Os termos “fisiologia”, “fisiológico” e “fisiologismo” são usados frequentemente no jargão político brasileiro, embora sua origem exata seja incerta. Essas expressões costumam se referir à prática da troca de favores: o Poder Executivo distribui cargos e verbas a deputados e senadores em troca de apoio político no Congresso. No sentido literal, segundo o dicionário Aurélio, “fisiologia” é o ramo da biologia que estuda as funções dos organismos, como crescimento, nutrição e respiração. Já “fisiologismo”, também de acordo com o Aurélio, é definido como a prática ou atitude de buscar benefícios e vantagens pessoais — especialmente por políticos e servidores públicos — em detrimento do interesse coletivo. Na prática política, porém, os dois termos são frequentemente usados como sinônimos, sempre associados à ideia de barganha e interesses pessoais.
As relações políticas entre os poderes Executivo e Legislativo sempre foram o ponto nevrálgico de tensão política, fisiologismo e também de improdutividade. Podemos ver isso acontecendo toda a semana nos parlamentos, seja do Congresso Nacional ou nos legislativos estaduais e municipais. Seja historicamente ou atualmente essa relação acaba por penalizar o Brasil, os estados, os municípios e principalmente a população.
Se no âmbito nacional já achamos essa atuação do legislativo extremamente virulenta, nos parlamentos Brasil afora o caso é bem mais sério e as estratégias de articulação política são de intenção duvidosa.
Indo direto ao ponto, em Goiânia, desde que eu acompanho a política, nunca presenciei algo tão prejudicial à população quando a sede de ganhar vantagem que os vereadores de Goiânia tem. Aqui eu já me adianto ressaltando que dentro da Câmara de Goiânia tem gente que trabalha direito e honra o voto que receberam e o salário que recebem. Todavia, desde 2013, no segundo mandato do então prefeito Paulo Garcia (PT) o que se viu sempre foi uma Câmara Municipal com sede de cargos e mais poder. A administração de Garcia viu uma das piores crises da coleta de lixo da história de Goiânia.
Após a volta de Iris Rezende ao Paço Municipal o paramento ficava mais arredio nos discursos contra o prefeito, mas nada acontecia, porque o então administrador de Goiânia tinha história e força política, mas a Câmara sempre foi o motivo que fez Iris repensar se disputaria ou não a cadeira de prefeito. Na sua última eleição, em 2016, ele cogitou não disputar. Aos 84 anos ele dizia que não tinha mais energia para lidar com vereador.
Em 2020 Maguito Vilela vinha com uma cara de “renovação e modernidade” e como referência, além do seu histórico político tinha as mudanças que ele provocou em Aparecida de Goiânia, mas infelizmente o prefeito eleito morreu poucos dias depois de assumir o cargo vítima da Covid-19. No seu lugar assumiu o vice-prefeito, Rogério Cruz (na época eleito pelo Republicanos).
Além de ser um prefeito fraco, Cruz não tinha grupo político e após romper com o MDB trouxe vários nomes do seu partido em Brasília para “administrar” a Prefeitura. Pouco tempo depois, com muita dificuldade, ele se livrou dos nomes do Republicanos do Distrito Federal e se tornou refém da Câmara Municipal de Goiânia e essa relação se desenrolou com base em investigações que ameaçavam aliados e o próprio prefeito, exigência por cargos.
Agora, em 2025, a gestão mudou o que empolgou a população de Goiânia que, naquele momento esperava uma mudança radical nos rumos da cidade e um compromisso com o cidadão. Sandro Mabel (UB), que foi bancado, politicamente, pelo governador Ronaldo Caiado (UB), começou a governar antes mesmo de assumir. Ainda na transição, ele negociou com os vereadores a aprovação da Taxa de Limpeza Pública (TLP), também chamada de Taxa do Lixo.
