Planta urbanística de Goiânia pode conter símbolo maçom

A concepção urbanística de Goiânia pode ser considerada um marco da arquitetura moderna, se levado em consideração que a capital tem o maior acervo art déco do Brasil. No imaginário coletivo do goianiense é possível encontrar a crença de que existe a presença da imagem de Nossa Senhora Aparecida na planta do núcleo central da cidade. Eis que agora surge um novo mito para a suposta gravura da santa: a Praça Cívica, as ave­ni­das Goiás, To­cantins e Araguaia, ao serem interceptadas pela Avenida Pa­ranaíba, formam a figura de um compasso sobreposto a um esquadro, um dos símbolos que identificam a Maçonaria.

As coincidências não param por aí. O interventor federal do Estado à época da construção de Goiânia, Pedro Ludovico Teixeira, era maçom iniciado na Loja Luz e Caridade de Uberlândia (MG). Em 24 de outubro de 1933, foi lançada a pedra fundamental da construção, um gesto simbólico que marcou a fundação da nova cidade. Por acaso, 33 é o número que representa o grau máximo da hierarquia da Maçonaria. O templo da Loja Liberdade e União — a primeira da cidade — está localizado na Avenida Paranaíba esquina com a Avenida Goiás, justamente na base da figura do compasso e do esquadro supostamente presente na planta urbanística do Centro.

Há também o fato de que o Teatro Goiânia, local onde ocorreu o batismo cultural da cidade, no ano de 1942, com a entrega da chave ao primeiro prefeito da capital, Venerando de Freitas Borges — também maçom — tem a forma da arca da aliança, visto de cima. Descrita na Bíblia como o objeto em que as tábuas dos Dez Mandamentos e outros objetos sagrados teriam sido guardadas, a arca da aliança é um adereço comum aos adornos de interiores de lojas maçônicas.

Até mesmo o monumento às Três Raças, localizado na Praça Cí­vi­ca, é tido como um elemento alusivo à maçonaria. Isto por conta do número 3, que tem forte significado com as mais variadas interpretações. O maçom, quando assina qualquer documento, costuma finalizar sua assinatura com três pontos, que podem significar: liberdade, igualdade e fraternidade. No caso da obra da artista plástica Neusa Moraes, se traduz pelos três personagens que erguem um pilar. O monumento, também está localizado no ápice do que se formaria um triângulo — figura geométrica de forte simbolismo na maçonaria — formado pelas avenidas Goiás, Araguaia, Tocantins e Paranaíba.

O museu Zoroastro Artiaga, também localizado na Praça Cívica, chama a atenção pelo formato similar de uma zigurate — templos sumérios, babilônicos e assírios, construído em forma de pirâmides terraplanadas. Apesar de, oficialmente, o museu ter sido erigido de acordo com os traços da arquitetura art déco, existem lojas maçônicas semelhantes ao prédio público construído em 1942 pelo engenheiro polonês Kazimiers Bar­toszevsky, originalmente projetado para sediar o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).

­Para que a reportagem não caísse no exercício de procurar aquilo que se parece, mas não é, o Jornal Opção procurou arquitetos, historiadores e estudiosos da construção de Goiânia, bem como os representantes e líderes maçons locais, para opinarem a respeito. A resposta deles foi unânime: não existem elementos documentais que provem a existência de símbolos maçônicos embutidos no traçado do Centro de Goiânia ou em prédios e monumentos públicos.

Contudo, o assunto não deixa de ser instigante, se levado em consideração que assinala a construção da capital acontecimentos históricos e culturais que marcaram os rumos do País. É comum ouvir dos historiadores que Goiânia é filha da Revolução de 30, ou seja, representava o novo marco civilizatório e desenvolvimentista do País dentro da política da “Marcha para o Oeste”. Patrocinada pelo presidente Getúlio Vargas, o estancieiro gaúcho que derrotou as velhas oligarquias ao assumir o Palácio do Catete — sede do Executivo federal quando a capital do País era o Rio de Janeiro — em 1930, o programa pretendia povoar e desenvolver o Planalto Central. A nova capital goiana viria a ser o expoente desta política.

