Vânia Marques, da CTB, deve ser a primeira mulher presidente da Contag

Entre 1 e 3 de abril, em Luziânia, Goiás, acontece o 14º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (14º CNTTR), instância máxima de debate e deliberação da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura). No evento será realizada a eleição da nova diretoria e conselho fiscal.

Antes do congresso, ocorre um extenso processo de construção com as 27 Federações filiadas à entidade. E na última quinta-feira (19), uma etapa fundamental para a construção da unidade entre os filiados aconteceu com a composição de uma chapa única para a próxima gestão, 2025-2029.

O período para registro de chapas é de 24 a 28 de fevereiro. Na formação da chapa consensual entre as forças que atuam na entidade ficou definido que a atual secretária de Política Agrícola da Confederação, Vânia Marques Pinto, do estado da Bahia, estará na liderança desse processo concorrendo à presidência, hoje ocupada por Aristides Santos.

Leia mais: Medidas para baratear alimentos convergem para agricultura familiar e estoques reguladores

Outro avanço pela unidade da chapa ainda compreende que a diretoria, composta por 12 cargos, terá paridade de gênero, com seis mulheres e seis homens, o que se estende também para a suplência e o conselho fiscal, além de ser adotado o mínimo de 20% de jovens nas composições.

Para entender melhor os desafios atuais e futuros dos agricultores familiares, o Portal Vermelho conversou com Vânia Marques. Ela que foi a primeira mulher a ocupar o posto de secretária de Política Agrícola da Contag, também foi a primeira mulher titular na Secretaria Geral e na Secretaria de Formação e Organização Sindical da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado da Bahia (Fetag-BA). No seu currículo ainda consta o posto atual de secretária de Políticas Agrícolas e Agrárias da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil).

E agora, o próximo passo é se tornar a primeira mulher presidenta da Contag com a eleição da chapa em 3 de abril.

Portal Vermelho – Pela primeira vez, em 62 anos, a Contag tem uma mulher na presidência da chapa. Além disso, a composição traz paridade de gênero e cota mínima de 20% para jovens trabalhadores. Como avalia a formação da chapa única que lidera e a importância desse marco para a representatividade feminina?

Vânia Marques – Ter uma chapa única é símbolo de união e unidade. E demonstra a maturidade do sistema Contagem fazer essa construção garantindo a representação das cinco regiões brasileiras.

Para nós, mulheres, chegar à presidência da Contag é uma conquista e fruto de muita luta. Foi uma conquista na época da cota de 30% … depois com a paridade. E agora é a confirmação que a paridade não é apenas em números, mas também ocupando espaços que historicamente foram negados, ora com alegações de que não era o momento, ora de que ainda não estávamos preparadas. Sabemos que esse discurso é herança de uma sociedade machista e patriarcal. E a grandeza do sistema Contagé ir desconstruindo isso por dentro. Construindo boas práticas sindicais e rompendo com práticas machistas.

Essa é uma conquista nossa, das mulheres, mas também simboliza que os homens estão entendendo o papel histórico das mulheres no movimento e na sociedade e abraçando a pauta feminista.

Como analisa o papel da Contag nos últimos anos e o que projeta para a próxima gestão (2025-2029)?

São seis décadas de história, de resistência e luta. A Contagé a maior confederação de agricultura familiar da América Latina. E nos últimos anos tem travado batalhas importantes, na defesa da vida, na luta pela democracia e na busca da garantia de direitos. Desempenhou um papel importante na reforma da previdência por exemplo. Garantindo a idade mínima para trabalhadores rurais se aposentarem. Contribui significativamente para estruturação do Plano Safra através de uma pauta consistente e embasada na realidade rural, além disso garante um diálogo permanente com a sociedade por meio de importantes mobilizações a exemplo da Marcha das Margaridas e do Grito da Terra.

Pensar 2025-2029 é já se empenhar na luta pela democracia, na defesa de um projeto de sociedade que tenha a classe trabalhadora e a garantia dos direitos na centralidade. Queremos fortalecer nossa estrutura sindical, ampliar o trabalho de base e fortalecer nossos sindicatos e federações.

Também vamos buscar a garantia de políticas públicas para os povos do campo, das florestas e das águas. Acesso à terra, à água e fazer o enfrentamento às mudanças climáticas com planos de mitigação e adaptação fazem parte do nosso desafio.

Dialogar com a sociedade que é necessário repensar o jeito de produzir e de consumir, para garantir a continuidade da vida em nosso planeta e mostrar que a agricultura familiar é parte da solução dos problemas ambientais que estamos enfrentando.

De forma resumida, pode-se dizer que as principais bandeiras de luta da Contag são a defesa da agricultura familiar, da reforma agrária e de políticas públicas e sociais para o meio rural. De maneira geral, qual a avaliação da Contag sobre estes pontos no governo Lula?

