Medidas para baratear alimentos convergem para agricultura familiar e estoques reguladores

O governo reage à realidade que há meses vem impactando a população: a alta dos preços dos alimentos. O alarme tocou, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abordou o tema na abertura da reunião ministerial desta segunda-feira, afirmando: “Agora a gente vai trabalhar reconstrução, união e comida barata na mesa do trabalhador, porque os alimentos estão caros”.

A escalada dos preços da comida remonta a meados de 2024. positivos – como a expansão do PIB e a queda do desemprego –, o aumento do custo de vida tem impactado o humor da população, conforme indicam pesquisas de opinião. O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, destacou que os brasileiros querem menos índices e mais carrinhos de supermercado cheios.

Entre os fatores apontados para a alta estão o dólar elevado, que impulsionou exportações e reduziu a oferta interna, e as mudanças climáticas. O Brasil enfrentou, em 2024, a pior seca desde 1950, além de enchentes históricas no Rio Grande do Sul, que comprometeram colheitas.

O Portal Vermelho consultou especialistas que convergem em algumas ferramentas que o governo pode instrumentalizar. Embora as estratégias apresentem diferenças, há consenso sobre a necessidade de ações integradas que combinem curto e longo prazo. A reportagem conversou com o economista Diogo Santos, consultor da Fundação Ipead-UFMG, com a agricultora familiar Vânia Marques, secretária de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), e com o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS) da Presidência da República.

Apesar do consenso sobre várias medidas, todos os entrevistados reconhecem os limites impostos pela atual restrição orçamentária. A ausência de subsídios para o programa alimentar planejado pelo governo e o baixo investimento na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) são exemplos de desafios que dificultam a implementação de soluções mais robustas.

Medidas em estudo: agricultura familiar e controle de preços

Diante desse cenário inflacionário, o governo tem um campo de ação limitado. Estoques reguladores, utilizados em governos anteriores, não foram implementados no “Lula 3” devido à falta de orçamento. No entanto, medidas estão sendo estudadas. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, anunciou a criação de um comitê para monitorar os preços e calibrar políticas de governo, com apoio dos Ministérios da Agricultura e da Fazenda. Uma das ferramentas para conter a alta será o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que já havia reduzido taxas de juros para produtores de alimentos essenciais, como arroz e feijão, em 2024.

Outra medida em estudo é a criação de um programa inspirado na “Farmácia Popular”, mas voltado para alimentos. Segundo Edegar Pretto, presidente da Conab, o governo planeja estruturar uma rede de pequenos varejistas na periferia para vender produtos a preços mais baixos, utilizando a infraestrutura da Conab. Diferentemente da Farmácia Popular, o programa alimentar não contará com subsídios, devido à restrição orçamentária.

Nova safra de grãos pode aliviar pressão nos preços

O governo também aposta na safra recorde de grãos projetada para 2024/2025, estimada em 322,3 milhões de toneladas pela Conab, como uma oportunidade para baratear os alimentos. A produção de arroz e feijão, por exemplo, deve crescer 13,2% e 4,9%, respectivamente, alcançando uma das maiores safras das últimas décadas.

O presidente Lula reforçou a prioridade do governo em garantir comida na mesa do povo brasileiro: “Todos os ministros sabem que o alimento está caro. É uma tarefa nossa garantir que ele chegue à mesa do trabalhador em condições compatíveis com o salário que ganha”. A promessa, que agora ganha contornos de ação, é acompanhada de expectativas para 2025, com o objetivo de mitigar os impactos da inflação alimentar sobre a população brasileira.

Estoques reguladores: a ferramenta central para estabilizar preços

Tanto o economista Diogo Santos quanto o sociólogo Clemente Ganz Lúcio destacam os estoques reguladores como uma medida essencial para enfrentar a inflação dos alimentos. Santos enfatiza que a Conab deve intensificar a compra de grãos e cereais, como arroz e milho, utilizando esses estoques para equilibrar os preços em momentos de alta. Ganz Lúcio, por sua vez, argumenta que os estoques oferecem uma base de segurança alimentar, mitigando os impactos de crises climáticas e gargalos logísticos.

O economista Diogo Santos (UFMG)

Ambos os especialistas concordam que o fortalecimento da Conab requer ampliação do orçamento e maior protagonismo na política agrícola nacional. “Sem recursos adequados, a Conab não pode cumprir seu papel regulador”, afirmou Santos. “A ideia é ampliar os estoques e disponibilizar esses produtos no mercado sempre que houver alta de preços, regulando o custo das mercadorias essenciais”, explicou.

O economista também sugeriu algumas ações microeconômicas que poderiam ajudar a aliviar os custos no varejo, como a redução das tarifas cobradas pelas empresas que administram os vales-alimentação aos supermercados. Contudo, ele alertou que o impacto dessas medidas seria limitado e temporário. “Essas iniciativas podem reduzir os preços momentaneamente, mas os varejistas tendem a reajustar os valores rapidamente. Não é uma solução estrutural”, avaliou.

Por outro lado, Santos criticou propostas defendidas por algumas associações de supermercados, como a flexibilização da carga horária dos trabalhadores do setor. Ele argumenta que tais medidas precarizariam as condições de trabalho sem trazer benefícios significativos para o consumidor. “Isso só reduziria os custos dos empresários, que absorveriam o ganho como lucro, sem impacto real nos preços”, afirmou. 

Agricultura familiar: base para a segurança alimentar

Outro ponto de convergência está na valorização da agricultura familiar. Vânia Marques, da Contag, e Ganz Lúcio ressaltam que pequenos agricultores são responsáveis por boa parte da produção de alimentos básicos no Brasil. Para eles, a ampliação do crédito agrícola, a assistência técnica são fundamentais para aumentar a produtividade e baratear os alimentos.

