Escândalo envolve dono da Editora Todavia, André Conti, a escritora Vanessa Barbara e outros escritores

Já disseram por aí, entre tapas e beijos, que, “de perto, ninguém é normal”. Apregoa-se que seres modernos, até ultramodernos, pregam uma coisa publicamente — em geral, de maneira politicamente correta —, mas, nos bastidores, fazem coisas bem diferentes, heterodoxas. E nem precisa ser bolsonarista para fazer coisas que, em público, todos desaprovam, sobretudo os não-bolsonaristas.

A jornalista Mônica Bergamo, da “Folha de S. Paulo” (terça-feira, 21), revela um momentoso escândalo de alguns membros das elites culturais, envolvendo um dos donos da Editora Todavia, André Conti (filho do jornalista Mario Sergio Conti, colunista da “Folha”), a jornalista, escritora e tradutora Vanessa Barbara e os escritores Daniel Galera, Michel Laub (colunista do “Valor Econômico”), Joca Reiners, Paulo Scott, Daniel Pellizari, Emilio Fraia e Antônio Xerxenesky. Tudo buona gente, como em terras celestiais.

Tudo começou, em termos de revelação pública, com um podcast da Rádio Novelo (do pessoal da revista Piauí) com Vanessa Barbara, que foi casada com André Conti. Os dois colaboraram com a “Folha”.

No podcast da Rádio Novelo (dirigida por Branca Viana, mulher do bilionário João Moreira Salles, dono da revista “Piauí’), Vanessa Barbara frisa: “É nesse ponto que conto como ganhei a minha cicatriz”. Cicatriz? Sim.

“É de um relacionamento abusivo que eu tive muito tempo atrás. Aliás, fica o alerta de gatilho: essa história contém ameaças, coerção, gaslighting [abuso psicológico], exposição, humilhação e isolamento, ou seja, é puro suco de violência psicológica”, sublinha Vanessa Barbara.

A reação de André Conti à denúncia não foi das piores. Talvez orientado por advogados, ante evidências irrespondíveis (e talvez nem todas divulgadas), o editor da Todavia admitiu: “Manipulei e coagi minha ex-esposa de forma machista e misógina. Num grupo de e-mails, expus pessoas, traí amigos e colegas e inventei intrigas”. Uma bruta confissão de culpa, mas apresentada, no geral, de maneira vaga, sem descer a fatos concretos.

A Todavia se posiciona como uma editora politicamente correta, com um catálogo exemplar. Então, decidiu se manifestar informando que “reconhece a gravidade dos acontecimentos narrados no podcast que envolvem um de nossos sócios. Compreendemos a indignação causada pelos diversos exemplos de machismo e misoginia. Sentimos muito, sobretudo, pelo sofrimento causado à vítima. No momento, buscamos garantir a manutenção de um espaço de acolhimento para nossas colaboradoras e colaboradores”. Parece nota escrita por advogados, do setor de compliance, ou, quem sabe, por André Conti.

O comunicado da Todavia não agradou os internautas, que estão pedindo o afastamento de André Conti do comando da Todavia. A tendência é por um afastamento proforma. O CEO da Todavia, Flávio Moura (com passagem pela revista “Veja” como crítico literário), parece não ter condições de retirar o sócio da direção da editora. Tanto que, ante o questionamento, enfatizou: “Nosso posicionamento é o que está no post”.

A mulher de André Conti, a escritora Natércia Pontes, tomou as dores do marido. A consorte frisou que Vanessa Barbara (autora de “Operação Impensável” e “Três Camadas de Noite”) solicitou apoio do editor, há seis meses, para divulgar sua nova obra literária.

Natércia Pontes sustenta que André Conti não atendeu o pedido de Vanessa Barbara. É uma clara insinuação de que seria o “motivo” da suposta “raiva” da escritora.

“Como não obteve resposta desse último email, reflito depois das minhas tristes conclusões, preferiu fazer um podcast para assassinar a reputação de meu marido e de homens, junto as suas mulheres, que também trabalham. Tudo isso nesse país de merda, onde é quase impossível sobreviver da escrita e do jornalismo”, assinala Natércia Pontes. Se o país é “de merda”, como frisa Natércia Pontes, é importante lembrar que é feito por todos os homens, como André Conti, e mulheres…

“Meu marido errou. Mentiu. Foi um crápula imaturo. Há 14 anos”, destaca Natércia Pontes. A mulher de André Conti está questionando a demora da denúncia de Vanessa Barbara. Mas por que a escritora não pode denunciar agora?

