Coach de masculinidades seduzia para aplicar calotes financeiros

As coisas mudaram bastante desde 2010. Algumas das principais mudanças aconteceram depois que o feminismo se tornou um assunto corriqueiro nos mais variados lugares – começando pela internet, onde campanhas massivas como o #MeToo ganharam força e chegaram até o bate-papo na fila do pão. Foi nesse contexto, de avanço dos direitos das mulheres, que os homens passaram a se sentir mais perdidos do que nunca. Afinal, qual é o papel deles na nova sociedade que se desenha? 

Meninos geralmente aprendem que é importante serem durões, não demonstrarem sentimentos nem reproduzirem comportamentos vistos como femininos. Pesquisadoras de violência de gênero apontam que esse tipo de visão faz com que seja mais fácil eles terem desprezo por mulheres – e daí descambar para agressões é um passo. Ao mesmo tempo, isso também limita a vivência do próprio homem, que poderia ter mais liberdade para agir e sentir.

Alguns dos homens que se sentem perdidos procuram respostas em visões conservadoras, como uma tentativa de volta ao passado. Já outros tentam outro caminho: o da desconstrução. Popularizaram-se rodas de conversa em que homens podem se expressar e ouvir a experiência de outros homens. Há vários relatos de como essas vivências podem ser transformadoras – desde os que dizem ter se tornado melhores pais e parceiros até os que perdem a vergonha de se assumirem na função de “donos de casa”.

Mas nem tudo são flores. A Agência Pública ouviu relatos de dez pessoas – homens e mulheres – que acusam um dos principais nomes do movimento das masculinidades de se valer do discurso para ganhar a confiança de pessoas e depois praticar estelionato financeiro e amoroso (quando uma pessoa manipula emocionalmente a outra para obter vantagens financeiras).

Manoel Pinto é um dos nomes mais conhecidos da área. Criador do Instituto Social de Cultura e Masculinidades e o Coletivo Ser Cabra Macho, ele já ministrou palestras e mediou rodas de conversas em grandes empresas – como Petrobras e Ambev, com cachês de até R$ 50 mil – e foi colaborador do Instituto Papo de Homem, a principal entidade de masculinidades do país. Participou de podcasts e programas famosos, como o Mamilos e o Amores Possíveis, e até de um TEDx em sua edição de Salvador como especialista no assunto.

As mulheres e homens que acusam Pinto disseram à Pública que ele usou o discurso do feminismo e das masculinidades como forma de sedução – seja para conquistas amorosas, seja para obter contratos de trabalho. 

De acordo com os relatos, o coach tinha um modus operandi: se aproximava de uma pessoa ou de uma instituição e agia de modo amoroso e desconstruído. Depois de ganhar a confiança, ele contava que era pai solo de duas meninas e estava gravemente doente, supostamente com câncer, e por isso precisava de ajuda financeira. 

O problema variava de acordo com o interlocutor. Uma ex-namorada ouviu que ele tinha leucemia. Outra, câncer nos olhos. Para alguns, era suspeita de câncer. Para outros, já estava na quimioterapia. Nenhuma das pessoas ouvidas pela reportagem, mesmo mulheres que conviveram intimamente com ele, viu evidências de que ele estaria mesmo doente.

As pessoas ouvidas pela reportagem contaram ter ficado comovidas e emprestaram dinheiro, com a promessa de devolução breve. Mas depois, segundo registram conversas de WhatsApp e até confissões de dívida assinadas por Pinto – que nunca foram honradas, ele sumia e o dinheiro também. Elas contam ter sido lesadas em pelo menos R$ 200 mil, ao todo, no espaço de um ano.

No trabalho, ele também teria se mostrado como uma pessoa carinhosa e dedicada ao estudo das masculinidades até conseguir fechar contratos, de acordo com ex-chefes e colegas. Em seguida, ou sumia ou embolsava pagamentos sem repassar aos sócios. Ex-colegas o acusam também de estelionato intelectual, ao se apropriar do trabalho de outros, citando-o como se fosse dele.

Falamos com Pinto, que confirma as dívidas, mentiras e calotes que serão relatados ao longo desta reportagem. No entanto, diz que “não é mau-caráter”, “não fez nada por maldade” e que errou, sim, mas apenas “foi moleque”. 

