Lei de Responsabilidade Fiscal: o que aguarda prefeitos que deixaram dívidas e não prestaram contas

Pode ser preso o prefeito que “torra o caixa”, deixa dívidas, contratos assinados sem disponibilidade de recursos em caixa e não presta de serviços públicos essenciais como Saúde e Educação? A dúvida surge com frequência para o eleitor que vê as más práticas de gestões passadas denunciadas por novos gestores.

A preocupação se aplica a municípios da região metropolitana de Goiânia, como Aparecida de Goiânia e a própria Capital, que enfrentaram a falta de caixa para o pagamento dos servidores públicos. Cidades como São Miguel do Araguaia, Niquelândia e Mambaí também enfrentam conjunturas econômicas e políticas desastrosas.

Como forma de denunciar o caos encontrado nos cofres e serviços públicos, prefeitos recorrem ao decreto de estado de calamidade, como é o caso de Goiânia. Em Goiás, entre os anos de 2003 e 2018, foram reconhecidos pelo Governo Federal 77 decretos de calamidade pública. A definição, de acordo com o texto da Lei 12608/2012 caracteriza como calamidade pública “eventos ou sequência de eventos fortuitos e não planejados que dão origem a uma consequência específica e indesejada de danos humanos, materiais ou ambientais”.

O advogado Lindson Rafael Silva Abdala, atuante em direito administrativo sancionatória (improbidade administrativa, processo administrativo e crimes de responsabilidade fiscal), explica que a falta de recursos para a garantira de serviços públicos pode causar danos às demais áreas, o que viabilizaria um pedido de calamidade pública nas finanças. “Vamos supor que um gestor ultrapassou o limite de 60% com folha de pessoal, ele está incorrendo em crime de responsabilidade fiscal. Para suprir esse débito, ele vai ter que tomar algumas ações, pode ser um empréstimo esporádico com pagamento dentro da própria gestão”, avalia.

Neste caso, sinaliza Abdala, o não pagamento de dívidas pode gerar um caos nas finanças da próxima gestão. “O próximo prefeito vai ficar impedido de tomar ações, e por conta dessa calamidade financeira, o sistema de saúde pode ser afetado. A partir do momento que temos o caos nas contas públicas, o gestor pode sim solicitar o reconhecimento da calamidade pública”, opina.

Entre 2003 e 2018, foram mais de 32 mil decretos de calamidade acatados pela União. No Centro-Oeste, entre as 656, 158 foram provocadas por secas extremas, 454 por chuvas extremas e 44 por outros motivos, aponta um estudo de 2018 da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). No primeiro semestre de 2017, o Estado teve um prejuízo superior a R$ 222 milhões devido à eventos climáticos extremos.

Punições previstas na Lei

Se for levada em consideração apenas a Lei de Responsabilidade Fiscal, a prisão é uma punição pouquíssimo provável para ex-prefeitos. Mas outras punições existem no âmbito político, administrativo e até penal, em alguns casos. A lei determina apenas três situações em que sanções penais podem ser aplicadas em caso de crise de responsabilidade fiscal.

Ordenar ou autorizar o emprenho de despesa que exceda o orçamento disponível pode gerar uma pena de reclusão de 1 a quatro anos, mas esta sanção pode ser convertida em penas alternativas. Ordenar despesas sem autorização legislativa e inscrição de despesas em restos a pagar sem lastro financeiro podem gerar reclusão de até quatro anos.

Outras sanções que podem incidir sobre os gestores são administrativas, como a vedação de realização de transferências voluntárias, suspensão de operações de crédito, devolução de recursos em casos de irregularidades e aplicação de multas.

Apesar disso, Abdala aponta que, em muitos casos, gestores que estão em desacordo com a LRF, podem ser punidos com base no caso penal. “Se ficar comprovado, por exemplo, que as dívidas foram adquiridas de forma dolosa, pode se encaixar no crime de responsabilidade e a pena é de até 2 anos, além do ressarcimento ao erário”, explica.

Advogado Lindson Abdala enumera casos em que ex-prefeitos podem ser penalizados | Foto: Reprodução

Contas rejeitadas e não prestadas

As contas do prefeito Rogério Cruz (SD) dos anos de 2022 e 2023 ainda não foram apreciadas Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). Em 2022, o Ministério Público de Contas (MPC) pediu a rejeição prévia das contas da Prefeitura de Goiânia, no entanto, o julgamento é feito pela Câmara Municipal. O processo aguarda ser levado ao Plenário do Tribunal.

O advogado Lindson Abdala demonstra que, apesar da responsabilidade de julgamento das contas do prefeito ser do Legislativo municipal, o pedido de rejeição do MPC e do TCM podem indicar irregularidades, erro ou má fé. “O município funciona como uma empresa, ele tem CNPJ e tem que prestar contas. Se por ventura ele fraudar aqueles dados a ponto de induzir o Poder Legislativo a aprovar as contas, o Ministério Público vai apurar essa lesão ao erário público”, analisa.

Em 2023, o TCM oportunizou ao município de Goiânia à enviar os dados eletrônicos relacionados aos atos de pessoal e as folhas de pagamento. O processo gerou a assinatura de um Termo de Ajuste de Gestão (TAG), pedido feito pela própria prefeitura. No entanto, a gestão de Cruz não cumpriu com os prazos e acordos pedidos pela própria gestão.

No final do ano de 2024, o Tribunal declarou o descumprimento do TAG. O Ministério Público de Contas emitiu um parecer e pediu que os autos fossem enviados ao Ministério Público de Goiás para avaliação de um novo pedido de intervenção, tendo em vista que a ausência de prestação de contas é um dos motivos para a ação.