Versões de Laub, Reiners Terron, Fraia, Scott e Xerxenesky

Michel Laub decidiu comentar o acontecimento, lembrando que, em 14 anos, “muita coisa mudou” (vale notar que aquilo que aconteceu entre 1933 e 1945, há tantos anos, não deve ser esquecido). As pessoas citadas no podcast “viram protagonistas numa trama que está sendo tratada nas redes como conspiração do presente, envolvendo pessoas poderosas envolvidas em crimes os mais diversos”. Parece uma nota irônica. “Quanto às imputações de crimes, estou fazendo prints e decidirei que medidas tomar a respeito”, anota o escritor. Processo judicial à vista, tudo indica, contra Vanessa Barbara e a Rádio Novelo (leia-se Branca Viana).

Joca Reiners Terron afirma que quem fez o podcast não ouviu sua versão da história. O escritor postula que os envolvidos se tornaram vítimas de “linchamento online” e de “tentativas de hackeamento de contas e acusações descabidas.” “A obsessão pelo punitivismo precisa evoluir para uma argumentação lógica que nos conduza para além do atual maniqueísmo.” (O material citado está na coluna de Mônica Bergamo, na “Folha”.)

A reação mais amena é de Emilio Fraia, que disse sentir “demais por tudo o que aconteceu”. “Da minha parte, peço desculpas a Vanessa. Quero poder dialogar, aprender com os erros e, sobretudo, escutar”, amenizou.

Paulo Scott se defendeu: “A responsabilidade pela dor legítima de uma pessoa que fez parte de uma relação conjugal encerra dolorosamente não pode ser estendida a pessoas que, direta ou indiretamente, nada fizeram para o fim dessa relação ou interferiram em seus desdobramentos posteriores”. Sem dúvida: uma maneira inteligente de tirar o corpo fora, mas sem ferir a lógica.

Ao mesmo tempo em que se diz solidário “com a dor dos envolvidos, Daniel Galera critica o podcast: “A maneira como [a lista de emails] é descrita no podcast é inverídica. Também é inverídica a alegação de que participantes teriam ativamente criado empecilhos pra carreira da Vanessa”.

Informando que não conhecia Vanessa Barbara, à época dos acontecimentos denunciados, André Xerxenesky envia “o mais sincero pedido de perdão”. “Fomos todos criados num imenso caldo de machismo e misoginia e reproduzi falas e comportamentos por volta dessa época dos quais me arrependo e me envergonho”, declara o escritor.

Hermano Freitas disse a Mônica Bergamo que o acontecimento “é de natureza pessoal”. Dois escritores, Daniel Pellizzari e Marcelo Träsel, decidiram não se manifestar.

A história do término do casamento foi descrita no romance “Operação Impensável”. O assunto também apareceu no texto “O Dia que Aprendi a Lutar Caratê”, publicado na revista “Piauí”. Ambos de Vanessa Barbara.

Mônica Bergamo procurou Vanessa Barbara, mas a escritora optou por não se manifestar. Porém, no podcast, denuncia que, por não se calar a respeito do caso, “sofreu retaliações profissionais”. Ela frisa que teve de “se afastar do meio editorial brasileiro”. (Os trechos entre aspas estão na reportagem da “Folha”.)

Porém, alguns citados no escândalo que abala a República das Letras — politicamente corretos, insista-se — contrapõem que Vanessa Barbara publicou livros pela Companhia das Letras, na qual trabalharam André Conti e Emilio Fraia. E publicou reportagens na “Piauí”, que já foi editada por Mario Sergio Conti.

O mais provável é que Vanessa Barbara vai sofrer, se já não estiver sofrendo (ela denuncia que sim), boicote das elites culturais envolvidas com a produção de livros e a crítica cultural em jornais, revistas e blogs. O grupo que ela citou é forte — inclusive no jornalismo da “Piauí”, da “Folha” e do “Valor Econômico”. A escritora é uma mulher corajosa, porque está enfrentando o establishment cultural do país.

Mas e se surgir o podcast 2… com mais detalhes escabrosos… a respeito de uma turma que “deixa” falação progressistas nos jornais do país?

O post Escândalo envolve dono da Editora Todavia, André Conti, a escritora Vanessa Barbara e outros escritores apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.