“Qualquer homem, quando sobe num palco, ou quase todos, e fala de retidão, fala sabendo que em algum momento pode falhar. Nunca quis ser santo. As pessoas esperam de mim um alecrim dourado, mas sou cheio de erros”, disse à reportagem. “Eu errei toda vez que não coloquei em prática o que falei.”

Até o fim do ano passado, as pessoas que dizem ter sido lesadas por Pinto não se conheciam. Elas se encontraram nos comentários de um post no Instagram e reconheceram que as histórias eram muito parecidas. Conversaram e constataram: estavam falando do mesmo cara. Depois que as acusações começaram a rodar na internet, o coach fechou suas redes sociais. 

Por que isso importa?

  • Dez pessoas ouvidas pela reportagem acusam Manoel Pinto, coach de masculinidades, de usar discurso de homem desconstruído para ganhar confiança e praticar estelionato.
  • Calotes somaram R$ 200 mil em um ano. Coach assume dívidas, mas diz que “não fez nada por maldade”.

“É só o mesmo, disfarçado de novidade”

“Tenho recebido várias mensagens de mulheres que foram vitimizadas por estes farsantes. Traídas, abusadas e, inclusive, extorquidas financeiramente. O dedo chega a coçar para marcar uns aqui”, escreveu Valeska Zanello, pesquisadora de saúde mental e gênero da Universidade de Brasília (UnB), no final do ano passado em seu Instagram.

Segundo a pesquisadora, o discurso das masculinidades protege homens mal-intencionados de duas maneiras. Ao mesmo tempo que se mostram mais desconstruídos que os outros (e assim ganham mais acesso a mulheres para se relacionarem), também podem lucrar com estudos de gênero e o feminismo. “Mulheres, desconfiem, desconfiem mesmo”, ela alertou. “É só o mesmo, disfarçado de novidade.”

O post viralizou, com centenas de comentários e relatos que “beiram a psicopatia”, segundo Zanello descreveu. E foi em sua caixa de comentários que pelo menos seis vítimas de Pinto se encontraram e montaram um grupo de apoio mútuo.

Em suas palestras, Pinto diz que passou a questionar os valores que aprendeu como homem após a filha mais velha ter sofrido uma violência sexual em 2016. “Cansei de ser macho. Ao menos esse modelo de cabra-macho, que foi me dito como certo. Para mim esse modelo não dá mais”, ele diz em sua apresentação no TEDx de 2021 (o vídeo foi tirado do ar pela produção do evento após reclamações das vítimas, mas foi recuperado pela reportagem).

Alagoano de nascimento, Pinto costumava fazer reflexões, em suas falas, sobre o que é esperado de um “cabra-macho” e como seria possível superar os padrões de masculinidade tóxica. Ele costumava citar pensadoras feministas, como Angela Davis, Bell Hooks, Judith Butler e a própria Valeska Zanello. 

Para algumas pessoas, ele alegava ter lugar de fala porque teria sido orientado por Zanello na pós-graduação. Mas era mentira. “Eu tive contatos virtuais com Manoel, que sempre se apresentou como uma pessoa simpática, aberta, com vontade de estudar as masculinidades, mas nunca foi meu aluno, nem meu orientando de mestrado e doutorado, e fiquei surpresa com o uso dessa credencial”, ela disse à Pública.

Pinto explicou que se referia a Zanello como orientadora no sentido de “guru”, de “norteadora”, e que foi mal interpretado. “Ela sempre me orientou, no sentido de eu ser orientado pelos seus livros, seu trabalho. Mas concordo que pode ter dado essa conotação”, disse. “Ela [Zanello] é a única pessoa que me dói profundamente não ter mais contato.”

Para Zanello, as redes sociais aumentaram a confusão entre quem é estudioso de um determinado assunto e quem é influencer ou coach. “No caso do Manoel, mas também de outros homens que vendem o serviço, entre aspas, de fazer palestras para desconstruir a masculinidade, eu acho ainda mais perigoso, porque muitos deles têm comportamentos inapropriados, machistas ou até violentos. Eles vendem um discurso politicamente correto que as pessoas querem ouvir, sobretudo as mulheres, e cuja intenção é explorar esse campo para lucro financeiro, mas também de status e sobretudo de acesso a mulheres”, continua.

