Livro “Lembranças da Luta” relembra história de pracinhas de Goiás na Segunda Guerra Mundial

Jornalistas Belisa Monteiro, Dérika Kyara e Letícia Santana lançam excelente livro sobre brasileiros que lutaram contra o nazismo na Itália

A Segunda Guerra Mundial acabou em 1945 e, dezenove anos depois, veio o golpe civil-militar de 1964. Os militares ficaram no poder até 1985, num período de 21 anos. De repente, com a ditadura, mais dita do que dura, ainda assim ditadura, os militares se tornaram “monstros”, seres execráveis a combater. A universidade e o jornalismo se vingaram, digamos assim, esquecendo a importância dos militares para a história. Os pracinhas — brasileiros que lutaram na Itália contra o nazifascismo, entre 1944 e 1945 — acabaram se tornando as (primeiras) vítimas mais notórias. Foram simplesmente olvidados ou, mesmo, atacados, sobretudo por jornalistas, como William Waack. Nos últimos 15 anos, ou um pouco mais, a luta dos pracinhas vem sendo examinada com isenção por Cesar Campiani Maximiano, Francisco César Ferraz e Frank McCann, acadêmicos, Ricardo Bonalume Neto, jornalista, e Francisco Lourenço Fernandes, pesquisador. Entretanto, para um tema que conta 65 anos, há poucos livros densos publicados, exceto se contarmos as memórias dos combatentes. Cesar Campiani revela que 111 goianos lutaram na peleja italiana, mas sabe-se quase nada sobre eles. O tenente Benvindo Belém de Lima voltou ferido e morreu jovem, talvez em consequência dos ferimentos, mas não ganhou nenhuma homenagem dos governos de Goiás. Em Belo Horizonte há uma rua com seu nome. Em Pindorama do Tocantins, onde nasceu, há um busto em sua homenagem. Não sabemos nem os nomes dos combatentes, porque não existe nenhum monumento com seus nomes e não há livros que registrem seus feitos em defesa da democracia internacional. Por isso é muito bem-vindo o excelente “Lembranças da Luta” (edição primorosa do Instituto Casa Brasil de Cultura, 89 páginas), de Belisa Monteiro, Dérika Kyara e Letícia Santana. As jornalistas publicam os nomes de alguns pracinhas, suas fotografias e narram suas histórias. Nem todos são goianos, mas moram (ou moraram) em Goiás. Trata-se de um livro pioneiro — à espera, agora, de aprofundamento acadêmico ou mesmo jornalístico. A estrada está aberta. A pavimentação depende de pesquisas rigorosas.

Wilson Moreira de Andrade, Waldyr O’Dwyer e Pedro Afonso de Souza: pracinhas brasileiros | Foto: livro “Lembranças da Luta”

Belisa Monteiro, Dérika Kyara e Letícia Santana, que escrevem muito bem e com sensibilidade, retratam a bela história de dez pracinhas (25 mil brasileiros participaram, direta ou indiretamente, da batalha europeia). Sete foram à Itália e três atuaram no litoral do Brasil. Elas falaram com Antônio Ávila (mais com uma filha, porque ele quase não se lembra mais da guerra), Francisco Anchieta Lôbo, José dos Reis, Paulo Gomide Leite, Pedro Afonso de Souza, Vergilino de Assis Soares, Waldyr O’Dwyer e Wilson Moreira de Andrade. As famílias de Joaquim Magalhães e Joel Souza, falecidos, foram ouvidas.

O extrovertido capitão carioca Waldyr O’Dwyer, hoje com mais de 90 anos, era, na década de 1940, um homem atlético. “Se tivesse uma cariezinha estava cortado. Porque, de fato, quem ia para o exterior não podia ficar dando trabalho”, relembra. Muitos que receberam a carta de convocação ficaram apreensivos, mas muitos queriam participar — por “patriotismo ou por desconhecer a real situação de uma guerra”.

