Papa Francisco teve 12 anos de pontificado e fez movimentos em direção a reformas da Igreja


Francisco, que morreu nesta segunda-feira (21), também tentou intervir em guerras e ficar próximo ao povo. Papa Francisco foi um dos mais populares da atualidade
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Jorge Bergoglio teve doze anos de pontificado. Foi um período importantíssimo para a Igreja Católica pelos movimentos que o Papa argentino fez em direção a reformas. Francisco fez uma opção clara pelo ato de acolher, em vez de julgar.
Naquele dia 13 de março de 2013, a escolha do primeiro Papa latino-americano causou um grande impacto. O argentino Jorge Mario Bergoglio derrotou, no conclave, candidatos italianos que pareciam favoritos, porque a Igreja precisava mudar. Tinha que deixar para trás os escândalos de corrupção, de carreirismo e de vazamento de informações, como o Vatileaks.
O cardeal que vinha da longínqua periferia de Buenos Aires, pegava transporte público e voava em classe econômica, imediatamente respondeu ao chamado.
Ao ouvir do amigo brasileiro, o cardeal Cláudio Hummes dizer “não se esqueça dos pobres”, Bergoglio anunciou o seu nome de pontífice: “Francisco”. Uma homenagem a São Francisco de Assis, o santo que abandonou uma vida de luxo para se dedicar aos pobres.
Iniciou assim o seu pontificado: combatendo alguns símbolos ostensivos de riqueza. O ouro da cruz, que ele passou a usar de latão. O anel de pescador, ele preferiu de metal prateado. O sumo pontífice rejeitou o imenso apartamento papal do Palácio Apostólico e foi morar na Casa Santa Marta, num quarto sóbrio e modesto.
A sua revolução simbólica não demorou a ganhar concretude. O primeiro ato foi moralizar o Banco do Vaticano, fechando mais de duas mil contas. Depois de muitas tentativas, Francisco conseguiu dar transparência , com novas leis contra crimes financeiros. Mas substituir um Papa vivo não foi uma tarefa simples para o primeiro pontífice jesuíta da história.
Na herança do antecessor, muitos documentos secretos. Francisco recebeu das mãos de Bento 16 caixas de papéis e pistas do que estava errado dentro dos muros.
Papa Francisco gostava de estar entre o povo
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Viagens do Papa
Para a sua primeira viagem como Papa, ele escolheu Lampedusa. Na ilha siciliana chegavam milhares de imigrantes da Líbia, depois da travessia mortal no Mediterrâneo. Os refugiados se tornaram um dos temas mais sensíveis para Francisco. E ali ele falou pela primeira vez em globalização da indiferença.
O Brasil foi o primeiro país destinado ao Papa argentino. Quatro meses depois da posse, ele saiu andando numa avenida carioca, assustando a segurança e inaugurando um estilo muito diferente para um líder da Igreja. Em Copacabana, rezou com três milhões na missa da Jornada Mundial da Juventude.
No voo de volta a Roma, ouvimos as palavras que determinariam um novo rumo ao pontificado. Quando perguntei sobre os gays dentro do Vaticano, Francisco respondeu: “Quem sou eu para julgar?”.
Por esta frase, até então inédita para um Papa, ele ganharia a simpatia de tantos e a oposição feroz dos mais conservadores.
Em uma de suas primeiras viagens como Papa, Francisco veio ao Brasil
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Mudanças na Igreja
Dez anos depois, Francisco aprovaria uma nova orientação: a bênção aos casais do mesmo sexo na Igreja. Outro motivo de ruptura com os tradicionalistas. A sua primeira exortação apostólica, Evangelii Gaudium, propunha uma nova evangelização e questionava o modelo da economia capitalista.
Vítima de forças econômicas internacionais, que não perdoaram o seu discurso social demais, Francisco começou a ser combatido também pelos conservadores em defesa da doutrina.
A cada sínodo convocado por ele, os seus inimigos começaram a crescer, resistindo às experiências de inovação do Papa, como a comunhão aos divorciados que se casaram de novo.
A conduta do Papa Francisco contra a pedofilia – nem sempre bem-sucedida – foi muito severa. E hoje as penas para os religiosos que cometem este crime são maiores. Cardeais e bispos não possuem mais os privilégios de antes. E o segredo pontifício foi abolido para casos de abuso sexual. O Papa encontrou vítimas e pediu perdão. Mas as organizações de vítimas esperavam mais.
Denúncias de corrupção na administração da economia vaticana também atingiram colaboradores de Francisco, que foram afastados e condenados.
Na política internacional, Francisco mediou crises mundiais importantes, como entre Cuba e os Estados Unidos de Barack Obama. Influenciou o acordo de paz entre o governo colombiano e as principais guerrilhas do país. As relações da Santa Sé com a China foram recuperadas em 2018.