Revolução de 30

Após o triunfo da Revolução de 30 em Goiás, existia a vontade política de transferência da capital para outro local. O interventor federal no Estado, Pedro Ludovico Teixei­ra, tomou a iniciativa de materializar a transferência. Em dezembro de 1932, foi criada uma comissão para escolher o local em que seria construída a nova sede estadual do poder político. Vários locais foram sugeridos, como Bonfim, hoje município de Silvânia, e Pires do Rio. O relatório da comissão apontou um sítio nas proximidades do povoado de Campinas, como lugar ideal para a edificação da nova capital.

O plano piloto da futura cidade foi desenvolvido pelo arquiteto-urbanista Attilio Corrêa Lima, formado pela Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro e pelo Instituto de Urbanismo da Uni­ver­sidade de Paris (IUUP), e executado pela empresa Coimbra Bueno & Cia., dos engenheiros rio-verdenses Jerônimo e Abe­lar­do Coimbra Bueno. A planta ur­ba­nística dividia a cidade em três se­tores: o centro, destinado à ad­ministração; o norte, destinado ao co­mércio e indústria; e o sul, estritamente residencial. O plano era rádioconcêntrico, isto é, planejadas três avenidas confluindo para uma praça central — Praça Cívica —, localizada na parte mais alta das Avenidas Goiás, Araguaia e Tocantins.

Esta lógica explica a influência em Goiânia do estilo de cidades europeias renascentistas. Ou seja, assim como a planta do plano diretor de Goiânia, em que se notam as três avenidas principais convergindo para o centro administrativo, formando o desenho de “pata de ganso”, trata-se na realidade de uma estratégia urbana desejada para a época, isto é, da cidade que se encontrava em franco processo de afirmação política.

Em 24 de outubro de 1933, foi lançada a pedra fundamental da construção, num gesto simbólico que marcou a fundação da nova cidade. Em 2 de agosto de 1935, por meio de decreto estadual foi criado o município de Goiânia. Em 1936, o engenheiro Armando de Godói assumiu a direção da construção e foram efetuadas modificações no plano original. A efetiva transferência da capital do Estado para Goiânia somente foi oficializada em 1937. A inauguração oficial da cidade só aconteceu em 1942.

Válido ressaltar que o Attilio Corrêa Lima se inspirou na escola francesa de urbanismo do início do século 20 para desenhar a planta original de Goiânia. Ele não chegou a concluir a implantação integral da nova capital, pois havia rompido o contrato com o governo de Goiás. O arquiteto foi substituído pelo engenheiro urbanista Armando de Godói — também maçom —, que deu continuidade ao plano, mas seguindo orientação do modelo das cidades-jardim inglesas.

Fica evidenciado que, oficialmente, não houve nenhuma intenção deliberadamente arquitetada por Attilio Corrêa Lima em invocar a imagem da Santa ou de qualquer símbolo maçônico no traçado urbanístico de Goiânia. O arquiteto-urbanista foi influenciado por uma corrente estética do urbanismo clássico, com inspiração nas cidades de Versalhes (França), Karlsruhe (Alemanha) e Wa­shington (Estados Unidos). Em Goiânia, estas características ficam confirmadas a partir da convergência das principais avenidas do Centro da cidade em direção à Praça Cívica, sede administrativa do governo estadual.

Maçonaria não confirma, mas reconhece existência de tese

De acordo com o grão-mestre da Loja Maçônica Grande Oriente do Estado de Goiás (Goeg), Luis Carlos de Castro Coelho, não há algo palpável que comprove a existência de emblemas maçônicos na planta urbanística da capital. Ele reconhece a existência da tese e cha­ma a atenção para o fato de que o principal símbolo da Maçonaria ser um triângulo, não o compasso e o es­quadro. Inclusive, ele não acha que o encontro das Avenidas Goiás, Tocantins e Araguaia com a Para­naíba forme tal gravura. “Não temos nada que comprove isto, e nunca pretendemos fazer esta situação.”

O grão-mestre Americano do Bra­sil Freitas, também da Goeg, adverte para que este tema seja conduzido com cuidado, pois a maço­na­ria não tem a intenção de criar uma contenda com a Igreja Cató­li­ca, em razão do conhecido mote de que a planta urbanística do Centro de Goiânia ter o contorno do manto da padroeira do Brasil. “Mis­tu­rar maçonaria com a religião é perigoso. Para a Igreja trata-se do manto de Nossa Senhora inscrito no traçado de Goiânia e não discutimos isso.”

