifíticas associadas às macrófitas nas lagoas de inundação
Para a coleta de algas perifíticas associadas às macrófitas nas lagoas de inundação, são selecionados bancos de macrófitas aquáticas (podendo ser de apenas uma ou mais de uma espécie). Nestes locais, são coletados apenas o pecíolo da planta (parte que liga a folha ao caule). Em laboratório, os pecíolos são raspados com o auxílio de um pincel com cerdas macias, utilizando um volume conhecido de água destilada. Após a raspagem, os pecíolos são medidos com o auxílio de uma régua, para a obtenção da sua área, e depois a comunidade é armazenada e fixada para a sua preservação. O material é posteriormente analisado e identificado utilizando um microscópio. Assim como na coleta realizada para as microalgas planctônicas, os pesquisadores acessam as lagoas em um barco a motor. Entretanto, para a comunidade perifíticas essa coleta é realizada apenas nas lagoas que possuírem bancos de macrófitas aquáticas.

Coleta das microalgas perifíticas associadas às rochas em riachos
Outra estratégia de amostragem para as microalgas perifíticas é a coleta realizada em riachos. Nos riachos, que são rios de pequeno porte e geralmente menos profundos, as microalgas estão principalmente presentes aderidas a substratos como rochas. Além disso, os riachos sustentam comunidades biológicas únicas e diversas, incluindo pequenos peixes, anfíbios, répteis, invertebrados, fungos, bactérias e as microalgas, que são vitais para a manutenção da integridade ecológica desses sistemas. Em 2024, a expedição percorreu as três regiões da bacia hidrográfica (Alto, Médio e Baixo Araguaia), onde foram realizadas amostragens de perifíton em 49 riachos. Para essas coletas, os pesquisadores acessaram os riachos por terra e, inicialmente, coletaram rochas ao longo do leito dos riachos. Em seguida, com o auxílio de escovas de cerdas macias e água destilada, realizaram a raspagem de uma determinada área das rochas. O material removido foi armazenado e acondicionado adequadamente para posterior análise em laboratório, onde será examinado com auxílio de um microscópio. Nesse processo, os pesquisadores identificarão as espécies de microalgas perifíticas presentes em cada riacho e quantificarão sua abundância.


O que sabemos até agora?
As amostras de microalgas fitoplanctônicas e perifíticas coletadas nas lagoas e nos riachos estão atualmente em análise por pesquisadores de diferentes instituições de ensino e pesquisa. Os resultados obtidos até o momento demonstram uma riquíssima biodiversidade com mais de 150 espécies de algas fitoplanctônicas e aproximadamente 100 espécies de algas perifíticas associadas às macrófitas e 70 de algas perifíticas associadas às rochas, pertencentes a vários grupos taxonômicos como as algas verdes, diatomáceas e cianobactérias. Esse número deve aumentar à medida que novas amostras forem analisadas. Dessa forma, o Araguaia Vivo 2030 e o PPBio Araguaia têm contribuído para compreensão dessa importante parcela da biodiversidade, invisíveis aos olhos, mas que geram enormes impactos ecológicos para os ambientes aquáticos. Com essas informações, será possível avaliar se existem espécies potencialmente tóxicas ou ainda o crescimento excessivo de microalgas na região. As informações das espécies podem ser associadas às condições ambientais ou ainda aos dados sobre o uso e ocupação do solo no entorno das lagoas e riachos, auxiliando na compreensão dos impactos ambientais nesses ecossistemas.
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Karine Borges Machado – Professora na Universidade Estadual de Goiás (UEG), pesquisadora do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e “PPBio Araguaia”.
Ariany Tavares de Andrade – Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Goiás (UFG), pesquisadora do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e e PPBio Araguaia.
Marcela Fernandes de Almeida – Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Goiás (UFG), pesquisadora do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e e PPBio Araguaia.
Priscilla de Carvalho – Professora na Universidade Federal de Goiás, vice-coordenadora da Atividade de biodiversidade aquática no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA, pesquisadora no PPBio Araguaia.
João Carlos Nabout – Professor na Universidade Estadual de Goiás, coordenador da Atividade de biodiversidade aquática no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA, pesquisador no PPBio Araguaia.
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