Startups lideradas por mulheres mostram a força da inovação regional no Brasil

Para quem ainda duvida do papel do Brasil no desenvolvimento mundial da inovação, o Global Startup Ecosystem Report 2024, relatório criado pela organização americana Startup Genome, destaca que o país é o líder do ecossistema de startups na América Latina. Segundo o documento, que leva em consideração aspectos como desempenho, número de fundos de investimento e alcance de mercado, o Brasil aparece na 26ª posição do ranking global. O relatório também aponta que São Paulo possui um dos 30 maiores ecossistemas de inovação do mundo, com valor estimado em 117 bilhões de dólares – à frente de cidades como Austin, nos Estados Unidos (27ª) e Shenzhen, na China (28ª).

Cristina Mieko, head de startups no Sebrae, explica que a grande concentração empresarial na capital paulista acaba transformando a cidade em um ambiente que estimula o empreendedorismo local e atrai investimentos. “A densidade de institutos de ciência e tecnologia, de universidades e laboratórios de inovação também contribui para que São Paulo acabe se destacando em rankings e cenários globais. Mas estamos vendo outros polos nacionais crescendo e começando a chamar a atenção do mercado.”

Florianópolis, no Sul do país, é um exemplo. Recentemente, a cidade recebeu do Governo Federal o título de Capital Nacional das Startups. Concentrando cerca de 42% das startups existentes em Santa Catarina, a cidade é a que concentra mais empresas de tecnologia no Brasil por número de habitantes: são 7,4 negócios do tipo a cada 1.000 moradores.

E foi na chamada Ilha do Silício que nasceu a Mundi Game Experiences, uma edtech de simulações gamificadas para equipes, que tem como objetivo ajudar na construção de competências e no engajamento nas áreas de inovação, empreendedorismo e sustentabilidade das empresas. Fundada por Fabiele Nunes e Antonio Durán Junior, a startup foi uma das vencedoras do prêmio BRICS Women’s Business Alliance: Women’s Startups Contest 2024.

A Mundi, que atua com uma equipe majoritariamente feminina, se destacou na categoria Educação na premiação voltada para negócios liderados por mulheres nos países membros do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e que tem o objetivo de fomentar e reconhecer a participação feminina no ecossistema de inovação.

“Iniciamos a Mundi em 2017, então podemos dizer que participamos de boa parte da história do ecossistema de inovação do país. Criamos a startup em um bom ‘timing’, conseguimos nos reinventar durante a pandemia, passamos por diferentes estágios de maturidade nos investimentos. Em 2021, vimos a demanda aumentar, o que nos levou a uma transformação para uma plataforma com conteúdos múltiplos e até feitos sob medida”, conta Nunes, que também é CEO da startup. Entre os clientes do negócio estão grandes nomes como Adidas, JP Morgan, Embraer, Samsung, Petrobras e Caixa Econômica Federal.

Durante essa trajetória, a empreendedora também viu aumentarem os números de startups fundadas por mulheres. No entanto, o número ainda é tímido. Segundo o Mapeamento do Ecossistema de Startups de 2023, realizado pela Associação Brasileira de Startups (Abstartups) em parceria com a Deloitte, apenas 19,7% das pessoas que fundaram startups no Brasil são mulheres.

“Quando estamos em eventos, palestras, mesas de negociação… Sempre há mais homens. Mas a primeira coisa para mudar esse cenário é entender que esses também são os nossos lugares. Costumo pensar que em lugares onde 70% do público é homem, serão os 30% de mulheres a serem lembradas. Precisamos ter confiança”, analisa a CEO.

Regionalização

Cidades do Norte e do Nordeste reforçam a lista de polos “não sudestinos” que têm chamado a atenção dos investidores. No caso de Recife, o trabalho de internacionalização do ecossistema e foco na realização de parcerias com empresas e órgãos estrangeiros já começou. Neste ano, o Porto Digital, um dos principais parques de tecnologia e inovação do Brasil, com sede na capital pernambucana, criou um braço internacional em Portugal, chamado Porto Digital Europa, com sede em Aveiro.