Marcelo Correia, palestrante sobre masculinidades que atuou com Pinto – e que conta ter levado um calote de R$ 13 mil dele –, diz que o discurso de Pinto era “bom pra caramba”, mas era “tudo fachada”. “O discurso dele era o que a gente acredita que é o certo, o que os pensadores de masculinidades falam hoje. O lance é que era fake”, afirma.

A fotógrafa Amanda Gil, que namorou Pinto por quase um ano, concorda que ele sabe como falar. “Ele te convence de qualquer coisa. Ele fala te tocando, olhando no seu olho, te capta muito rápido, te seduz. E aí todo mundo pensa que ele nunca faria nada de errado”, diz.

Bombardeio de amor e bandeiras vermelhas

Amanda e Pinto se conheceram em outubro de 2023 pelo Instagram. O namoro começou como muitos hoje em dia: ele curtia e comentava nos stories que Amanda postava. “Eu pensava ‘ah, mais um homem’, e não dava bola. Mas, quando a minha avó morreu, ele veio falar comigo, sendo muito carinhoso. Aí começamos uma conexão”, conta.

Depois de duas semanas conversando, os dois marcaram o primeiro encontro. Ele pegou os ingressos para um show de MPB, chegou mais cedo e esperou Amanda com cervejas geladas. Eles se deram bem e logo marcaram outros encontros. As primeiras duas semanas foram típicas de um love bombing, ou “bombardeio de amor” – quando uma pessoa exagera em atos de afeto e atenção para conquistar a outra. Pagava tudo, dava presentes, tratava Amanda como uma rainha, como ela diz. Ele também demonstrava que tinha dinheiro: andava de Uber Black e morava em um apartamento na rua Oscar Freire, um dos endereços mais caros de São Paulo. 

O coach se aproximou do filho de Amanda, que na época tinha dois anos, e passou a cumprir a figura de “rede de apoio” para ela – arrumava a casa, cozinhava, ajudava nos cuidados com o menino. “Ele entendia coisas de feminismo que eu sempre tive que explicar para outros homens, então eu não via nenhum defeito nele. Ficava horas vendo as palestras dele, os podcasts, e pensando ‘que homão’. Me apaixonei muito”, diz Amanda. 

No Natal, ele chamou a namorada para conhecer a família em Maceió. Tudo ia às mil maravilhas. Mas, no ano-novo, apareceu a primeira red flag [bandeira vermelha, expressão que indica algo negativo]. Amanda foi procurada no Instagram por uma pessoa dizendo que Pinto tinha outra namorada em outra cidade, e alertava sobre o caráter dele. Ela mostrou a mensagem para ele, que a apagou e disse que mal conhecia a menina. Amanda soube, meses mais tarde, que Pinto estava mantendo um relacionamento com outra mulher ao mesmo tempo, apesar de dizer para ela ser monogâmico. 

Quando voltaram para São Paulo, o palestrante estava quebrado. Ele gastou todo o dinheiro com a viagem e começou a passar dias seguidos na casa de Amanda, junto com a filha, que então tinha 9 anos. “Quando percebi, eu estava bancando quatro pessoas, fazendo compras em dobro, pagando Uber, passeios. Mas estava apaixonada e segui a vida”, diz ela.

Segundo Amanda, Pinto se comprometeu com o pagamento de algumas contas, mas repetia o padrão de dizer que tinha pagado e, depois de ser cobrado, alegava ter havido algum erro. Por exemplo, após ter recebido várias ligações da imobiliária sobre atraso no valor do aluguel, ela negociou o débito sem ele saber. “Ele ficava muito ofendido que eu duvidasse dele, então fiz por conta própria. Ainda estou pagando”, conta.

Naquele momento, Manoel Pinto foi desligado do Papo de Homem. Ele foi contratado como pessoa jurídica pelo instituto entre agosto e dezembro de 2023. Atuou como cofacilitador em rodas de conversa e revisou um e-book. Também participou de algumas ações do projeto Meninos, que atua com masculinidades para adolescentes de até 17 anos e tem o apoio institucional do Pacto Global da ONU no Brasil. 

