Alerta: crise “do” IBGE não tem nada a ver com manipulação de dados

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é uma das instituições mais respeitadas do Brasil. A chave de tudo é sua equipe técnica — altamente qualificada. De primeiríssima linha.

Se o dado é fornecido pelo IBGE, a sociedade e pesquisadores confiam e podem replicar sem receio de cometer erro. Trata-se, até onde se sabe, de uma instituição, na elaboração de suas informações, infensa às ideologias partidárias.

Na ditadura civil-militar, na década de 1970, o economista Delfim Netto, então ministro da Fazenda, manipulou dados sobre a inflação com o objetivo de “arrochar” os salários dos trabalhadores.

Quanto ao IBGE, se apresenta um número x da inflação, economistas e jornalistas especializados, por exemplo, discutem a partir dele. Sabendo que o dado é confiável. Porque a pesquisa é seriíssima.

Se o IBGE divulga um dado x a respeito do PIB, mais uma vez, todos — incluso, é claro, o mercado — acatam. É a principal referência. O mesmo ocorre com suas informações sobre democracia. O IBGE deu certo: é o Machado de Assis dos dados.

Então, quando se discute o IBGE, é preciso do máximo de cuidado. Porque não se deve desmoralizar a longeva e séria instituição. Seu corpo técnico, um dos mais preparados do país, merece o apoio da sociedade.

Marcio Pochmann, economista e presidente do IBGE | Foto: Agência Brasil

Diz-se que há uma crise no IBGE. Certamente, há. Mas é preciso entender — e a imprensa tem sido, felizmente, cautelosa — que a crise não tem a ver com os dados apurados pelo órgão. Isto não está em discussão.

Nem os que estão criticando o presidente do IBGE, Marcio Pochmann, admitem alguma decisão (e possibilidade) sobre manipular dados. Pelo contrário, refutam qualquer discussão sobre o assunto. O IBGE não está manipulando dados. É a boa notícia.

Há um evidente mal-estar entre Pochmann e alguns técnicos do IBGE. Tanto que alguns diretores saíram e foram substituídos. Mas nenhum dos que saíram fala em manipulação de dados.

Se é assim, qual é a verdadeira crise do IBGE? É muito menor do que se pensa. A imprensa deu, digamos assim, uma proporção que a crise não tem.

A crise tem a ver com a criação da fundação de direito privado IBGE+, mudança no estatuto da instituição e em locais de trabalho de funcionários e fim do trabalho integralmente remoto.

IBGE+ é o foco central da discórdia

Doutora em Economia, professora da PUC-Rio e ex-presidente do IBGE, a economista Wasmália Bivar, de 65 anos, concedeu uma entrevista esclarecedora e moderada ao repórter Leonardo Vieceli, da “Folha de S. Paulo”.

Wasmália Bivar frisa que diretores — do quadro técnico do IBGE — estão deixando os cargos porque não estão satisfeitos com a gestão de Marcio Pochmann. “As pessoas estão insatisfeitas com as decisões, com as orientações.”

Wasmália Bivar, economista: ex-presidente do IBGE | Foto: YouTube

A crise, sublinha Wasmália Bivar, não tem a ver o que tem sido apontado: “Não existe manipulação de dados sem ter técnico envolvido. A gestão técnica está se rebelando porque não acredita que o modelo de gestão do IBGE possa se basear numa captura de recursos que não seja a do Estado brasileiro. (…) Para manipular dados, é preciso que haja um complô. Precisaria que os técnicos estivessem de algo modo envolvidos. Eles, obviamente, não estão. O presidente recebe o dado no final do dia. Não existe mais possibilidade de mudança. (…) O presidente sozinho não muda nenhum número. É incapaz de mudar sozinho qualquer número”.

Mesmo concordando em parte com Marcio Pochmann, notadamente sobre as restrições orçamentárias — que “impedem” (o IBGE) “de fazer coisas importantes com segurança” —, Wasmália Bivar enfatiza que a saída não é a fundação IBGE+.

“O IBGE está ligado” ao Ministério de Planejamento e Orçamento e “o próprio presidente Pochmann tem ligações com o presidente Lula. É explicar a importância do IBGE, daquele orçamento que está sendo pedido, qual é a utilização que vai ser feita e qual é a importância disso para o governo e a sociedade”, assinala Wasmália Bivar.

De acordo com a ex-presidente, “o IBGE sempre contou com poucos recursos e sempre fez bom uso deles. Não tem desperdício. Agora, o IBGE+ é fonte de discórdia forte dentro da instituição”.

Criação da IBGE+ é mais liberal do que esquerdista

Diretor da executiva do Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística (Assibge), Paulo Lindesay disse ao jornal “O Globo” que a fundação IBGE+ é “uma forma de fragilizar o próprio IBGE. A argumentação foi que o instituto não teria um orçamento suficiente para gerir seu próprio plano de trabalho, mas o certo seria o presidente lutar para o governo federal colocar mais recursos, e não criar uma outra fundação para captar dinheiro público e privado”.

Numa carta aberta, o Assibge postula que “decisões recentes da atual direção do IBGE colocam em risco a soberania geoestatística brasileira”. Marcio Pochmann, para criar a IBGE+, não teria consultado os “quadros técnicos, a comunidade científica e a sociedade civil”.

A decisão de Marcio Pochmann, critica o Assigbge, configura “um precedente perigoso para a interferência de interesses privados no sistema geoestatístico nacional”.

Apontado como autoritário e centralizador, Marcio Pochmann não estaria ouvindo o quadro técnico do IBGE. Suas decisões seriam monocráticas.

O presidente do IBGE, além de contestar a suposta “manipulação de dados”, afirma que não é autoritário e que o conselho da instituição foi consultado sobre a fundação IBGE+. Acrescentou que a transferência de funcionários de um edifício no Centro do Rio de Janeiro para o Horto, na Zona Sul, “permitirá ao IBGE economia anual de aproximadamente 84% em relação aos 15 milhões de reais anualmente gastos em aluguel e custos de manutenção que a unidade consumia no início da atual gestão”.

Marcio Pochmanm acrescenta que, no Horto, os funcionários vão “trabalhar presencialmente no prédio do Serpro apenas dois dias por semana”.

Há uma crise, sobretudo de autoridade, de confrontos, mas, para o bem do país, não tem a ver com manipulação de dados. Menos mal. A crise, enfatiza-se, não é do IBGE — ocorre em suas dependências. O que há, de fato, é uma disputa de poder entre técnicos e Marcio Pochmann. Quem sai perdendo, com o conflito, é o IBGE e o país.

Dada a crise, que não tende a parar, Marcio Pochmann tem condições de continuar na presidência do IBGE? Talvez sim. Mas também, se a crise não sair da imprensa, pode acabar contribuindo para prejudicar a credibilidade do instituto, abalando sua reputação. O que será ruim para o país e para o governo de Lula da Silva. Preservar o IBGE é mais importante do que preservar o economista.

Dizem que Marcio Pochmann está ideologizando, à esquerda, o IBGE. Não é o que parece. A criação da IBGE+ é, de alguma maneira, uma ideia mais próxima do liberalismo do que do esquerdismo.

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