É do Recife, inclusive, outra startup destaque no prêmio BRICS Women’s Business Alliance: Women’s Startups Contest 2024. A PLUVI venceu na categoria Inovação e Infraestrutura na premiação. A deep tech – termo utilizado para definir empresas que estão na vanguarda da inovação, com base em avanços científicos e tecnológicos – se dedica a transformar a água da chuva em água potável através de soluções tecnológicas que permitem a captação, o tratamento e a distribuição da água pluvial, oferecendo uma alternativa sustentável para o abastecimento de água, especialmente em regiões com problemas de escassez hídrica.

Criada em 2021, mas fruto de um projeto nascido na Universidade Federal do Pernambuco há quase duas décadas, a PLUVI também é um exemplo de negócio que surgiu para solucionar um problema local. A ideia surgiu em 2006 com a pesquisa acadêmica da professora Sávia Gavazza, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que estudava formas de melhorar a qualidade da água das chuvas armazenada nas cisternas na região do semiárido brasileiro.

Isabelle Câmara, CEO e sócia-fundadora da PLUVI: vencer o prêmio BRICS Women’s Business Alliance: Women’s Startups Contest 2024 é vitória para própria trajetória das brasileiras no ecossistema de inovação global.

“Quando criamos a startup, queríamos levar essa tecnologia para regiões urbanas, para atender a mais pessoas e contextos”, explica Isabelle Câmara, CEO e sócia-fundadora da PLUVI. “Acabamos desenvolvendo uma solução que não só contribui para a segurança hídrica, mas também traz a dignidade de um banho de chuveiro à população carente, e que ainda consegue reduzir em até 30% o volume de água em períodos de pico de chuvas, ajudando na diminuição de riscos como o deslizamento de encostas e enchentes urbanas.”

Câmara destaca que o reconhecimento da PLUVI na premiação do BRICS também é, de certa forma, uma legitimação da própria trajetória das brasileiras no ecossistema de inovação global. “É um incentivo à representatividade. Somos um celeiro de ideias inovadoras e precisamos promover as colaborações, o networking com outras mulheres. Somos uma grande rede de conexões. Mulheres que sempre se apoiam”, avalia.

Representatividade

Foi o incentivo de outras mulheres, especialmente de sua mãe e sua tia, que fez Maria Eduarda Franklin, natural do Rio Grande do Norte, desde cedo se interessar por ciência e tecnologia. Hoje, aos 25 anos, graduada em Neurociências e em Engenharia Biomédica, ambos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ela é CEO e uma das fundadoras da Orby,Co, startup pioneira no desenvolvimento de um sistema de controle para neuromodulação não invasiva e automação da reabilitação funcional.

A solução, segundo a cientista, é projetada para integrar processos médicos, podendo ajudar na reabilitação da capacidade motora e na redução da sensação de dor para pessoas com condições neuromotoras, como Parkinson e lesão medular. “Ainda na faculdade, fui incentivada a não manter o meu trabalho apenas dentro da academia. Diferentes professores me disseram para ter coragem e levar as minhas descobertas para o mercado”, relembra a CEO.

Franklin escolheu outra mulher para estar ao seu lado no dia a dia da startup: Kalynda Gomes, cofundadora e estrategista de marca da Orby. Juntas, elas têm levado o negócio para o mundo. Recentemente, a Orby conquistou o Pitch Competition da Startup Portugal durante o Web Summit Lisboa 2024, um dos maiores eventos de tecnologia e inovação do mundo.

“Gerenciar o negócio é um trabalho abrangente, complexo. Mas precisamos mostrar às novas gerações que as meninas podem ser e estar onde elas quiserem. O Nordeste, em especial, tem uma tradição de criar grandes pensadores. E temos também inúmeros cases valiosos na ciência”, reforça Eduarda.

De acordo com o Sebrae, das 408 startups com foco
em impacto socioambiental listadas no país,
86 estão no Nordeste e 64 no Norte

Com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) no Brasil, no próximo ano, a oportunidade de empreendedores brasileiros apresentarem soluções sustentáveis para o mundo aumenta. “Não há dúvidas que o Brasil tem um grande potencial em um ecossistema de inovação voltado para questões ambientais e da bioeconomia”, Mieko.

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