De acordo com a constituição maçom, a definição clássica da ma­çonaria é de uma instituição eclética, filantrópica, evolucionista que visa o aperfeiçoamento do homem para que ele possa desenvolver-se junto à sociedade. “Con­gregamos todos os homens livres e de bons costumes, e nosso lema é liberdade, igualdade e fraternidade”, diz Luis Carlos de Coelho. “Não somos uma instituição secreta, somos discretos. Temos nossos sigilos enquanto as nossas identificações e maneira de nos portarmos.”

A provável origem da maçonaria tem provocado variadas versões entre os historiadores. A hipótese mais aceita sinaliza para as Corpo­rações de Construtores na Idade Média. Trata-se de uma agremiação de profissionais que elaboravam projetos de templos e palácios. A primeira federação que reuniu lojas maçônicas foi a Grande Loja de Londres, fundada em 24 junho de 1717. Em 1735 surge a maçonaria escocesa formada por artesões que viajavam da Inglaterra a Escócia. Na Grã-Bretanha se predominou na maçonaria o simbolismo religioso, sendo que na França e Alemanha, se sobressaiu o esoterismo.

No Brasil, a maçonaria se floresceu no período colonial por meio de sociedades que tinham caráter puramente político. Os primeiros foram a Associação Literária dos Selectos, no Rio de Janeiro, em 1752, e a Academia dos Renascidos, na Bahia, em 1759. Nota-se que a Conjuração Mineira decorreu neste período, sendo que nas bandeiras dos Estados de Minas Gerais e Bahia há a presença de um triângulo com conotação tipicamente maçom para representar os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.

Maçonaria em Goiás

Da ordem do Grande Oriente do Estado de Goiás existem aproximadamente 5 mil maçons que se reúnem em 133 lojas espalhadas em diferentes municípios. O Estado é a terceira maior potência do País, atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais. O segundo da hierarquia da Grande Oriente do Brasil — no qual a Grande Oriente de Goiás se subordina — é um goiano, trata-se do grão-mestre-geral adjunto Eurípe­des Barbosa Nunes, que hoje mora em Brasília. Como nesta ordem maçônica existe internamente uma organização parecida com a de um Estado, ou seja, com a existência de Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário, Barbosa Nunes seria o vice-presidente da República e Luis Carlos de Castro o governador de Goiás.

A maçonaria em Goiás remonta de agosto de 1835. Ela surgiu em decorrência de uma cisão ocorrida na Loja Razão, de Cuiabá (MT), em 1834. A maioria dos divergentes era formada por goianos e portugueses que residiam na capital mato-grossense, que se viram obrigados a se mudar para a cidade de Goiás após a divisão. Por conta disto, a irmandade vilaboense ostenta o nome de “Asilo da Razão”, por ser refúgio dos dissidentes da loja cuiabana.

Os maçons goianos participaram de importantes acontecimentos históricos e políticos do Es­tado e do Brasil. O movimento abolicionista em Goiás, por exemplo, foi liderado por maçons, sendo que quando a Lei Áurea foi promulgada pela Princesa Isabel em 1888, já não havia cativos na antiga capital goiana por conta do esforço de “irmãos” daquela época, que angariavam recursos para que pudessem comprar o máximo possível de alforrias. Os grandes jornais do período eram conduzidos por maçons e, como não poderia ser diferente, a mudança da capital também teve influência direta da instituição.

Em Goiânia, ainda no período de sua fundação não havia nenhuma loja maçônica. Os primeiros maçons que chegavam à nova capital se reuniam em Trindade, na loja que leva o nome do município. A criação do primeiro templo goianiense se localizava na Avenida 24 de Outubro, no Bairro de Cam­pinas. A loja provisória recebeu o nome de “Liberdade e União”. Em 1941, o maçom Pedro Ludovico Teixeira doou um terreno para a criação do templo na Avenida Goiás, esquina com a Avenida Paranaíba, onde até hoje se localiza a Loja Liberdade e União. O capitão Benedito da Silva Albuquerque, à época chefe da Casa Militar e amigo do então interventor federal em Goiás, teria intermediado a doação da área junto ao fundador da nova capital.