Foto e documento de Vergilino de Assis Soares na época da guerra | Foto: Reprodução

O gaúcho Vergilino de Assis Soares não foi convocado, mas se apresentou, aos 23 anos, como voluntário. “Sempre fui patriota. Quando minha mãe e meu pai ficaram sabendo, eu estava em alto-mar. Deixei só um aviso.” Ele recebeu treinamento no Rio de Janeiro. “O primeiro escalão não recebeu praticamente nada, foi o que mais sofreu. Comigo, felizmente, já não foi tanto.”

Paulo Gomide, de 21 anos, apresentou-se ao 6º Batalhão de Caçadores de Ipameri. Francisco Anchieta Lôbo, de 18 anos, nascido em Formosa, decidiu alistar-se, em Ipameri. Buscava aventura e se considerava patriota. Aos 22 anos, conquistou o posto de sargento. “Ao contrário do capitão Waldyr, que recebeu treinamento antes de embarcar para o front, Francisco só colocaria em prática seu desempenho militar no campo de batalha, já que no Brasil apenas efetuou treinamento simples, bem diferente do que desenvolveria na Itália.” Francisco entrou para o Regimento Sampaio, do Rio de Janeiro.

Vergilino de Assis Soares apresentou-se como voluntário sem consultar seus pais | Foto: livro “Lembranças da Luta”

A viagem para a Itália durou mais de 20 dias. Ao chegar em Nápoles, Waldyr diz que “a situação foi decepcionante. As indústrias estavam paralisadas, não tinha atividade normal e em certos lugares tinha até fome”. A tropa brasileira foi bem recebida, afirmam os pracinhas.

No front, era preciso improvisar. Barracas eram armadas debaixo de parreiras. Uma das doenças era o pé de trincheira. Às vezes, era preciso fazer amputações. Tomar banho era um sonho. “Wilson conseguiu tomar banho depois de vários dias dentro da trincheira, no front.” O frio era tão intenso que, mesmo para um banho rápido, era preciso tomar cachaça.

A alimentação era farta. “Os americanos esbanjavam fartura.” Os brasileiros preferiam quando a comida continha arroz e feijão. Na ração “K” tinha chocolate, queijo e cigarro. A ração “C”, com enlatados, tinha feijão com ervilha ou carne. Paulo não apreciava a “K”. Waldyr não tinha ânimo com a “C”. “A comida em lata era horrorosa. A comida dos americanos era mistura de cereais com carne”, diz o capitão. Quando aparecia uma feijoada era dia de festa.

Paulo Gomide Leite: encontro com Sophia Loren? | Foto: Reprodução

Numa missão defensiva, Waldyr ficou “três dias sem alimentação”. “Tomamos o morro e o acesso lá era difícil, com chuva. Mesmo assim, tinha uma reservazinha de chocolate. Água era, às vezes, mais difícil porque estávamos em uma elevação.”

Numa missão, em La Serra, Paulo ficou “48 horas sem dormir, atirando, e (…) não conseguia tempo para comer”. Bem-humorado, Paulo apresenta uma história curiosa: “Hum… em sua autobiografia, Sophia Loren disse que, na ocasião da guerra, ela ficava vagando nas ruas de Nápoles. Ela tinha uns 11, 12 anos, vida pobre. E ela disse que recebeu, muitas vezes, chocolates das mãos de soldados aliados. E eu andava nas ruas de Nápoles distribuindo chocolates para as crianças”. Wilson relata: “Tocávamos violão juntos, os italianos tinham vozes maravilhosas. Cantei muito com eles”.

Os alemães eram “terríveis”, afirma Paulo. “Eles nos respeitavam tanto quanto nós os respeitávamos.” Vergilino revela que um cabo brasileiro se apaixonou por uma italiana e acabou por passar informações úteis aos alemães. Ela era espiã.