O diretor de pesquisas e cofundador do instituto Guilherme Nascimento Valadares conta que, no fim de 2023, foi procurado por uma das mulheres com quem Pinto havia se relacionado e recebeu uma denúncia que envolvia “racismo, violência de gênero e financeira e postura afetiva lamentável durante a relação amorosa que viveram”. 

“O pedido dela é que não queria que o Manoel trabalhasse mais com isso [masculinidades]. Porque ela achava um desrespeito uma pessoa atuar nessa área, pela postura que ele teve com ela e depois se afastar de qualquer atitude de responsabilização e reparação”, disse Valadares.

A Pública também conversou com a mulher que fez a denúncia, que preferiu não se identificar. Além dos detalhes que levaram à demissão, ela contou que Pinto se apropriou de dados de trabalho dela, citando-os em palestras como se fossem dele. Ela diz que o episódio deixou marcas profundas em sua saúde mental e por isso prefere não falar publicamente sobre o caso. 

Segundo Valadares, Pinto negou ter cometido as violências em um primeiro momento, mas depois disse que se arrependia. Ainda de acordo com ele, outro funcionário do Papo de Homem, que também não quis ser nomeado, teria emprestado R$ 5 mil para o palestrante, e depois não ouviu falar mais dele.

O Papo de Homem se pronunciou publicamente sobre o caso apenas um ano depois, no fim de 2024, após os posts de Valeska Zanello. O instituto publicou um post no Instagram e enviou uma carta às empresas para as quais presta serviços, além de outras 1,5 mil que fazem parte da rede do Pacto Global. O texto diz que Pinto foi alvo de “denúncias relatando comportamentos antiéticos praticados pelo mesmo, em relações amorosas com mulheres e também em relações profissionais” e que “recomendamos às empresas participantes da rede do Pacto Global da ONU no Brasil que não trabalhem com Manoel Pinto” (o negrito é do texto original).

Nesse meio-tempo, Amanda não sabia de tudo o que estava acontecendo. Pinto disse a ela que estava sendo perseguido e minimizou o conteúdo da denúncia. Ele recebeu um último pagamento pelo Papo de Homem e disse à namorada que iriam gastar viajando para o Rio de Janeiro no Carnaval. Pediu que ela arranjasse outro apartamento com móveis novos, porque os de então eram o que ela tinha com o ex-marido – e ele tinha ciúmes.

Pinto alugou um carro de luxo para ir para o Rio e os dois aproveitaram festas e restaurantes luxuosos. Na volta, estava zerado de novo, e voltou a depender do dinheiro de Amanda até para pagar passagem de metrô. Ele entrou em uma crise depressiva e ficou dias sem comer e dormir direito. 

Foi então que, segundo Amanda, ele foi a um posto de saúde e recebeu um diagnóstico de depressão. “O jeito que ele contou aquilo me impactou. Parecia que estava feliz, animado. Para ele, era uma espécie de salvo-conduto, de que ele poderia fazer o que quisesse”, conta. A partir de então, ele mandava fotos dos remédios para justificar que não poderia trabalhar e pagar o aluguel do apartamento. Segundo Amanda, ele deve em torno de R$ 60 mil para a proprietária do imóvel.

Quando o casal estava junto havia cerca de seis meses, ele começou a criticar a aparência e a personalidade de Amanda. “Ele estava impotente e dizia que era porque eu não me cuidava e só usava pijama, não colocava uma lingerie. Dizia que eu tinha autismo, que eu era acomodada, que eu tinha cabeça de 15 anos [Amanda tinha 32]”, conta. 

“Ele falava para as minhas amigas que queria uma mulher do lado dele e que eu era muito menina. Elas ficavam desconfortáveis, me falavam: ‘Mas, Amanda, você entende tanto de feminismo e se submete a isso’. Eu respondia que o Manoel entendia mais de feminismo que eu, porque ficava tão insegura, me sentia tão incapaz, que desconfiava do que eu mesma sabia”, continua.

Amanda diz ter “despertado”, em suas palavras, após ele ter levado uma prima de 22 anos para passar alguns dias na casa deles, sem consultá-la. “Os dois flertavam na minha frente e ele dizia que eu estava louca, que estava imaginando coisas. Foi então que eu percebi como isso se parecia com tantas outras histórias de relacionamentos abusivos que eu ouvia.”