Enquanto Vânia enfatiza a importância de políticas específicas para agroecologia e sustentabilidade, Ganz Lúcio defende a diversificação produtiva como estratégia para reduzir a vulnerabilidade do mercado interno. Ambos concordam que a retomada das políticas públicas é urgente, após o desmonte enfrentado nos últimos anos. “A agricultura familiar tem um papel estratégico na produção de alimentos com menor impacto ambiental e na resiliência climática, o que no longo prazo beneficia a saúde pública e reduz gastos do governo com questões relacionadas ao meio ambiente e saúde”, disse. 

Vânia Marques, Fetag-BA

Além disso, a dirigente da Contag ressaltou a importância de um conjunto de ações integradas, como assistência técnica, organização por meio de cooperativas, incentivo às agroindústrias e fortalecimento dos mercados institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). “Essas políticas ajudam não só na comercialização, mas também na organização do setor e na valorização da agricultura familiar como uma base de produção sustentável e de qualidade”, explicou.

Exportações e a prioridade ao mercado interno

Santos levanta um tema sensível: o impacto das exportações no abastecimento interno. Ele cita o exemplo da Índia, que restringiu as exportações de arroz para conter a inflação interna, como um modelo a ser considerado pelo Brasil. “É preciso equilibrar os interesses do agronegócio com a necessidade de garantir alimentos acessíveis à população”, argumenta o economista.

Embora a proposta encontre resistência, ela ecoa parcialmente na visão de Ganz Lúcio, que defende um diálogo mais amplo com o setor produtivo para equilibrar as demandas externas e internas. “O governo indiano aumentou as tarifas de exportação e priorizou o mercado interno, garantindo maior oferta e estabilidade de preços para sua população. Esse tipo de política não pode ser um tabu no Brasil”, argumentou Santos.

Santos também destacou como a desvalorização do real nos últimos meses tornou as exportações de alimentos mais lucrativas para os produtores brasileiros, em detrimento do abastecimento interno. “Os exportadores de soja, carne e café estão ganhando muito mais no mercado internacional. É justo que, nesse momento, o governo negocie com esses setores para que uma parte maior da produção seja destinada ao mercado interno”, disse. Ganz Lúcio também defendeu a necessidade de posicionar o câmbio em uma posição que favoreça o equilíbrio industrial.

Crédito e modernização tecnológica

A modernização da agricultura familiar, responsável por boa parte dos alimentos consumidos no Brasil, aparece como outro ponto de convergência. Marques e Santos defendem maior acesso a crédito com juros reduzidos e a adoção de tecnologias que ampliem a eficiência produtiva. Essa visão é compartilhada por Ganz Lúcio, que aponta a necessidade de investimentos em pesquisa e inovação para aumentar a competitividade do setor.

No médio prazo, Santos apontou que o governo deve reforçar a “missão 1” da política industrial brasileira, que prioriza a modernização e mecanização da produção agrícola. “É crucial investir na capacidade de financiamento e na modernização tecnológica dos pequenos estabelecimentos, para que eles aumentem sua produtividade e atendam à crescente demanda por alimentos”, explicou.

Vânia destacou que a política monetária é um dos instrumentos centrais para controlar a inflação, mas seu impacto depende de como é aplicada no setor produtivo. “A redução dos juros e o acesso ao crédito são cruciais, especialmente para a agricultura familiar, que ainda enfrenta dificuldades para acessar essas políticas públicas de maneira ampla e eficiente”, afirmou.

Ela elogiou avanços recentes, como a redução das taxas de juros no Plano Safra voltadas para a produção agroecológica e sustentável, mas ponderou que os recursos ainda são insuficientes. “Temos uma grande capacidade de produzir mais alimentos, mas é necessário ampliar o orçamento e o acesso às políticas públicas, principalmente para assistência técnica e extensão rural”, destacou.

A combinação de investimentos em crédito, assistência técnica, organização produtiva e políticas sustentáveis é, para Vânia Marques, o caminho para fortalecer a agricultura familiar e combater a inflação de alimentos no Brasil. “Estamos avançando, mas precisamos ampliar o foco nos recursos destinados à agricultura familiar, sobretudo no que diz respeito à assistência técnica. Sem isso, fica difícil atingir todo o potencial que o setor tem para oferecer à sociedade brasileira”, completou.

Reforma agrária e acesso à terra

Clemente Ganz Lúcio

Vânia e Ganz Lúcio também convergem na defesa da reforma agrária como instrumento para ampliar a produção de alimentos e reduzir desigualdades no campo. Para Marques, o acesso à terra é fundamental para aumentar a capacidade produtiva da agricultura familiar, enquanto Ganz Lúcio reforça que a distribuição de terras deve ser acompanhada de políticas de apoio à produção.

Para a especialista em Educação no Campo, a reforma agrária é um ponto crucial para ampliar a produção de alimentos no país. “Não se pode discutir segurança alimentar sem abordar o acesso à terra e à água, especialmente diante das mudanças climáticas que já afetam a produção agrícola. Esses elementos são fundamentais para garantir a capacidade de produzir alimentos em quantidade e qualidade”, enfatizou.

O caminho integrado para a segurança alimentar

As sugestões apresentadas por Diogo Santos, Vânia Marques e Clemente Ganz Lúcio convergem em torno de ações estruturais e integradas para enfrentar a alta dos alimentos. O fortalecimento da agricultura familiar, a implementação de estoques reguladores e o equilíbrio entre exportações e mercado interno aparecem como pilares de uma estratégia ampla.

Embora as restrições orçamentárias representem um entrave, o consenso entre especialistas destaca que políticas coordenadas e diálogo entre governo, setor produtivo e sociedade podem ser a chave para garantir a segurança alimentar e estabilizar os preços dos alimentos no Brasil.

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