A poesia com palavras de Adélia Prado e a poesia com imagens de Sebastião Salgado sobre a Amazônia

Edmar Monteiro Filho

Especial para o Jornal Opção

A poeta Adélia Prado foi agraciada com a maior láurea da literatura em língua portuguesa: o Prêmio Camões. O reconhecimento dessa poesia que passeia pela simplicidade para extrair da vida mínima o que contém de mais humano, mais sagrado, tocou-me particularmente. Senti como se uma querida avó mineira finalmente recebesse o abraço carinhoso que sempre mereceu.

A memória é tema recorrente em sua escrita. Destaco o seguinte texto: “Quando eu era pequena, não entendia o choro solto da minha mãe ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de compreender. O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocada por pequenos milagres do cotidiano. É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa”.

Adélia Prado: uma das mais importantes poetas brasileiras | Foto: Jackson Rommanelli/Reprodução/PublishNews

Essas palavras têm o poder de acionar a memória do leitor, que busca em arquivos próprios aquilo que “realmente importa”. A mãe da poeta emociona-se com certas músicas, filmes e livros. A filha aprende a estar atenta e nos ensina a fazer o mesmo, guiados pela poesia. Por isso, para aprender sobre nós mesmos, sobre o mundo que nos cerca, contamos com suportes que funcionam como gatilhos para a memória, sejam canções, livros, filmes, como também documentos, imagens, depoimentos gravados, edifícios e, em especial, a fotografia.

A poesia visual de Sebastião Salgado

Sebastião Salgado criou alguns dos mais relevantes projetos fotográficos da atualidade. Poucas vezes estética e narrativa visual estiveram tão perfeitamente enlaçadas para criar imagens que impactam as retinas e as consciências. Seu trabalho apresentou ao mundo o universo de pesadelo e irrealidade do garimpo de Serra Pelada; escancarou a triste condição das populações em deslocamento forçado, oprimidas pela fome, pela degradação ambiental e pela guerra; mostrou a face crua – mas digna – do trabalho braçal ao redor do globo; retratou os povos indígenas da América Latina e a diversidade do continente africano; registrou as maravilhas de regiões intocadas do planeta.

Sebastião Salgado: um dos maiores fotógrafos do mundo | Foto: Divulgação

Uma de suas séries mais marcantes é “Amazônia” (Taschen, 192 páginas), que apresenta as paisagens e as populações da região amazônica com a competência técnica de sempre, o cuidado de antropólogo, a abrangência de excelente documentarista e, principalmente, com a sensibilidade do grande artista. O livro mostra imagens deslumbrantes de rios e montanhas, da chuva e da onipresente floresta. Entremeados a esses registros do bioma amazônico, ganham destaque os conjuntos dedicados a algumas das etnias que habitam a região, seja no território do Xingu, onde as populações indígenas mantêm contato mais estreito com o homem branco, seja nos confins da floresta, onde alguns grupos, feridos séculos a fio pela ganância devastadora de madeireiros, garimpeiros e mineradores, empenham-se em salvar sua cultura do desaparecimento.

Homens, mulheres e crianças Suruwahá, Ashaninka, Korubo, Yawanawá, Marubo, Macuxi e Yanomami aparecem clicados pelo olhar amoroso do fotógrafo. São cenas exibindo a arte plumária, dança, caça e pesca, tecelagem e técnica construtiva, mas, principalmente, a beleza dos indivíduos, com seus adereços e impressionante pintura corporal. Compondo com as fotografias, os textos concisos inserem informação fundamental para compreender a luta histórica pela sobrevivência das pessoas e do meio ambiente do mundo amazônico.

Todo o monumental trabalho jornalístico e artístico de Sebastião Salgado carrega um olhar de denúncia, apontando suas lentes para espaços ameaçados pelo descaso, pela ganância ou pela simples ignorância. Em “Amazônia”, os belos semblantes que encaram diretamente a câmera expressam um apelo e uma advertência. Apelam por atenção e respeito por um modo diverso de compreender o mundo; advertem sobre o risco que corremos ao destruir não apenas a floresta, mas também tantas memórias ricas de significados.

Nosso planeta empobrece, na medida em que o ambiente se degrada, comprometendo a vida. Empobrece a humanidade, quando incapaz de preservar da destruição os suportes que permitem compreender sua história e o papel dos indivíduos na sociedade de seu tempo.

Morremos todos um pouco quando desaba em nossa cidade um patrimônio arquitetônico de características únicas, quando documentos de enorme importância para a história de Amparo, de sua gente e de nosso país, perecem por falta de vontade política e pela voracidade dos cupins e da umidade. Até quando assistiremos à destruição de nossos suportes de memória achando que isso não nos interessa? A quem estamos entregando o controle dos nossos “pequenos milagres do cotidiano”?

Edmar Monteiro Filho, escritor e crítico literário, é colaborador do Jornal Opção. Email: [email protected]

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