Nessa época, ele usava o cartão de crédito de Amanda para pagar cerveja em bares e presentear amigos e parentes, enquanto a namorada bancava as contas do lar. “Às vezes ele falava que ia pagar uma conta na frente dos outros, mas aí eu recebia a notificação do banco no meu celular. Ou seja, ele pagava com o meu cartão”, lembra.

Desconfiada porque ele ficava muito tempo no celular, um dia ela entrou no Instagram dele e viu uma lista de meninas de 20 e poucos anos com quem ele flertava ou falava sobre os “velhos tempos”. Confrontou o então namorado, que falou que aquilo não tinha nada de mais. “Eu me sentia humilhada. Comecei a ter uma crise de pânico. Deitei no chão, coloquei a mão na cabeça. Ele veio por cima, disse que eu não tinha lugar pra ir e que estava fazendo drama. Me viu no fundo do poço e queria me colocar mais pra baixo”, lembra. 

Amanda pegou suas coisas e foi pra casa da irmã, enquanto ele gritava, segundo ela. Ela tentou retomar a vida aos poucos, mas ele não aceitou o fim do relacionamento. Aparecia na casa dela sem avisar, mandava mensagens até de madrugada e dizia que a filha estava com saudades. Um dia, ele teria ido para a psicóloga de Amanda e ficou esperando terminar a sessão. Quando a viu, chorou e pediu para voltar. “No mesmo dia, uma amiga viu ele num bar beijando outra menina”, disse.

“Depois que as coisas se acalmaram, eu me sentia muito burra. Como eu podia não ver? Agora tudo parece muito óbvio. Mas hoje eu vejo que dei meu melhor e ele usou dos meus pontos fracos para me manipular. Então acho que na verdade fui corajosa de sair e expor”, avalia. Ela diz ter gastado pelo menos R$ 50 mil acima de seu orçamento com os gastos de Pinto, e ainda lida com as dívidas. 

No tempo de relacionamento com Amanda, Pinto teria se relacionado com outras duas mulheres – fazia planos de viagens, conhecia a família e todo o roteiro de um namoro tradicional. Para uma delas, disse ser não monogâmico. Mas, ainda assim, uma não sabia da outra. As três se conheceram de forma online no fim do ano passado e agora se reúnem periodicamente para se apoiar.

“De fato, tive vários amores”, confessou Pinto. “Eu falhei em não ter delimitado com mais clareza quando fui não monogâmico e quando fui monogâmico. Mas em alguns momentos eu fui uma pessoa solteira, e eu tinha algumas pessoas ao mesmo tempo, acontecia”, disse à reportagem. 

Relacionamentos imaginários

Em 20 de janeiro do ano passado, a jornalista especializada em violência contra a mulher Cristina Fibe publicou uma coluna no portal UOL com o título “‘Golpistas da masculinidade’ vendem feminismo e escondem abusos”. Em dado momento, ela cita um homem que dizia ter sido aluno de Valeska Zanello sem nunca ter estudado com ela – era Manoel Pinto. 

“O mesmo golpista, depois de me abordar como admirador do meu trabalho, passou a se referendar também com o meu nome, mentindo por aí que se relacionava comigo”, escreveu em seguida. 

À Pública, Fibe explicou que costumava ser procurada por Pinto nas redes sociais. Ele mandava mensagens de apoio, tentava puxar assunto, que ela respondia de forma rápida e educada. Eles se viram pessoalmente uma única vez, em um bate-papo de que ela participou em um teatro em São Paulo, em 2023. Nesse dia, ele pediu a palavra e falou para a plateia, emocionado, sobre abusos que ele e sua família sofreram. No fim do evento, pediu para tirar uma foto com Fibe.

Semanas depois, ele convidou Fibe para uma conversa online promovida pelo Ser Cabra Macho e disse que também participaria Valeska Zanello, que seria a sua “orientadora querida”. O encontro ocorreu em maio de 2023 e teve a presença de Fibe, a atriz Claudia Campolina e a educadora Marjorie Chaves. Zanello não participou. A jornalista diz que Pinto usou o nome de Zanello para convencer as outras participantes, que admiram o trabalho da pesquisadora. 