Durante a tramitação do projeto, vereadores da oposição tentaram acrescentar uma emenda que colocava uma trava de segurança da cobrança. Caso houvesse interrupção na coleta a cobrança também seria suspensa. O relatório feito pelo vereador Ronilson Reis (SDD), mesmo parlamentar que presidiu a CEI da Comurg na gestão de Cruz, rejeitou as emendas.
O Ministério Público de Goiás chegou a defender que a taxa não poderia ser cobrada integralmente caso a Prefeitura não garantisse a destinação dos resíduos sólidos coletados, porque até então o Aterro Sanitário estava funcionando sem licença.
A Justiça de Goiás negou, na quinta-feira, 3, o pedido de liminar que solicitava a suspensão de diversos dispositivos da TLP. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) entendeu que não havia urgência suficiente para justificar a suspensão imediata da norma. A decisão veio após recomendação do Ministério Público de Goiás (MPGO), resultado da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela vereadora Aava Santiago (PSDB).
Há duas semanas eu escrevi nesta coluna que gestores e gestões vêm e vão, mas a cidade fica e a população também fica. É necessário proteger o erário e a administração do fisiologismo do legislativo. Porque independente de quem esteja comandando a Prefeitura sempre há alguém que vai tentar, e que pode até conseguir tirar vantagem indevida do que é do goianiense.
Provando que nada muda, os vereadores insatisfeitos com a falta os pouco ou com nenhum cargo oferecido por Mabel (os vereadores usam esses espaço para ter influência e também para garantir apoio de lideranças locais) eles começaram a fazer críticas duras contra o Paço e nos bastidores chegaram a cogitar (e ainda cogitam) a revogação da Taxa do Lixo.
Isso ocorreu ao mesmo tempo em que Mabel tentou regulamentar as emendas impositivas via decreto, o que irritou muito os vereadores. Desde o começo do ano os parlamentares se viram na mira de notícias veiculadas na imprensa do estado que mostram que ONGs ligadas a vereadores estavam sendo favorecidas com emendas. O primeiro caso divulgado foi o do vereador Geverson Abel e destinou cerca de R$ 4,3 milhões para uma entidade que fica no seu próprio escritório político.
Outra entidade, que pertencia ao vereador Igor Franco (MDB) foi indicada para receber uma emenda de R$ 533 mil destinada pelo ex-vereador Sandes Júnior. O último caso foi envolvendo o nome do vereador Wellington Bessa (DC) que destinou uma emendas de R$ 289 mil para uma associação onde o responsável é o presidente do seu próprio partido, o Democracia Cristã, Alexandre Magalhães.
As matérias incomodaram os parlamentares a ponto da vereadora mais progressista da Casa, Aava Santiago usou a tribuna para chamar a atenção sobre as notícias vinculadas. “É uma prioridade para o goianiense saber se a Câmara de Goiânia, que na última semana não teve um dia que metade dos jornais do estado de Goiás não tenha sido (sic) para falar mal da Câmara de Goiânia. Nós estamos vivendo a pior quadra da nossa história recente. Todos os dias tem matéria falando mal da Câmara de Goiânia, todos os dias as pessoas questionam os gastos da Câmara de Goiânia, todos os dias as pessoas questionam as escolhas políticas da Câmara de Goiânia. Todos os dias a Câmara de Goiânia é o principal personagem de uma cobertura de imprensa que corrobora com uma percepção a população gastamos muito mais do que produzimos, que vala comum horrível que nós estamos inseridos”, afirmou a vereadora ao fazer um preâmbulo para criticar a taxa do lixo em um momento de tensão dos vereadores com o Paço na regulamentação das emendas.
Ora, o dever da imprensa é justamente o de questionar, investigar e trazer a luz aquilo que está oculto e que prejudica a população por conta de interesses pessoas, o fisiologismo. O fato jornalístico está nas ações que emergem no parlamento e nas salas onde reuniões a portas fechadas negociam interesses individuais.
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