Por Aldo Paes Barreto*
No final dos anos 1950, o gaúcho Plínio Pacheco, então funcionário civil da Aeronáutica e diagramador do Jornal do Commercio, teve duas avassaladoras paixões: uma pela jovem Diva Mendonça, com quem casaria e outra pela encenação pública do Drama da Paixão, realizado na vila de Fazenda Nova, distrito de Brejo da Madre de Deus, território da família de Diva. Naquela época o arruado era apenas casario simples, reduto dos Mendonça. Anualmente, na Sexta-feira Santa, a família se reunia e celebrava a céu aberto a peça sacra, teatralizada e adaptada pelo líder Epaminondas.
Plínio trouxe novas ideias, pensava alto e acreditava tornar aquela encenação mais conhecida na região, trazendo gente de outras cidades para assistir ao drama. Fazenda Nova, apesar do chão pedregoso, duro, da vegetação rasteira, já atraia visitantes, inclusive do Recife, por conta do clima ameno, do frio seco. Luís Dias, então dono do restaurante Leite, construiu um hotel e deu-lhe o nada modesto nome de Grande Hotel Fazenda Nova. Era ali que os mais endinheirados se reuniam para jogar pôquer, conversar amenidades, gozando do clima do lugar.
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A teatralização crescia e aparecia. Plínio convidara um grupo de halterofilista para integrar o elenco personificando os centuriões romanos. Os rapazes recifenses, entre eles José Pimentel, aderiram. Divertiam-se e namoravam as Marias do lugar. Nos primeiros anos, uma tragédia quase afastava o grupo. Um deles, da família Porto Carrero, morreu em desastre na precária estrada que ligava Caruaru à Fazenda Nova. Foi Pimentel quem convenceu o grupo a continuar até como homenagem ao colega falecido.
A morte do jovem também serviria para o governo estadual construir o calçamento da estrada. Fazenda Nova atraia as atenções. Quando Plínio idealizou construir a Nova Jerusalém no meio do nada, uma cidade-teatro, cercada por muralhas, torres, e tudo o que na sua imaginação fazia lembrar a cidade original, Pimentel foi indispensável. Integrou-se cada vez mais ao projeto. Figurante, ator, entendia de eletricidade, de efeitos especiais, sonorização.
Na edição de 1978, ele chegou ao personagem principal. Jesus Cristo. Pela primeira vez iria encerar o espetáculo vivendo a comovente cena do crucificado na ascensão. Vestiu o manto branco, subiu à plataforma de madeira que o elevaria do chão, através de roldanas e cabos de aço. Lentamente, o personagem Jesus Cristo ia sendo iluminado, enquanto tênue fumaça se espalhava, transmitindo a imagem da elevação. O manto criava vida tremulando sob os ventos suaves da vila, parecendo que Cristo pairava no ar. Aquela cena era memorável e, naquele ano, esteve perto da perfeição.
Nos primeiros minutos da elevação aconteceu o imprevisto: Pimentel, meu parceiro no jornalismo e colega de infortúnio, também deslocava o ombro. Era como um prego enferrujado enfiado no ombro. A dor insuportável. Pimentel sentiu o ombro fora do lugar e a dor incontida. Com os braços e o corpo atados à cruz, estava imobilizado. Olhou para o ombro e podia-se ver sua fisionomia sofrida como na tortura do calvário.
Ao suspirar profundamente sentiu que o ombro voltava ao lugar. A dor fora embora e ele sentiu uma paz imensa, o corpo repousado, um bem-estar como nunca havia sentido. Do alto, já no ponto extremo da elevação teatral, ele podia ver toda a plateia, o cenário, os muros, as torres. Estava no seu mundo. O teatro. Lembrou a cena inicial- o Sermão da Montanha – e pensou nas lições não aprendidas: “Bem-aventurados os sedentos de Justiça, porque eles serão saciados”.
*Jornalista
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