Ana Arraes se torna anistiada política

Por Betânia Santana
Do Blog da Folha

A Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, deu, na última quarta-feira (23), mais um passo para reforçar a democracia no Brasil e exaltar a importância das mulheres na defesa da justiça social. Reunida em Brasília, considerou anistiada política a ex-deputada federal e ex-presidente do Tribunal de Contas da União, a pernambucana Ana Lúcia Arraes de Alencar. O julgamento do processo, que teve como relator o advogado e doutor em Direitos Humanos Prudente José Silveira Mello, durou aproximadamente 40 minutos.

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB-SC), Prudente Mello acolheu os argumentos da petição. Aos 16 anos, Ana Arraes teve de abandonar os estudos. Também acabou, por imposição da ditadura, sendo obrigada a casar-se em uma base militar, com uma cerimônia restrita a pouquíssimas pessoas. Ana Arraes também viveu o inxílio, termo venezuelano que descreve o deslocamento forçado, semelhante ao exílio, mas que acontece dentro do próprio país e com implicações menos formais.

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“Ana Arraes ficou praticamente sem família por perto. Viu seu pai (o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes), sua madrasta e seus irmãos seguirem para o exílio. Somente em 1976, lhe foi assegurado retirar o passaporte e visitar seu pai na Argélia, onde estava exilado. Foi um duro golpe”, argumentou Prudente Mello, que, desde maio de 2007, calcula ter participado, direta ou indiretamente, do julgamento de, pelo menos, dez mil processos de anistia.

Na reunião de quarta-feira, o caso de Ana Arraes — mãe do ex-governador Eduardo Campos e avó do prefeito do Recife, João Campos — era um pouco diferente dos outros 12 julgados, por apresentar características individualizadas. Ela não fazia parte de movimentos sindicais ou partidários durante os anos de chumbo. A comissão considerou a ex-ministra do TCU vítima do aparato repressivo no período de 1º de abril de 1964 a 28 de agosto de 1979.

“Estou feliz e honrado. Tive o privilégio de fazer o voto que reconheceu o direito à condição de anistiada política, ao pedido de desculpas do Estado brasileiro e à reparação a uma mulher que tem a resiliência como marca de vida. Mantém-se firme durante todo o tempo, engrandecendo a mulher pernambucana, nordestina e brasileira”, ressaltou Prudente Mello. A decisão, por unanimidade, será publicada na próxima semana no Diário Oficial da União. E também garante à anistiada indenização de R$ 100 mil em parcela única.

Para Prudente Mello, que participou de julgamentos importantes, como os que anistiaram o cineasta Glauber Rocha (1939-1981), o guerrilheiro Carlos Lamarca (1937-1971) e o ator e diretor José Celso Martinez Corrêa (1937-2023), cada decisão da Comissão de Anistia é histórica. “É uma forma de preservarmos a memória, trazermos a verdade à tona e fazermos reparação. Se não trabalharmos efetivamente, estaremos fadados a repetir erros, e monstros podem surgir de novo”, enfatizou.

“Ao lado da resistência democrática, Ana Arraes tornou-se, ainda muito jovem, alguém que atuou no fortalecimento da luta pela anistia. E sofreu os horrores dos atos arbitrários”, observa o coordenador da Cátedra Unesco Unicap Dom Helder Camara de Direitos Humanos, professor Manoel Moraes, um dos titulares da Comissão de Anistia do governo federal.

Segundo ele, a comissão reconhece a importância das mulheres na defesa da democracia e o legado de resistência das pernambucanas. “A decisão enfrenta preconceitos da cultura patriarcal que historicamente promove o apagamento da biografia das mulheres. Reverter esse processo é uma tarefa necessária na luta diária por uma sociedade mais justa e plural”, ressalta Manoel Moraes.

A reunião da quarta (23) foi coordenada pela procuradora federal aposentada Ana Maria de Oliveira, que assumiu a presidência da Comissão de Anistia em janeiro deste ano, substituindo a professora Eneá de Stutz e Almeida. O encontro foi acompanhado por estudantes da Universidade de Brasília e se estendeu por cerca de três horas.

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