O analfabetismo de passarinho é algo perigoso, pois ele impede o acesso das pessoas à poesia da vida. E deixar a poesia da vida escapar é ter a alma oca. É viver de olhos fechados, impedidos de conhecer a luz do sol, a qual, segundo o poeta Fernando Pessoa, “vale mais que os pensamentos de todos os filósofos e de todos os poetas”. E vale mesmo. Só que esse reconhecimento não alcança todas as pessoas. E aqui entram os analfabetos de passarinho, que, por sua vez, são também analfabetos de vida, que, perigosamente, vivem sem colher o dia.
Aquele dono de uma serralheria, pela cena triste que assisti, é um analfabeto de passarinho de pai e mãe. Ele tinha um sabiá-laranjeira aprisionado numa pequena gaiola pendurada na parede do seu estabelecimento. Parei lá fazer um orçamento de um serviço. Ele estava com uma serra policorte ligada na alta, cortando um pedaço de barra de ferro, o que resultava em milhares de faíscas de fogo. Usava um abafador de ruído. Era impossível não usar. Foi preciso que eu lhe acenasse, que assim desligou a serra. Conversamos. Gostei do preço, mas o aprisionamento do pássaro me impediu de lhe dar o serviço.
O pobre pássaro estava desnorteado com o barulho. Em sua inquietação, percorria os dois poleiros da minúscula gaiola numa rapidez tentando, em vão, fugir daquele barulho infernal (certamente querendo voar para alguma palmeira onde canta o sabiá). Eu que apenas ouvi por poucos instantes aquele ruído infernal já fiquei meio biruta, imagine aquela pobre ave ouvindo aquilo dias e dias. Aquele homem, ao criar o sabiá daquela maneira, mostrou o abismo da ignorância em que estava aprisionado. A ave tinha uma pequena argola metálica no pé, que é chamada de anilha e cuja função é identificar a ave e informar se ela tem autorização para viver em cativeiro. Autorização esta que é expedida pelo Ibama.
Após o homem me passar o orçamento, pensei em falar que aquele barulho era prejudicial à ave, haja vista que ele mesmo usava um abafador de ruído. Não falei nada. Seria jogar pérola para porco, entraria num ouvido e sairia no outro. Pesou também o fato de eu não saber que reação ele poderia ter, pois, afinal, sua ignorância era explícita: criar uma ave aprisionada numa minúscula gaiola em meio a um barulho dos diabos.
Li algum tempo atrás que os sabiás de São Paulo (capital) têm cantado de madrugada, por volta das 3h. E isso, conforme a matéria, devido ao estresse por que passam resultante do som os automóveis pelas ruas. Ao contrário dos sabiás de São Paulo, que não vivem presos e podem (pelo menos) cantar à noite, o que vi vivendo numa pequena gaiola não tem essa alternativa. É provável que seja uma ave demente.
O sabiá-laranjeira, por meio de um decreto assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002, se tornou a ave nacional do Brasil. Por trás da escolha da respectiva ave, estava o então presidente da Associação de Preservação da Vida Selvagem, Johan Dalgas Frisch. Em 1989, o escritor baiano Jorge Amado, em telegrama enviado a Dalgas, solidarizou-se com a escolha, que vinha sendo trabalhada a algum tempo: “Desejo manifestar meu integral apoio à campanha para que o sabiá seja definitivamente consagrado como “Ave Oficial do Brasil”.

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza
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