“Goiânia é fruto do Estado Novo, do poder centralizado”

Para o historiador, letrista e professor da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (UFG), Nasr Chaul, Goiânia é fruto do Estado Novo, e a Praça Cívica é a representação da poder centralizado, característico do momento político da época. O acadêmico desconhece a tese da influência maçônica na construção de Goiânia, e diz que a nova capital foi fortemente caracterizada pelo caráter centralizador do poder da década de 1930. “Maçonaria é do Brasil Império, não do Estado Novo, período histórico em que havia a forte simbologia do uno, onde tudo se convergia ao centro do poder.”

O jornalista, professor e historiador Jarbas Silva Marques afirma que não conhece nenhuma história a respeito de prováveis símbolos maçônicos na planta urbanística de Goiânia. Ele nota que a figura da tese não forma um triângulo perfeito, ou seja, o triângulo da maçonaria é equilátero, de lados perfeitos. “As avenidas que formam este provável símbolo desenham um triângulo imperfeito, contrário aos princípios maçônicos.”

O arquiteto, escritor e professor da Escola de Música e Artes Cênicas (Emac) da UFG Wolney Unes, autor do livro “Identidade Art Déco de Goiânia”, afirma que nunca tinha ouvido falar da suposta influência maçônica na construção da capital. Ele diz que o desenho de Goiânia foi inspirado nos de cidade europeias, cujas avenidas seriam a representação de raios se convergindo a um único centro, que na capital goiana é representada pela Praça Cívica, onde se localiza a sede do Executivo estadual. “A planta de Goiânia é a representação gráfica da ideia ligada ao poder central”, diz.

Wolney Unes acredita que, assim como no caso do manto de Nossa Senhora, o símbolo maçônico supostamente presente na planta urbanística da capital pode se tratar apenas de uma coincidência gráfica. “Nos relatórios pessoais de Pedro Ludovico, dos irmãos Coimbra Bueno e de Attilio Corrêa Lima, não há relatos a respeito.”

A arquiteta Tania Daher, autora do livro “Goiânia, Uma Utopia Europeia no Brasil”, a exemplo dos demais estudiosos não tinha conhecimento da provável representação simbólica maçônica nas linhas da planta de Goiânia. Ela ressalta que o traçado urbanístico da capital segue uma lógica de perspectivas, ou seja, várias avenidas que se encontram em um único ponto, sem nenhuma conotação religiosa ou maçônica. “Coincidentemente, o ponto convergente das principais vias de Goiânia se encontra no Palácio das Esmeraldas, dando ênfase ao poder político, característica típica do urbanismo francês, escola que influenciou o arquiteto Attilio Corrêa Lima.”

O jornalista Iuri Rincon Go­di­nho, autor do livro “A Construção – Cimento, Ciúme e Caos nos Pri­mei­ros Anos de Goiânia”, questiona o sentido prático de se inserir na co­mu­nidade símbolos de uma sociedade fechada. Segundo ele, o mais provável é que exista uma coincidência da planta de Goiânia se parecer com um símbolo maçônico e re­ligioso. “Há alguns símbolos do art déco parecidos com objetos. As janelas do Teatro Goiânia, por exemplo, são bem parecidas com escotilhas de navios. São recursos arquitetônicos sem maiores pretensões.”

Para a urbanista e escritora Maria Narcisa Cordeiro de Abreu Pires, autora do livro “Goiânia: Emba­sa­mento do plano urbanístico original”, o traçado urbanístico da cidade se baseia em Versalhes e Karlsruhe, em que há ligação geométrica entre linhas e um núcleo central. Em relação à suposta representação maçônica nas linhas urbanística de Goiânia, apesar de não existir nada oficial, ela afirma que a hipótese não pode ser descartada, e que é possível a existência de uma abordagem ocultista dentro da proposta de Attilio Corrêa Lima. “A interpretação do sonho de Dom Bosco também tem a ver com a capital. Ele profetiza uma terra prometida na América do Sul entre os paralelos 15º e 20º, e Goiânia está localizada no paralelo 16º, portanto mais uma conotação esotérica.”

Para o arquiteto e urbanista Luiz Fernando Cruvinel, a planta urbanística de Goiânia segue o mesmo princípio de Versalhes, traçados que formam uma figura parecida com a de pata de ganso. Ele conta que quando da construção de Palmas (TO), uma equipe de urbanistas franceses que veio a Goiânia e se entusiasmou com a planta da cidade ao descobrir a influência do urbanismo do País europeu na capital. “Não há nada mais do que isso, trata-se apenas de um conceito de desenho de uma era mais moderna, e que é muito bonito.”

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