Paulo Gomide Leite: “Quem falar que não tinha medo está mentindo”| Foto: livro “Lembranças da Luta”

A história do cabo Jerônimo ganha cores de heroísmo, aponta Waldyr. Sem detectores de minas, mas precisando passar por determinada área, e mesmo pressentindo que havia alguma coisa “errada”, Jerônimo descolou-se da equipe e seguiu sozinho. Uma mina explodiu e o cabo ficou mutilado. “Apesar do sofrimento, o cabo avisou aos companheiros: ‘Podem me deixar aqui e vocês vão adiante!’”. “Herói mesmo, só aquele lá. E ainda saiu com vida”, revela Waldyr.

Francisco saiu ferido do embate em Monte Castelo. Ele estava em companhia do sargento Osvaldo Conceição. Os alemães atiraram nos brasileiros. “Francisco foi atingido no rosto. A última cena que viu foi uma explosão e, depois disso, mais nada.” Quase ficou cego. “Ficou 13 dias no hospital tomando penicilina, um antibiótico muito usado à época.” O sargento Osvaldo Bluah era ateu, mas, ao ver Francisco, disse: “Daquele dia em diante, eu passo a acreditar que tem um ente superior, senão você não teria sobrevivido”. Recuperado, ganhou dez dias para flanar por Florença. Logo voltou à batalha. “O ex-combatente ainda tem no rosto as marcas causadas pela granada e sente dores de vez em quando.” O amigo Osvaldo morreu.

Joel Vaz Souza (com seus criptogramas) | Foto: Reprodução

Em Montese, onde ocorreu uma batalha cruenta, Paulo foi designado, com companheiros, “para apoiar a missão pelo lado leste”. Pertencia ao grupo o pracinha Miguel Cabral, campeão de cartas e que ganhou o apelido de “Malote” porque recebia muitas missivas da namorada Iracema. Em 14 de abril de 1945, em Montese, uma granada caiu numa trincheira e “um estilhaço passou bem próximo a Paulo, um estilhaço do tamanho de um minigravador, que causou um verdadeiro estrago. Caiu dentro de um barranco e Paulo o segurou, parecia um ferro incandescente”. Malote não teve a mesma sorte. O relato de Paulo: “O pedaço maior dele ficou desse tamanho assim [‘Paulo mostra a ponta do dedo indicador’]”.

A correspondência era censurada. Um tenente disse para Paulo: “Não vai escrever à família?” Paulo respondeu: “Eu não vou escrever nada, você vai ler”. O tenente sugeriu: “Se prometer que não vai escrever nada sobre a guerra, prometo que não censuro”. As jornalistas escrevem que “a regra foi sendo esclarecida: mandar cartas dizendo como estava o íntimo, juras de amor, a ansiedade pelo retorno para casa e a saudade que apertava no peito era permitido. Mas não se podia dizer nada sobre a guerra”. Um pracinha recebeu uma carta da qual não gostou, era de sua noiva: “Wilson, contrariando os desejos de mamãe, vou me casar”. Tempos depois, em Brasília, a mulher encontrou-o e disse: “Estou viúva, Wilson”. Sua vingança: “E eu estou casado com uma mulher bonita e com quatro filhos”.

Joel Vaz Souza: pracinha | Foto: livro “Lembranças da Luta”

Pracinhas admitem que tinham medo

Os pracinhas ouvidos por Belisa Monteiro, Dérika Kyara e Letícia Santana, no livro “Lembranças da Luta”, dizem que os brasileiros tratavam com respeito os prisioneiros de guerra. A regra tinha sua exceção, segundo Francisco Lobo: “Eu mesmo não recebi ordem, mas ouvi dizer que alguns lá não queriam prisioneiros, não. Porém, não recebi ordem e também não teria cumprido”. Ordem para executar prisioneiros — ao estilo dos soviéticos, que eram implacáveis.