Na corajosa viagem ao Iraque, ele pregou a irmandade, contra o fundamentalismo. “A hostilidade, o extremismo e a violência não nascem de uma alma religiosa.”
O Papa de Roma criou relações de amizade profundas com autoridades muçulmanas e hebraicas. “As nossas diferenças não são um dano, um perigo, são uma riqueza.”
Deu passos importantes na unidade dos cristãos. Num dos seus grandes eventos, quatro papas estiveram presentes. Dois em espírito, na canonização de João Paulo II e João XXIII. Bento XVI ficou ao lado de Francisco.
Nos últimos anos do seu pontificado, conseguiu finalmente investir na reforma da Cúria – o governo da Igreja Católica.
Francisco dedicou mensagens de ternura, quase que diariamente, aos pobres e marginalizados. E isso, num pontificado, tem um peso.
Os seus dramas pessoais foram vividos com discrição. A sua história argentina durante a ditadura, a sua ausência do país de origem.
Francisco era também um homem brincalhão, capaz de provocações como a pergunta que sempre fazia aos brasileiros: “Quem é melhor: Pelé ou Maradona?
O Papa Francisco nunca teve medo de dizer o que pensava. Ele foi capaz de se tornar um interlocutor da sociedade moderna. Mas no seu íntimo, era mais missionário do que progressista. Por isso, de certa forma, desiludiu os que esperavam para a mulher um papel mais decisivo na Igreja.
Nas entrevistas que dava, havia sempre algo revelador da sua intimidade. E ele não teve pudor em confessar a sua psicoterapia.
“Durante os dias terríveis da ditadura argentina, quando tinha que levar pessoas na clandestinidade para sair do país, vivi situações nas quais não sabia o que fazer. Então fui encontrar uma senhora, uma psiquiatra, por seis meses, uma vez por semana. Estou convencido de que cada sacerdote deve conhecer a psicologia humana.”
Sobre a sua morte, chegou a descrever como a imaginava. “Como Papa ou emérito. E em Roma. Não voltarei à Argentina.” Deixou uma carta de renúncia, caso a sua saúde o tivesse impedido de governar a Igreja Católica.
Elas não se tornaram sacerdotes no seu pontificado. Mas Francisco foi o primeiro Papa a admitir: “Um dos grandes pecados que cometemos foi masculinizar a Igreja. E uma tarefa que vos peço, por favor, é desmasculinizá-la.”
Em 6 de janeiro deste ano, nomeou a primeira prefeita do Vaticano, irmã Simona Brambilla. No dia 20, escolheu outra religiosa como a primeira governadora da cidade-estado, Raffaella Petrini.
Problemas de saúde
O declínio físico, nos últimos quatro anos, não o desestimulou a continuar no comando. Na hospitalização em julho de 2021, Francisco teve um pedaço do intestino retirado por uma diverticulite. A sua presença agitou o Agostino Gemelli, conhecido como o hospital dos papas.
Mesmo convalescente, mostrou aquela qualidade de não conseguir ficar parado. Andou pelos corredores, visitou crianças com câncer e rezou o Angelus da janela do décimo andar.
“Aqui estão algumas crianças amigas doentes. Por que as crianças sofrem? ‘Por que as crianças sofrem’ é uma questão que toca o coração. Acompanhem-nas com a oração e rezem por todos os enfermos.”
Os efeitos da anestesia demoraram meses a passar. Por isso, em 2022, quando a dor crônica nos joelhos se tornou muito aguda, o Papa preferiu uma cadeira de rodas à cirurgia.
Trabalho pela paz
A sua campanha diplomática contra a guerra na Ucrânia comoveu os católicos, mas não os líderes das nações em guerra. Às ofertas de Francisco para mediar as negociações entre Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky, no solo neutro do Vaticano, a resposta foi o silêncio.
Incansável, o Papa continuou os seus apelos pela paz, dia após dia. Principalmente depois que explodiu a guerra entre Israel e o Hamas, após os ataques terroristas de 7 de outubro de 2023, que mataram 1,2 mil pessoas e fizeram 250 reféns.
Em vários momentos, cresceu a tensão entre o chefe da Igreja Católica e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. O Papa Francisco, além de lamentar a morte dos israelenses, denunciou inúmeras vezes a matança de milhares de crianças palestinas pelas armas de Israel.
“Oremos pelas vítimas, em especial, pelas crianças.”
Francisco deixou legado
Nas liturgias, o pontífice argentino também deixou o seu rastro. Criou novas regras para as missas em latim, retomadas pelo antecessor. E as missas modernas, dos anos de 1970, pós-Concílio Vaticano II, não poderão mais ser esquecidas.
Em 2020, como líder espiritual, em plena pandemia de covid, Francisco obteve ainda mais consenso popular. As suas orações comoveram o mundo assustado e carente de afeto. A sua imagem solitária, na Praça São Pedro deserta, andando com dificuldade, provavelmente ficará para sempre na história dos pontificados.
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