Depois, ele continuou tentando manter contato. “Escapei de todos os convites para cafés, que depois viraram convites para cerveja. A uma certa altura, depois de saber que ele tentou se relacionar com uma conhecida minha e ela não se sentiu respeitada, parei de responder totalmente”, lembra.

A jornalista conta que, semanas depois, foi avisada por três pessoas de que ele teria inventado ter um relacionamento com ela. “Segundo uma dessas fontes, a história mentirosa era que teríamos um relacionamento aberto. Imagino que usasse a selfie que fez — e pediu como fã/admirador — para ‘comprovar’ essa relação. Uma mentira completa, uma informação falsa que flerta com a difamação. Senti a minha dignidade e honra atacadas”, afirma.

“É lamentável que homens misóginos se aproveitem de uma ‘onda’ de combate à misoginia para lucrar e reforçar violências. São uma armadilha, porque chegam disfarçados de aliados e atrapalham ativamente a causa. Tiram espaço e dinheiro de mulheres que têm pesquisas e trabalhos sérios nesse tema enquanto fingem lutar do nosso lado”, ela pontua.

Pessoas que conviveram com o coach dizem que ele alardeava ter tido relacionamentos com a atriz Danni Suzuki, com quem fez uma conversa online sobre paternidade em 2020, e a comediante feminista Giovana Fagundes – mas também era mentira. “Danni nunca teve qualquer envolvimento amoroso com o sr.. Manoel e tomou conhecimento das referidas acusações agora”, disse a assessoria de Suzuki.

Com Fagundes, ele participou de um show stand-up ao lado de Amanda. Segundo a ex-namorada, havia apenas três homens na plateia. Fagundes perguntou se algum deles toparia participar, e Manoel Pinto levantou a mão. Ele foi chamado pela comediante de “o perfeito esquerdo-macho”. “Todo mundo riu. Aí ele disse que trabalhava recuperando homens violentos condenados pela Lei Maria da Penha. Era mentira, mas todos aplaudiram. Acho que ele se sentiu tão humilhado que quis dar a volta por cima”, diz Amanda.

Já em casa, Pinto teria dito à então namorada que a comediante pediu para segui-lo no Instagram e o convidou para um forró. Amanda só descobriu a verdade tempos depois, quando eles já tinham terminado. Ela encontrou Fagundes por acaso em um aeroporto e perguntou se ela lembrava da situação com Pinto. “Esse é um babaca”, a comediante teria respondido, completando que ele a teria enchido de mensagens e convites, que foram ignorados.

À reportagem, Pinto confessou ter falado para outras pessoas que teve relacionamentos com Fibe, Suzuki e Fagundes e admitiu que isso nunca aconteceu. Quando questionado sobre o porquê de mentir, ele disse “não sei”. “Por ser moleque.”

Calotes e desculpas

Andressa Quadros ouviu falar do Ser Cabra Macho na metade de 2023, em uma live com uma autora que ela admira, e achou que seria importante sugerir um evento sobre masculinidades em sua empresa, uma das maiores multinacionais do país. “Eu insisti e dei a cara a tapa para que houvesse a contratação”, conta.

Até que ocorresse a oficina, os dois começaram a conversar e rapidamente engataram um breve romance – que durou pouco porque Quadros estava no Rio e Pinto em São Paulo. Nesse meio-tempo, porém, ele disse a ela que estava com problemas de saúde, que teria feito quatro sessões de quimioterapia preventiva e estava vendendo os móveis da casa para sobreviver. Comovida, Quadros emprestou a ele R$ 20 mil.

Na data combinada, Pinto não participou do evento na multinacional, alegando problemas de saúde. O encontro foi mediado por dois de seus então sócios, Rafael Stein e Marcelo Correia — que depois também alegam ter sido lesados financeiramente por ele.

Quadros mostrou prints das conversas com o coach no WhatsApp. Pouco depois de ter apontado os problemas de saúde e recebido o dinheiro, ele apareceu em fotos no Instagram com uma nova namorada, aparentemente feliz e saudável. Quadros estranhou, mas apenas lhe lembrou que precisava do dinheiro de volta. Pinto disse que ainda estava se restabelecendo financeiramente e concordou em assinar um termo de compromisso de dívida, com dez parcelas mensais. Ele fez o primeiro pagamento, mas, já no mês seguinte, não fez mais. 