O relacionamento com os militares norte-americanos era cordial, disseram os pracinhas. “Se não tivéssemos recebido os casacos deles, teríamos morrido de frio”, afirma Francisco.

Waldir O’Dwyer: pracinha que batalhou na Itália | Foto: livro Lembranças da Luta”

Paulo Gomide guarda algumas boas lembranças da guerra. Em fevereiro de 1944, quando fez aniversário, estava numa trincheira quando recebeu ligação do seu tenente: “41 [o número do pracinha era 5041], meus parabéns! É seu aniversário!” Seu relato: “De repente, chegou um soldado do comando dele com uma garrafa de vinho. E não tive dúvida, peguei uma faca e fiz assim t-o-o-ol. Torei a cabeça da garrafa, botei o vinho na caneca, e tomei a garrafa de vinho. Foi um dos vinhos mais saborosos que já tomei na vida”.

Francisco conheceu, na guerra, o jogador Perácio, que jogou Copa do Mundo de Futebol pela seleção brasileira e foi atleta do Flamengo e do Botafogo. Os soldados brincavam que Perácio havia sido promovido a tenente “porque tirou uma granada de cabeça”.

Os pracinhas tinham medo? O capitão Waldyr O’Dwyer confessa: “Medo? Tem hora que a gente treme. (…) Oficial não pode ter medo. Em uma missão não se admite ter medo”. Francisco corrobora: “A gente tinha muito medo. Principalmente perto de Monte Castelo”. Vergilino de Assis Soares pensa diferente: “A única coisa que não conheço até hoje é o medo”. Rindo, Paulo discorda: “Quem falar que não tinha medo está mentindo”.

Brasileiros não foram pra Itália a passeio

Com a renhida tomada de Monte Castelo, em fevereiro de 1945, a missão brasileira na Itália estava no fim. Mas, como dizem Belisa Monteiro, Dérika Kyara e Letícia Santana, “a rendição total dos inimigos se deu apenas no início do mês seguinte”. Sobre o fim da guerra, em maio de 1945, diz o capitão Waldyr O’Dwyer, sempre espirituoso: “Nós não recebemos a notícia, nós éramos a notícia!” A frase, aparentemente simples e apenas brincalhona, é uma síntese da participação dos brasileira na Segunda Guerra Mundial. Os pracinhas realmente combaterem, e com competência, o nazifascismo. Eles ficaram “quase um ano e meio” na Itália — guerreando. Não estavam lá a passeio.

Francisco Lobo, que anotou suas memórias da guerra, secunda o que dizem as novas pesquisas (inclusive de americanos): “Não faltou uma série de vitórias, revezes, dificuldades e sofrimentos. Nos 19 dias de ofensiva, a FEB fez mais de 19 mil prisioneiros e apreendeu mais de mil veículos. Não mediu esforços, nem poupou sacrifícios nessas jornadas. Foram calculadas 47 mortes, 10 extraviados e 616 feridos. A baixa geral de combate teve como saldo 471 mortos, 1.577 feridos e mutilados”.

O capitão Waldyr diz que a conquista de Monte Castelo foi difícil. Sua história (e é curioso como nada tem de ufanista): “As primeiras cidades foram tomadas com uma certa facilidade, mas, quando chegou Monte Castelo, houve essa tragédia, nós tentamos três vezes. O 3º RI não conseguiu, e a tropa teve de recuar. Foi quando morreu mais gente. Estávamos ao lado da 10ª de Montanha (uma tropa de elite norte-americana). Era uma ação completamente desfavorável, o inverno estava no auge”.

Wilson Moreira de Andrade, de um realismo seco, diz: “Nós, o 11º Regimento de Infantaria, não conseguimos, pois houve a perda de 45 elementos nossos. Os alemães estavam muito fortes lá em cima, com máquinas e até com pedra podiam nos derrubar. Foi o Regimento Sampaio que conseguiu subir”. As repórteres acrescentam: “O Regimento Sampaio, ou 1º RI do Rio de Janeiro, para conseguir tomar Monte Castelo, em fevereiro de 1945, contou com os caças Senta a Pua, que deram cobertura à operação”.