Aparecida tem R$ 400 milhões em dívidas

O secretário de Fazenda de Aparecida de Goiânia, Carlos Eduardo de Paula Rodrigues, disse em entrevista ao Jornal Opção que a dívida da prefeitura é de mais de R$ 415 milhões entre processos empenhados, dívida da folha de pagamento, precatórios e dívida do Aparecidaprev, que supera os R$ 32 milhões. Somente a folha de pagamento do mês de dezembro, que ainda não foi paga, é no valor de R$ 58 milhões.

A administração também tem uma dívida de R$ 50 milhões com a Sociedade Beneficente Israelita Albert Einstein (SBIBAE), responsável por gerir o Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia – Íris Rezende Machado (HMAP). De acordo com a SBIBAE, a dívida se acumulou pela falta de repasses por parte da gestão de Vilmar Mariano. A dívida com o hospital, que iniciou os trabalhos em junho de 2022, chega a quase R$ 50 milhões. A unidade está sem receber desde janeiro de 2024.

Secretário de Fazenda de Aparecida de Goiânia, Carlos Eduardo de Paula Rodrigues | Foto: Rodrigo Estrela/Reprodução

Piracanjuba no vermelho

Prefeita de Piracanjuba, Lenízia Alves Canedo | Foto: reprodução

Com uma dívida de R$ 1,3 milhão deixada pela antiga gestão, a prefeita de Piracanjuba, Lenízia Canêdo (PP), diz que a cidade enfrenta dificuldades na manutenção de peças e máquinas, bloqueio de serviços e infraestrutura viária defasada. No vermelho, a cidade está com uma parcela de salários atrasados e a gestão elaborou um plano para quitar a dívida de forma parcelada.

Segundo a prefeita Lenízia Canêdo (PP), os salários atrasados chegam ao montante de R$ 5.251.188,71. Diante das limitações financeiras e das obrigações mensais, a mandatária afirmou que o município optou por parcelar o valor em cinco vezes – a partir de janeiro, com 20% (R$ 1.050.237,74) sendo pago mensalmente no dia 15.

De eventos climáticos a pandemia e descontrole financeiro

Eventos climáticos extremos que provocam comprometimento da capacidade de resposta do poder público justificam o estado de calamidade. Poderia então o critério se estender a situações provocadas pela mão humana, como a corrupção, desvio, má gestão dos recursos públicos por gestões passadas? A resposta é dada pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), que deve emitir um parecer solicitado por deputados estaduais. De acordo com a legislação, os decretos de calamidade pública de municípios devem ser validados pelas Assembleias Legislativas.

Durante a pandemia, por exemplo, os tribunais de contas de diversos estados, inclusive Goiás, expediram recomendações para que os poderes legislativos estaduais apreciassem os decretos de calamidade dos municípios. A decisão foi tomada com base no artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O município de Guarinos, a 260 km da Capital, enfrenta uma calamidade pública devido às chuvas. O município decretou o estado de calamidade e aguarda a votação na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego). “Há de se ressaltar”, afirma o documento, “que a união de esforços com as demais esferas de governo é uma ferramenta passível de ser utilizada em situações de calamidade, a exemplo dos mecanismos previstos na Lei federal n° 12.340, de 1° de dezembro de 2010, para o incremento da arrecadação dos municípios, com origem no repasse de recursos do Poder Executivo Federal, em casos de calamidade decretada”, registra o pedido.

Decreto

O prefeito Sandro Mabel (UB) pleiteia, junto à Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), que seja reconhecido o estado calamitoso nas áreas de saúde e finanças. A medida deve auxiliar o enfrentamento da crise na saúde, que provocou falta de leitos de UTI e resultou na intervenção estadual na saúde, além da prisão de ex-secretário e auxiliares. A dívida da Prefeitura com hospitais que atendem o Sistema Único de Saúde ultrapassa R$ 300 milhões.

Com validade imediata após a publicação e vigência de 180 dias, os decretos abrangem desde a suspensão a novas adesões de atas de preços, bloqueio na aquisição de equipamentos e tecnologias para evitar que contratos maliciosos, assinados na gestão passada. Também é função do decreto o contingenciamento de despesas e renegociação de dívidas, incluindo precatórios e obrigações previdenciárias.

Estima-se que o déficit operacional seja superior a R$ 1 bilhão, e a dívida, total do município, abrangendo também as empresas de capital misto, como a Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) e o Instituto de Instituto Municipal de Assistência à Saúde dos Servidores (IMAS) ultrapasse a cifra de R$ 3,4 bilhões.

De acordo com o Relatório de operações de crédito e limite de endividamento de Estados e Municípios da Secretaria do Tesouro Nacional, a Prefeitura de Goiânia tinha, em novembro de 2024, a dívida corrente líquida do município era de mais de R$ 821 milhões, enquanto a receita corrente líquida foi de mais de R$ 8 bilhões, o que coloca a cidade dentro do limite para a contração de novas operações de crédito, por exemplo.

LRF

A LRF, sancionada no começo dos anos 2000, estabelece os critérios que uma gestão, seja municipal, estadual ou federal, devem se basear para alcançar o equilíbrio da arrecadação e despesas. São determinados limites e condições no que se refere aos gastos e receitas, restos e a pagar, planejamento e gestão dos recursos provenientes dos impostos pagos pela sociedade.

É nesse dispositivo que estão descritos como devem ser os Planos Plurianuais (PPA), instrumento de planejamento e determinação dos objetivos para quatro anos de gestão, a começar do segundo ano do mandatário. O orçamento para o ano, a Lei Orçamentária Anual (LOA), e as Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) também compõe a legislação, por exemplo.

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