Essas bandeiras de luta inclusive fazem parte dos pilares do nosso Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário. O governo tem se empenhado em dar resposta às questões mais urgentes, e retomou várias políticas que no governo Bolsonaro foram enfraquecidas ou esvaziadas, além de retomar espaços importantes de controle social dessas políticas. O fato é: com todo o desmonte tudo teve que ser reconstruído e a falta de orçamento para a agricultura familiar tem dificultado a celeridade no acesso. Um elemento que piora muito a situação é o Congresso Nacional que poderia ampliar o orçamento para agricultura, mas infelizmente não reconhece as diferenças entre o agro e a agricultura familiar.

No final de janeiro o presidente Lula se encontrou com lideranças do MST e se comprometeu com avanços na reforma agrária como também visitar um assentamento. O que o movimento sindical rural espera do governo para além desses indicativos?

A reforma agrária de fato é algo que gostaríamos que avançasse muito mais do que vem sendo anunciado pelo MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar]. As medidas até o momento são importantes, mas ainda são insuficientes.

Esperamos um orçamento maior. Somente com mais recursos será possível avançar nas políticas públicas.  Além das desapropriações, é necessário avançar nas titulações, na regularização fundiária e, sobretudo, nas políticas públicas que garantam a permanência das famílias assentadas, desde o âmbito da produção com crédito, até medidas sociais como habitação, saúde e educação.

A violência no campo tem registrado números alarmantes. Com dados de 2023, a CPT (Comissão Pastoral da Terra) indicou em seu relatório que naquele ano aconteceram 2.203 conflitos, o maior valor registrado desde o começo do monitoramento em 1985. No entanto, o número de mortes caiu de 47 em 2022 para 31 em 2023. Como a Confederação acompanha os conflitos no campo? Reforma agrária e punição aos agressores seria o começo para mudar essa realidade?

Os conflitos agrários são um grande problema e é reflexo da ausência de uma reforma agrária consolidada. Sem sombra de dúvidas a impunidade contribui para que a violência continue.

Eu diria que a principal ação para essa mudança é sim a reforma agrária. E a punição aos agressores iria contribuir para diminuir esse tipo de violência.

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, tem destacado o programa Desenrola Rural, que oferece descontos de até 96% para agricultores familiares renegociarem suas dívidas. De acordo com Teixeira, a medida visa potencializar a produção de alimentos no Brasil, que tem um total de 5,43 milhões de agricultores familiares, sendo que 1,35 milhão (33% do total) têm alguma pendência financeira. Na sua visão, qual o impacto da medida e quais outras no sentido de oferecer mais crédito aos pequenos produtores são necessárias?

Em 2024, no “24º Grito da Terra Brasil: Agricultura Familiar é alimento saudável e conservação ambiental”, a Contag pautou do Governo um programa de renegociação das dívidas para tirar da situação de inadimplência as famílias. Essa é uma medida importante para voltarem a acessar o crédito e continuarem a produzir.

Estamos vendo com bons olhos o Desenrola e o empenho do ministro Paulo Teixeira em colocar o programa para rodar, inclusive chamando os bancos e os movimentos para esse diálogo. Criar medidas operacionais que facilitem o acesso e a divulgação das informações são fundamentais.

Além de regularizar a vida financeira das famílias é fundamental desburocratizar o acesso ao crédito, principalmente por parte dos agentes financeiros. E é mais do que necessário uma política de Assistência Técnica e Extensão Rural, garantindo assistência permanente às famílias, além de articulação entre as políticas e programas.

Vânia Marques Foto: CTB

O Plano Safra da Agricultura Familiar 2024/2025 teve valor recorde de R$76 bilhões. No entanto, está muito aquém do recebido pelo agronegócio que teve seu Plano Safra em R$ 440,59 bilhões. Uma vez que a Contag indica que 70% dos alimentos que vão à mesa dos brasileiros são oriundos da agricultura familiar, o que fazer para diminuir está diferença para um setor que, verdadeiramente, alimenta a nação?

A retomada do Governo Lula deu um novo olhar para o Plano Safra da Agricultura Familiar, inclusive lançando um plano específico. Esse ano tivemos o maior plano safra da Agricultura familiar em volume de recursos. Entendemos que além do volume de recursos é fundamental estruturar políticas para além do crédito.

Como pesquisa e extensão, inovação tecnológica, ATER [Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural], seguro, acesso aos mercados, como os mercados institucionais (PAA, PNAE). Para nós a maior fragilidade foi na política de ATER, seria necessário pelo menos R$ 1,85 bilhões para dar assistência para a agricultura familiar. Um passo importante é o governo colocar em seu plano e o Congresso ampliar o orçamento para a agricultura familiar.

[Confira aqui todos os nomes escolhidos para a chapa]

Foto: Verônica Tozzi

O post Vânia Marques, da CTB, deve ser a primeira mulher presidente da Contag apareceu primeiro em Vermelho.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.