Aclamados e traumatizados na volta

Os pracinhas chegaram ao Rio de Janeiro em setembro de 1945, “quatro meses depois do desfecho da” Segunda Guerra Mundial, “ao som de ‘Aquarela do Brasil’”. A viagem de navio, que durou 16 dias, foi uma farra, com música e bebida, conta Paulo Gomide, que chegou antes, em agosto. Wilson Moreira foi recebido com fogos pelo pai. “Eu falei: ‘Pelo amor de Deus, não me faça isso!’”

Os jovens combatentes foram aclamados em praça pública. Foram tratados como heróis.

Alguns pracinhas voltaram traumatizados. Waldyr O’Dwyer conta que um camarada de Anápolis, ao “ouvir um barulho mais forte, sai correndo e se joga no chão, tamanho o trauma da guerra”.

O tenente Benvindo Belém de Lima, que não é citado no livro, não gostava de falar sobre a guerra. Quando um parente perguntou quantas pessoas havia matado na Itália, disse, lacônico: “Não sei. Eu não fazia pontaria”. Adotou o hábito de usar roupas da mesma cor, sem variação, e adorava comprar animais (principalmente cavalos velhos). Morreu cedo.

Militares que ficaram no litoral brasileiro

A história dos militares convocados que atuaram no litoral brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial tem merecido pouco registro. Beliza Monteiro, Dérika Kyara e Letícia Santana contam a história de José dos Reis e Pedro Afonso.

Ao ser convocado, José dos Reis diz que ficou “feito doido”. “Sentei, tomei fôlego de uma hora.” De Ipameri, onde se apresentou, foi para São Paulo. “Lá, chegou todo mundo horrorizado, o pessoal estava seguindo feito boiada para o matadouro. A gente nem sabia para onde estava indo, estava cismado e com medo daquilo.”

Mais tarde, promovido a cabo, José dos Reis foi para Santos e São Vicente. Pedro foi para Santos e, em seguida, para Sorocaba. Ele queria, mas não conseguiu ir para a Itália.

No litoral, os militares também não estavam a passeio. Os “pracinhas ficavam de olhos bem abertos, e não somente admirando a natureza. Estavam ali para ver se o inimigo se aproximava”.

José viu um submarino alemão bombardeando um navio no litoral brasileiro. “Vi o pessoal ferido, mortos… Depois que os alemães bombardearam, tinha um pessoal do navio tentando se salvar e os alemães os metralharam. (…) Porém, não tínhamos armamentos.”

José diz que, “caso os alemães tivessem decidido realmente atacar o Brasil, a maioria dos pracinhas estaria correndo sérios riscos. ‘A gente estava esperando um ataque a qualquer hora, mas o armamento nosso era o fuzil usado na Primeira Guerra Mundial. Não estávamos preparados. Nosso armamento era uma metralhadora leve, a ponto 30, a Madison, e tinha um morteiro branco que só depois que saímos do litoral, no final da guerra, é que a gente começou a aprender a usar. (…) Só depois de um tempo é que chegaram os armamentos americanos”.

Livro parece confundir Mussolini com Franco

As poucas falhas não invalidam a qualidade do livro “Lembranças da Luta”. Na precisa apresentação, a professora Raquel Mourão Brasil escreve “ex-pracinhas”. Os especialistas preferem dizer “pracinhas”, porque, embora a guerra tenha acabado em 1945, eles mantiveram o status, certamente justo.

Na página 15, há uma conta que não fecha: “Dos entrevistados, sete foram à Itália e três ficaram no litoral brasileiro. A maioria desses oito praças vive em Goiânia e três, em Anápolis”. Foram entrevistados oito ou dez?

