Folha é implicada judicialmente por colaboração com a repressão na ditadura

O Grupo Folha foi formalmente implicado judicialmente por colaboração com a repressão durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). A investigação que levou a essa conclusão faz parte do livro A serviço da repressão: Grupo Folha e violações de direitos na ditadura, fruto de um amplo estudo acadêmico conduzido por Amanda Romanelli, Ana Paula Goulart Ribeiro, André Bonsanto, Flora Daemon, Joëlle Rouchou e Lucas Pedretti. O trabalho lançado na quinta (27), em São Paulo, resultou na abertura de um inquérito pelo Ministério Público Federal (MPF), que agora busca responsabilização da empresa.

A pesquisa teve origem em um termo de ajustamento de conduta assinado entre a Volkswagen e o MPF, pelo qual parte dos recursos pagos pela montadora foi destinada à investigação de outras empresas que haviam sido apontadas pela Comissão Nacional da Verdade como colaboradoras da repressão. A Folha foi a única empresa de comunicação incluída nesse estudo.

Três frentes de apuração

A investigação acadêmica foi estruturada em três frentes principais:

1. Benefícios econômicos obtidos pela Folha

Apuração sobre como o grupo expandiu seus negócios no período da ditadura. A pesquisa documentou a rápida ascensão do Grupo Folha após 1964, quando passou de uma empresa falida a um dos principais conglomerados de comunicação do país. Durante esse período, adquiriu a Litográfica Ypiranga, o Notícias Populares, a TV Excelsior e outras empresas de mídia.

2. Apoio material à repressão

A pesquisa revelou que o Grupo Folha não apenas apoiou a ditadura editorialmente, mas também forneceu infraestrutura direta ao aparato repressivo. Entre as evidências documentadas, está o empréstimo de veículos para o DOI-CODI e o DOPS, usados em operações de repressão e perseguição política.

3. Violações de direitos de trabalhadores

O estudo também evidenciou um ambiente de vigilância e repressão dentro da própria empresa. Casos de demissão por “abandono de emprego” foram registrados, incluindo situações em que os funcionários estavam presos pela ditadura. Além disso, o grupo empregava agentes da repressão em cargos de gestão, como delegados do DOPS que monitoravam jornalistas.

Abertura de inquérito pelo MPF

Os dados coletados no estudo serviram de base para a abertura de um inquérito pelo Ministério Público Federal, que agora analisa a responsabilização da Folha nas violações de direitos humanos cometidas no período. A investigação, segundo o MPF, corre em segredo de justiça e, por isso, não comenta o andamento dos trabalhos. 

Essa investigação é um marco na justiça de transição brasileira, pois é a primeira vez que um grande grupo de comunicação é formalmente implicado em um inquérito baseado em colaboração direta com o regime. “Nossa pesquisa tinha desde o início o objetivo de não apenas documentar, mas implicar o Grupo Folha na justiça”, afirmou Lucas Pedretti, um dos pesquisadores.

A pesquisa também resultou em um documentário que registra os depoimentos de 44 testemunhas, entre vítimas da repressão e ex-agentes do DOI-CODI e DOPS. O material audiovisual está sendo lançado nesta sexta-feira (28) na Cinemateca de São Paulo e promete trazer novas revelações sobre a participação empresarial na ditadura.

Memória histórica e justiça de transição

O livro chega em um momento simbólico: logo após completar os 60 anos do golpe de 1964. O objetivo, segundo os pesquisadores, é contribuir para uma revisão histórica do período e fortalecer a memória sobre as violações cometidas. “Esquecer a história é abrir espaço para que os erros se repitam”, afirmou Ana Paula Goulart Ribeiro.

A investigação reforça a necessidade de rever a Lei da Anistia de 1979, que impediu a responsabilização de civis e militares envolvidos em crimes cometidos durante a ditadura. Com o avanço do inquérito do MPF, abre-se um novo capítulo na luta por justiça e reparação no Brasil.

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