Em vários momentos da conversa do WhatsApp, ele diz que “não é mau caráter” e que iria cumprir com as obrigações. Mas até agora, um ano e meio depois, isso ainda não aconteceu, segundo Quadros.

Algo parecido ocorreu com Stein, Correia e Felipe Requião. Os três são palestrantes e mediadores de rodas de conversa sobre masculinidades. Eles conheceram Pinto pelas redes sociais e se interessaram em trabalhar com ele, admirados com a desenvoltura e o conhecimento que ele demonstrava. Apesar de não terem formalmente montado uma sociedade, o grupo atuou junto por cerca de um ano – inclusive em um projeto de combate ao machismo no clube Vasco da Gama e em escolas.

De acordo com Stein e Correia, Pinto teria deixado de repassar a eles o pagamento de R$ 36 mil, referente a uma roda de conversa em uma grande empresa, que seria dividido em três. Apenas um deles, Requião, conseguiu que Pinto formalizasse um termo de confissão de dívida de R$ 12 mil – mas que nunca foram pagos.

“No princípio, ele alegou que não havia dívida, pois ele havia me ajudado no início do meu trabalho, me abrindo portas. Respondi que, se eu soubesse que ele cobraria por isso, sinceramente, eu poderia não ter feito esta escolha”, disse Requião. “Após ser vitimado por ele e ter conhecimento das demais vítimas, principalmente as outras mulheres, tenho certeza de que o machismo dele não é inconsciente, mas muito bem pensado no sentido de explorar as vulnerabilidades de suas vítimas e descartá-las sob justificativas descabidas.”

De acordo com Correia, Pinto também teria praticado estelionato intelectual por ter dito a outras pessoas ser o verdadeiro autor de trabalhos que Correia produziu – a música “Cansei de ser homem” e livros da coleção MaM – Meninos Anti-Machistas. “Ele me acusou de roubo, mas eu que fiz pelo menos 90% do trabalho”, diz. Além disso, ele diz que também lhe emprestou R$ 12,3 mil nunca reavidos, e também teve pagamentos retidos por ele.

Apesar da experiência traumática, os três ainda atuam com o tema e dizem que há, sim, homens que fazem um trabalho sério sobre masculinidades. “É um desserviço usar esse tema importante para benefício próprio”, diz Correia.

Em entrevista à Pública, Pinto admitiu que é devedor e diz que irá pagar assim que puder. “Devo a muita gente, empresas e pessoas, independente de gênero e classe social. Vou pagar todo mundo que devo, mas para isso preciso ter o mínimo para me alimentar”, afirma. Sobre os ex-sócios, afirma que, “na cabeça dele”, as contas estariam quites porque ele abriu portas e ensinou muito a eles. Também diz que algumas palestras de que ele não participou não foram pagas a ele, então “mais ou menos” estaria tudo certo.

Já sobre a doença que alegava ter, Pinto diz que tem diagnóstico de depressão e que, em uma consulta, foi aventada a possibilidade de ter algum problema no fundo de um dos olhos que poderia estar causando enxaqueca. Ele diz que fez sessões de tratamento para enxaqueca, mas nunca nada relacionado a quimioterapia. 

Questionado, Pinto disse que não há provas de que ele falou sobre fazer quimioterapia. Mas, em uma das mensagens a que a Pública teve acesso, ele diz para Quadros: “Agora faço a primeira quimio. Vou fazer quatro sessões de forma preventiva”. Ela pergunta: “Como é isso? Não era atrás do olho?”. Ele responde: “É. Atrás do olho direito. O local é difícil para uma pulsão [sic]. Por isto, quimio de forma preventiva”.

Ele não quis falar sobre se foi pai solo de duas meninas. Disse que as mães das duas são “participativas” e confessou que só foi pai solo da mais nova por um período de tempo. Mas não quis dizer quanto tempo. Hoje, nenhuma das duas mora com ele.

Ele fez seu último evento sobre masculinidades em novembro do ano passado. Mas diz que foi o último. Agora quer deixar a área para trás, por estar “cansado”, e está procurando trabalho. Fez entrevista para uma vaga de recursos humanos em uma empresa – atribui não ter sido selecionado pela repercussão de seu caso nas redes sociais – e passou um mês trabalhando em uma loja de rua no centro de São Paulo.

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