Por conta da redação, uma informação sugere truncamento: “Getúlio Vargas uniu-se aos Aliados — Inglaterra, França e União Soviética, e mais tarde Estados Unidos — e declarou guerra ao Eixo”. Fica-se com a impressão de que, mesmo sem a pressão norte-americana, o Brasil teria se aliado a ingleses, franceses e soviéticos. Aliás, deve-se dizer que, antes de aliar-se aos europeus, o Brasil aliou-se, por motivos estratégicos e de ordem econômica, aos americanos. O problema é mais de redação.

Benito Amilcare Andrea Mussolini, o ditador fascista italiano, é chamado de “Francisco” (confusão com o espanhol Francisco Franco?). Há erros de revisão — “franciso”, “eminente” no lugar de “iminente”. No geral, o livro é muito bem escrito e pode ser inscrito, se posso dizer assim, na história das mentalidades, tão cara aos franceses.

[Texto publicado pelo Jornal Opção em 2010.]

 Bibliografia básica

Se o leitor tem pouco tempo, o livro ideal para entender a participação de tropas nacionais na batalha na Itália é “Os Brasileiros e a Segunda Guerra Mundial” (Jorge Zahar Editor, 78 páginas, 2005), do historiador Francisco César Ferraz. Trata-se opúsculo escrito por competente especialista acadêmico.

“O Brasil na Segunda Grande Guerra” (Biblioteca do Exército Editora, 1960), do militar Manoel Thomaz de Castelo Branco, é um clássico

O historiador Cesar Campiani Maximiano é autor talvez do melhor livro sobre o assunto: “Barbudos, Sujos e Fatigados — Soldados Brasileiros na Segunda Guerra Mundial” (Grua, 447 páginas). Fica-se sabendo que 111 goianos lutaram na guerra europeia.

Francisco Lourenço Fernandes é autor de um livro valioso: “A Estrada Para Fornovo” (Nova Fronteira, 384 páginas, 2009).

O brasilianista Frank McCann é autor de um livro magnífico — “Aliança Brasil-Estados Unidos” (Biblioteca do Exército, 1995, 394 páginas, tradução de Jayme Taddei e José Lívio Dantas).

Um relato jornalístico de primeira linha é “A Nossa Segunda Guerra: Os brasileiros em Combate — 1942-1945” (Expressão e Cultura, 224 páginas, 1995), de Ricardo Bonalume Neto.

O livro mais polêmico, criticado por todos os estudiosos sérios da participação dos brasileiros na guerra, é “As Duas Faces da Glória: A FEB Vista Por Seus Amigos e Inimigos” (Nova Fronteira, 1985).

Pracinhas escreveram livros vívidos, sérios, como “Depoimento dos Oficiais da Reserva Sobre a FEB” (1949), de vários autores, “Cruzes Brancas: Diários de um Pracinha” (José Olympio, 1947), de Joaquim Xavier da Silveira, e “Guerra em Surdina” (Brasiliense e Cosac Naify), de Boris Schnaiderman.

Alemães mataram mais brasileiros fora da guerra na Europa

Ao contrário do que escreveu o jornalista William Waack, no livro “As Duas Faces da Glória — A FEB Vista Por Seus Aliados e Inimigos” (Nova Fronteira, 250 páginas, 1985), a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), se não foi decisiva, foi importante, reconheceram militares e pesquisadores americanos e britânicos. O historiador Francisco César Ferraz, no pequeno mas valioso “Os Brasileiros e a Segunda Guerra Mundial” (Jorge Zahar Editor, 78 páginas, 2005), diz que, “ao recusar o uso de suas tropas como forças de ocupação na Europa destruída pelo conflito, [o Brasil] perdeu a oportunidade de ganhar importância” na “reordenação mundial”. Se tivesse participado da reconstrução, o país possivelmente teria saído como uma imagem mais robusta.

