Diretor da ANTT migra para a CSN, a quem garantiu alívio de R$ 3,4 bi

Diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) por quase quatro anos, Rafael Vitale (foto em destaque) vai trabalhar como diretor institucional da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A empresa tem interesse direto nas decisões da agência reguladora e foi beneficiada em mais de R$ 3 bilhões por decisão do próprio Vitale.

Parte relevante do negócio da CSN envolve o setor ferroviário, que é regulado pela ANTT. A empresa é controladora da Transnordestina Logística SA (TLSA) e da Ferrovia Transnordestina Logística SA (FTL), com malhas ferroviárias na região Nordeste, e é a principal acionista da MRS Logística SA, que controla 1.643 km de ferrovias que cortam São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. As ferrovias respondem a mais de 16% dos lucros da companhia. As informações são do Metrópoles.

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Enquanto diretor-geral da ANTT, Vitale participou ativamente da costura de um acordo que, no final de 2022, garantiu à CSN uma economia de R$ 3,429 bilhões (em valores de abril de 2021). O então superintendente de Transporte Ferroviário da agência, Ismael Trinks, também participou das tratativas. Assim como Vitale, ele deixou a ANTT e migrou para a CSN de forma imediata, em abril de 2024.

O alívio bilionário em favor da CSN foi possível graças à exclusão, chancelada pela ANTT, de um trecho de 522 km do traçado originalmente concedido pela União à TLSA para a ferrovia Transnordestina. Esse trecho, todo ele no território de Pernambuco, conectaria Salgueiro ao Porto de Suape.

A CSN considerou, naquele momento, que a construção e operação posterior desse trecho seria economicamente inviável. O traçado representava pouco mais de 30% do valor de implementação da Nova Transnordestina.

É Vitale quem assina o termo aditivo ao contrato de concessão, eliminando a obrigação da TLSA de construir o trecho, e limitando a Transnordestina à conexão entre Piauí e Ceará, até o Porto do Pecém, vizinho a Fortaleza. O acordo também conta com as assinaturas de Marcelo Cunha Ribeiro, diretor executivo da CSN, que é a interveniente do termo aditivo, e Ismael Trinks, que figura como testemunha.

Vitale também teve participação direta em outro acordo relevante envolvendo a MRS Logística, outra empresa do grupo CSN. A concessão da MRS na região Sudeste foi obtida em 1996, com prazo de 30 anos. Portanto, a concessão caducará em setembro de 2026. Em 28 de julho de 2022, a ANTT, com Rafael Vitale, assinou um acordo com a MRS garantindo a renovação antecipada. Há ainda, atualmente, uma outra prorrogação de concessão de interesse da CSN em discussão na ANTT. Trata-se da ferrovia concedida à FTL. Os trilhos ligam os portos de Itaqui (MA), Pecém (CE) e Mucuripe (CE).

Segundo a ANTT, está “em pauta possibilidade de prorrogação do contrato com devolução de parte significativa da malha original”. A discussão, no momento, está ocorrendo no TCU, com participação da ANTT.

Comissão de Ética Pública liberou Vitale de quarentena
As contratações de Vitale e de Trinks pela CSN foram validadas pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP). Apesar do interesse direto da companhia sobre a ANTT, o órgão colegiado dispensou ambos de cumprir quarentena de seis meses, aplicada em casos em que se identificam pontecial conflito de interesses.

À CEP, Vitale afirmou que pretende assumir o cargo de diretor institucional (leia-se: lobista) da Companhia Siderúrgica Nacional, atuando na relação com clientes, fornecedores e agentes públicos para identificar oportunidades e soluções junto a parceiros comerciais, ao Poder Legislativos e Executivo.

Vitale alegou à Comissão de Ética que não teve acesso a informações privilegiadas na ANTT e que a atividade da CSN é “siderurgia e mineração”, minimizando a atuação direta da companhia na área de logística.

O ex-diretor da ANTT alegou ainda que a geração de lucro e dividendos da CSN está em setor diverso às atribuições desempenhadas por Vitale na agência, o que não é verdade. Conforme o último balanço da companhia, o setor de logística (que inclui, além das ferrovias, também negócios portuários) responde por 8,1% das receitas líquidas do grupo. O setor ferroviário equivale a 89% dessa faixa.

A participação do setor é mais forte nos lucros: as ferrovias respondem por 16,8% do Ebitda ajustado do grupo CSN, índice que mostra o lucro líquido de uma empresa, adicionando juros, impostos, depreciação e amortizações.

“Embora a CSN possui participação acionária em ferrovias, estas empresas são autônomas, possuem gestão e processo decisório próprios, além desses negócios estarem fora do escopo de trabalho da função de Diretor Institucional da CSN ora proposta, que será concentrada em atividades voltadas para oportunidades e soluções nos setores de siderurgia e mineração”, alegou Vitale.

O ex-diretor da ANTT disse ainda que não manteve relação relevante com a CSN. No entanto, Vitale participou de ao menos 20 reuniões com representantes da MRS Logística. Já com a Transnordestina Logística foram 32 agendas. Os dados foram levantados pela coluna por meio da Agenda Transparente, plataforma digital da Fiquem Sabendo que monitora encontros entre autoridades e atores privados.

Ao liberar Vitale de cumprir quarentena de seis meses, o conselheiro relator, Edvaldo Nilo de Almeida, citou o próprio caso de Ismael Trinks como precedente para justificar a decisão de liberar Vitale da quarentena. O ex-superintendente da ANTT foi liberado a trabalhar na CSN em maio do ano passado, conforme revelou o jornalista Thalys Alcântara. Em dezembro, pouco mais de seis meses após sua exoneração, Trinks passou a se reunir com autoridades do órgão onde atuava representando interesses da CSN.

e relacionada ao setor ferroviário, inclusive no âmbito da proponente ou de suas subsidiárias, notadamente, impedimento de atuar junto no âmbito das empresas Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), MRS Logística e/ou Transnordestina Logística SA”, acrescentou a decisão.

Ao mesmo tempo em que a Comissão de Ética não viu conflito de interesses nos casos de Vitale e Trinks, o órgão colegiado concedeu quarentena remunerada à ex-ministra do Esporte Ana Moser, que sequer informou para onde iria trabalhar depois que foi exonerada do governo Lula.

O que diz Vitale, ex-diretor da ANTTT
Em conversa com a coluna, Rafael Vitale afirmou que seguiu todos os critérios de integridade ao deixar a direção-geral da ANTT e ressaltou que foi liberado pela Comissão de Ética Pública para trabalhar na CSN. “O passe livre é a Comissão de Ética”, disse.

Acrescentou que não vê conflito de interesse ao assumir o cargo na companhia e pontuou que sua gestão na agência foi pautada por diálogo, transparência e integridade.

Vitale foi questionado sobre quais seriam os interesses da CSN em relação a servidores de alto escalão da ANTT, uma vez que ele não é o primeiro a realizar a porta-giratória, mas negou conhecimentos. “Modéstia a parte, eu me contrataria. Eu sou competente”, disse.

Sobre o novo salário dele na CSN, Vitale afirmou que o valor ainda não está fechado. Perguntado se seria maior ao que ele ganhava como diretor da ANTT, respondeu: “Depende do que é bem maior, até porque salário de servidor público não é grande coisa”. Vitale ganhava R$ 30.354,93 na agência.

Procurada na terça-feira (18/3), a CSN não se manifestou.

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