Repressão a imigrantes faz crescer mercado de passaportes e cidadanias falsas na internet

Impulsionados pela perseguição americana contra imigrantes nos Estados Unidos, cibercriminosos encontraram nas redes sociais um mercado rentável: a venda de cidadanias falsas. Se aproveitando do pânico promovido pelas deportações do governo Trump, os falsificadores ampliaram a divulgação do documento ilegal em plataformas como Telegram, Facebook e WhatsApp – os dois últimos controlados pela Meta.

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A principal oferta é de cidadania norte-americana, portuguesa, espanhola e italiana – essa a mais divulgada. O Jornal Opção teve acesso a grupos públicos e privados – cujos membros chegam a 30 mil – tendo negociado com pelo menos três criminosos da Bahia, Ceará e Goiás, em ambiente virtual. A investigação realizada pela reportagem se prolongou por cerca de duas semanas.

Se passando por uma pessoa interessada em aderir a fraude, o repórter entrou em contato primeiramente com o baiano. O cibercriminoso se propôs a produzir um documento italiano “igual os da Itália”. Entretanto, seria necessário falsificar o Registro Geral (RG) gringo – o mesmo foi proposto pelo goiano. Ou seja, o “cliente” teria que assumir a identidade de um cidadão do país ao qual deseja ingressar. 

“Vou ver se arrumo o RG gringo, mano. Precisa de um RG novo. [Cobro] R$ 80, mas paga depois de pronto. Com a cidadania fica R$ 150. É 100%, não tem risco [de ser deportado]. Tenho vários clientes que fiz e deu certo”, escancarou, ao enviar modelos dos dois documentos em nome de uma mulher, de 23 anos, natural de Arauá, em Sergipe. 

O valor foi o mesmo cobrado pelo goiano. Já o cearense elevou o preço a ser pago para R$ 200, tanto pelo RG quanto pela cidadania, de dupla nacionalidade – italiana e norte-americana. Ele justifica a quantia dizendo ser um trabalho de alta dificuldade, devido à matriz estrangeira – espécie de ferramenta de organização de documentos.

O falsário também induziu o repórter a adquirir um passaporte que, segundo ele, teria menos chances de ser identificado como fraudulento. Neste caso, não seria necessário dados falsos, mas metade do valor teria que ser adiantado. O prazo para produzir e enviar os documentos em Portable Document Format (PDF) levaria um dia útil. 

“Se for querer mesmo, preciso dos dados pessoais e foto. Te mando em um dia útil. Primeiro é a prévia para você ver e depois o final”, afirmou o cearense. 

Penalidades 

Quem se aventura com o uso de documentos fraudulentos pode ser penalizado, assim como quem vende. Na legislação brasileira, a pena para a falsificação pode variar entre 1 e 5 anos (documento particular) e 1 a 6 anos (documento público), além de multa. Há ainda a possibilidade de ser enquadrado no crime de falsidade ideológica, tendo como punição penas de até 5 anos. 

Há ainda as leis do país onde o estrangeiro for flagrado ilegalmente, de acordo com a advogada especialista em direito internacional, Nayara Gomes. Por ter uma relação de parceria com o Brasil, Portugal possui penas mais brandas com prisão de, no máximo, três anos, além de multa de até 600 dias. 

A situação, porém, é diferente dos Estados Unidos, onde o cumprimento das penas é equiparado ao tráfico internacional de drogas – visto que o brasileiro, por exemplo, foi pego em flagrante delito. Ou seja, o falsário pode ser penalizado a nível nacional e internacional. 

“A pessoa pode vir a ser deportada do país, bem como poder vir a ser obrigada a cumprir a pena lá, porque não está cometendo um crime apenas no Brasil. Ele poderia ser extraditado caso o Brasil solicitasse que ele cumpra a pena pelo crime aqui”, explica a advogada.

Nayara esclarece que a aquisição de cidadania e passaportes falsos acontece principalmente entre pessoas que vivem em países em guerra, que solicitaram refúgio e não conseguem asilo. Normalmente eles ingressam em países como turistas, mas acabam fixando residência.

Para ela, no caso dos brasileiros, é um crime desnecessário devido a atual facilidade em adquirir o visto. Países como Itália, Espanha e Portugal – locais para onde a reportagem identificou a venda – concedem o direito de cidadania com cinco anos de moradia para estrangeiros, conforme a advogada.

“São crimes cometidos por conta da ansiedade, financeiro e do medo. Geralmente quem consegue o passaporte é naturalizado, não cidadão de origem, mas depende da legislação do país. Nos Estados Unidos, você é cidadão por nascimento. Não basta ser apenas filho de um estadunidense, é necessário cumprir uma série de regras de residência, idioma, provas. Caso contrário, vai ter apenas o green card e o direito de residir”, explana.

Processo legal 

O também especialista em direito internacional, Michel Magul, reforça que o processo de cidadania varia de acordo com o país e a legislação local. No Brasil, segundo ele, o trâmite de naturalização é regulamentado pela Lei nº 6.815/1980 e pelo Decreto nº 86.715/1981. Entre as etapas gerais estão:

  • Requisitos: o estrangeiro deve atender aos requisitos estabelecidos pela legislação, como residência no país, conhecimento da língua portuguesa, entre outros.
  • Solicitação: o estrangeiro deve solicitar a naturalização ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
  • Documentação: o estrangeiro deve apresentar a documentação necessária, como passaporte, certidão de nascimento, certidão de casamento, entre outros.
  • Análise: a solicitação é analisada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que verifica se o estrangeiro atende aos requisitos.
  • Aprovação: se a solicitação for aprovada, o estrangeiro é convocado para prestar o juramento de cidadania.
  • Juramento: o estrangeiro presta o juramento de cidadania e recebe o certificado de naturalização.

“O tempo e as condições para o processo de cidadania variam de acordo com a legislação local. No Brasil, o processo de naturalização pode levar de 1 a 3 anos, dependendo da complexidade do caso. A cidadania não tem prazo de validade. Uma vez concedida, a cidadania é válida por toda a vida, desde que o cidadão atenda aos requisitos e obrigações estabelecidos pela legislação”, garante.

Goianos deportados 

Procurada, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Goiás (Seds) informou que não tem dados de goianos deportados, mas que acompanha casos por meio das nossas redes de apoio e articulação com organismos internacionais. Ainda de acordo com a pasta, foi identificado um fluxo de goianos que migram para outros países, mas não há um banco de dados específico sobre isso no Estado.

Em contrapartida, Goiás é considerado um dos principais “refúgios” de migrantes estrangeiros. Segundo dados do Observatório das Migrações do Governo Federal, o Estado conta com 19.748 refugiados, migrantes e apátridas com registro ativo. 

As principais nacionalidades são venezuelana (19,5%), haitiana (18,2%) e colombiana (9,5%). Goiânia tem a maior parcela desta população, com cerca de 40%, seguida por Anápolis (13,4%), Aparecida de Goiânia (10%), Valparaíso de Goiás (3,2%) e Rio Verde (2,3%). Deste total, cerca de 65% são homens e 35% mulheres. 

“Temos o Comitê Estadual para Migrantes, Refugiados e Apátridas, que articula políticas públicas para acolhimento e integração dessas pessoas. Além disso, vamos lançar o Plano Estadual de Políticas Públicas para Refugiados, Migrantes e Apátridas, que estruturará ações interinstitucionais para garantir direitos e acesso a serviços essenciais, como documentação, trabalho, moradia e assistência social”, concluiu a gerente de Direitos Humanos da Seds, Biany Lourenço.

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