Os brasileiros participaram de combates cruentos no Monte Castelo e em Montese — jamais fugindo do combate, atestaram pesquisadores rigorosos, como Ricardo Bonalume Neto, Cesar Campiani Maximiano (“Onde Estão os Nossos Heróis? Uma Breve História dos Brasileiros na Segunda Guerra”, Edição do Autor, 1995), Francisco César Ferraz, Manoel Thomaz de Castelo Branco (“O Brasil na Segunda Grande Guerra”, Biblioteca do Exército, 1960), Fernando Lourenço Fernandes (“A Estrada Para Fornovo”, Nova Fronteira, 373 páginas, 2009), Roberto Sander (“O Brasil na Mira de Hitler — A História do Afundamento de Navios Brasileiros Pelos Nazistas”, Objetiva, 260 páginas, 2007) e o brasilianista Frank McCann (“Aliança Brasil-Estados Unidos, 1937-1945”, Biblioteca do Exército Editora, 394 páginas, 1995, tradução de Jayme Taddei e José Lívio Dantas).

O Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália, ao nazifascismo, em 31 de agosto de 1942, e o 1º Escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB) chegou a Nápoles em 16 de julho de 1944, quando a guerra ainda não estava decidida. Como o governo de Getúlio Vargas havia rompido com o Eixo em janeiro de 1942, sob pressão dos Estados Unidos e depois de faturar 20 milhões de dólares para a construção da Companhia Siderúrgica de Volta Redonda, o governo nazista de Adolf Hitler autorizou que submarinos alemães atacassem navios brasileiros. Entre fevereiro e agosto de 1942, os nazistas torpedearam e afundaram 12 navios mercantes brasileiros, entre eles o Baependi, o Araraquara, o Aníbal Benévolo, o Itagiba, o Arará, o Jacira e o Comandante Lyra (não foi afundado). Em 1944, o navio-transporte Vital de Oliveira foi torpedeado pelo submarino alemão U-861. Dos 275 militares morreram 99. “No total”, registra Roberto Sander, no ótimo “O Brasil na Mira de Hitler”, “34 embarcações brasileiras foram torpedeadas durante a Segunda Guerra Mundial, o que causou a morte de 1.081 pessoas, a maioria civis inocentes. Nem nos campos de batalha tantos brasileiros pereceram. Dos mais de 25 mil soldados da FEB que foram lutar nas trincheiras italianas, 454 morreram e cerca de 3 mil ficaram feridos”. Por isso, Francisco César Ferraz afirma, com acerto, que “é mais correto dizer que não foram os brasileiros que foram à guerra, mas sim a guerra que chegou aos brasileiros”. Durante algum tempo, sobretudo na época dos ataques, jornais chegaram a insinuar que americanos haviam afundado os navios brasileiros para jogar a culpa nos alemães. “Toda a documentação comprova a autoria alemã dos torpedeamentos”, revela Francisco César Ferraz. Sander faz a mesma constatação. Nenhum pesquisador sério diz o contrário.

No excelente “A Nossa Segunda Guerra — Os Brasileiros em Combate, 1942-1945” (Expressão e Cultura, 224 páginas, 1995), o jornalista Ricardo Bonalume Neto conta que, em 4 de julho de 1945, dois meses depois do fim da guerra, o cruzador Bahia foi afundado, em decorrência de um “acidente”. “Ainda há quem tenha dúvida sobre o que aconteceu, embora a conclusão oficial seja plausível. O Bahia estava em uma missão de apoio aos aviões que retornavam às Américas a partir da África. O cruzador fazia um exercício com canhões antiaéreos e um artilheiro acertou por engano nas bombas de profundidade na popa, que explodiram. A proteção do canhão que impediria que ele disparasse tão baixo tinha sido retirada. Quando se descobriu que o submarino alemão U-977 tinha chegado pouco depois à Argentina, especulou-se que ele teria afundado o cruzador, num último ato de desafio de um alemão inconformado com a derrota. (…) A investigação inocentou o submarino. O cruzador teve 336 mortos, 332 da Marinha e quatro marinheiros americanos que estavam a bordo para fazer as comunicações com os aviões. Só se salvaram 36 tripulantes, porque houve falhas de comunicação e os náufragos ficaram vagando no mar em balsas por quadro dias sem receber socorro”. Com o afundamento do Bahia, as mortes de brasileiros no mar subiram para mais de 1.400.

O livro “Ultramar Sul — A Última Operação Secreta do Terceiro Reich” (Civilização Brasileira, 489 páginas, 2010, tradução de Sérgio Lamarão), de Juan Salinas e Carlos De Nápoli, apresenta uma versão diferente. “Para alguns sobreviventes, fica claro que reconheceram um submarino. O que não se discute é que o Bahia e o U-977 se encontravam naquele dia no mesmo lugar do vasto oceano, que o primeiro afundou e que o U-Boote fugitivo perdeu pelo menos dois torpedos T-5 acústicos, que se guiavam pelo ruído das hélices de suas presas. E, certamente, quando o objetivo era um navio grande, era obrigatório disparar dois torpedos.”

Muito ferido, com fraturas expostas, o comandante do Bahia, o capitão de fragata Garcia D’Ávila Pires de Carvalho e Albuquerque, foi levado à enfermaria, quando “a popa” do cruzador “afundou e a proa ergueu-se 20 metros acima da linha d’água. O comandante, consciente de que o barco afundaria em poucos minutos, tentou regressar à ponte, mas, imobilizado por dores terríveis, ordenou a ‘Mosquito’ [o suboficial Antônio Luz dos Santos]: ‘Deixe-me, rapaz, e procure salvar-se. Sou um homem morto’. Apenas um oficial sobreviveu, o primeiro-tenente Lúcio Torres Dias”.

Os náufragos, ainda sem orientação do comando da Marinha, disseram, com todas as letras, que não havia ocorrido um acidente. O navio havia sido atacado. O comandante do cruzador USS Omaha, W. L. Freseman, registrou no livro de navegação: “Fui informado pelo almirante de que, sem dúvida alguma, o cruzador Bahia havia sido afundado”. Torres Dias admitiu, mais tarde, “que a maioria dos náufragos atribuía a causa da explosão a um torpedo de submarino”. Na época, aceitando a orientação do comando da Marinha, optou pela tese do acidente, embora estivesse distante do local da explosão, na sala de máquinas.

O almirante Jorge Dodsworth Martins secundou a opinião dos marinheiros e, segundo Salinas e Nápoli, “insistiu na hipótese de que o Bahia fora atingido por um submarino alemão que se refugiou na Argentina”. A tese de “acidente” é vista por Salinas e Nápoli como “colossal mentira”. “Embora as metralhadoras Oerlikon estivessem dotadas de ‘limitadores de conteira e elevação’ que lhes impediam disparar para baixo e para os lados para evitar que algum projétil atingisse a estrutura do navio no calor do combate, a história oficial assegura que as Oerlikon do Bahia os tinham anulados.”

O comandante Gomes Cândido sugeriu uma correção de rumo: “As extremas dificuldades dos Aliados em suas relações com os soviéticos após a rendição da Alemanha podem ter levado os americanos, que perderam quatro marinheiros no cruzador, a aconselhar a Marinha brasileira a não indicar o torpedeamento como causa do naufrágio”.

Qual teria sido a motivação do comandante do submarino U-977, o primeiro-tenente Heinz Schäffer — que pode ter levado nazistas, ouro e dinheiro para a Argentina —, para atacar o Bahia? Gomes Cândido avalia que Schäfer pode ter visto o cruzador como uma presa fácil e, por isso, decidiu atacá-lo. Salinas e Nápoli sugerem que os alemães podem ter torpedeado o navio brasileiro porque estavam alcoolizados e eram poucos disciplinados.

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