As redes sociais como espaço fértil para o golpe

Em 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu a um dos momentos mais dramáticos da sua história recente: uma tentativa de golpe que teve como alvo as estruturas democráticas do país. Milhares de apoiadores do então ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, incitados por discursos de ódio e fake news que circulavam desenfreados nas redes sociais.

Dois anos depois, o processo de responsabilização continua, com centenas de condenações e a revelação de uma trama golpista envolvendo empresários, militares e aliados do ex-presidente. Enquanto o Brasil ainda enfrenta as consequências dessa tentativa de golpe, uma nova decisão da Meta — a gigante dona de plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp — levanta preocupações sobre o papel das redes sociais na incubação de discursos de ódio e desinformação.

O anúncio de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, de flexibilizar a moderação de conteúdo em suas plataformas, estabelecendo uma nova abordagem em relação à checagem de fatos e à remoção de conteúdos nocivos, é um exemplo claro de como as grandes empresas de tecnologia podem se alinhar ao discurso em nome da “liberdade de expressão”.

A Meta abandonou seu programa de verificação de fatos, que até então funcionava com a parceria de empresas especializadas, e anunciou que irá adotar um modelo mais permissivo, no qual os próprios usuários poderão colocar “notas explicativas” em postagens e onde conteúdos considerados “fora da sintonia com o discurso convencional” não serão mais alvo de remoções automáticas.

A alegação por trás dessa mudança é de que as redes sociais estariam sendo “censuradas”, em um claro ataque aos esforços de regulação, que, segundo Zuckerberg, cerceiam a liberdade individual.

Porém, em um contexto em que as plataformas digitais desempenham papel central na disseminação de informações, a ausência de checagem rigorosa de conteúdo pode ter consequências gravíssimas para a democracia. Durante os meses que antecederam os ataques de 8 de janeiro, foi nas redes sociais que os discursos golpistas e as fake news ganharam força, mobilizando milhares de brasileiros a se rebelarem contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas.

Informações falsas sobre o processo eleitoral, manipulação de dados sobre o sistema de votação e uma narrativa de fraude massiva nas eleições foram amplificadas por essas plataformas, sendo repetidamente disseminadas sem a devida contestação. A ausência de um sistema de checagem eficaz criou um terreno fértil para a radicalização, resultando em atos violentos contra o Estado Democrático de Direito.

O recuo da Meta em relação à moderação de conteúdo não ocorre em um vácuo. Ele está diretamente ligado ao crescente movimento de deslegitimação das políticas de moderação e regulação das plataformas digitais, frequentemente liderado por figuras políticas como o ex-presidente Donald Trump, com quem Zuckerberg tem se aproximado cada vez mais.

As redes sociais, como o Facebook e o Instagram, se tornaram canais poderosos para disseminação de ideologias extremistas, como ficou evidente nos ataques ao Capitólio, nos Estados Unidos, em 2021, e, mais recentemente, no Brasil. Ao permitir que as postagens questionáveis e até perigosas circulem sem a devida moderação, a Meta não apenas falha em cumprir sua responsabilidade social, mas também se torna um facilitador de ações golpistas e radicais.

É importante refletir sobre o impacto dessa flexibilização da moderação de conteúdo no cenário brasileiro. O 8 de janeiro não foi apenas uma reação à eleição de Lula; foi também um reflexo da radicalização de um segmento da população, alimentado por informações falsas e teorias da conspiração amplificadas nas redes sociais.

A decisão da Meta de reduzir as restrições sobre temas controversos, como migração e gênero, e diminuir os filtros contra conteúdos nocivos, não só coloca em risco a integridade da democracia, mas também alimenta um ambiente em que discursos de ódio e desinformação se multiplicam sem qualquer tipo de barreira.

Para piorar, essa flexibilização se dá em um momento crítico para o Brasil, onde as investigações sobre os atentados de 8 de janeiro ainda estão em curso. Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) trabalha para responsabilizar os envolvidos — que incluem desde manifestantes até figuras do alto escalão do governo de Bolsonaro, como os generais Braga Netto e Mauro Cid — as plataformas de redes sociais têm sido peças-chave no processo de organização e mobilização desses atos antidemocráticos.

A disseminação de fake news, a radicalização em grupos privados e a incitação à violência têm sido alimentadas por um ecossistema digital que, muitas vezes, favorece mais o engajamento e a polarização do que a verdade.

A liberdade de expressão, tão defendida por Zuckerberg, não pode ser confundida com a liberdade de espalhar mentiras, incitar ódio e minar as instituições democráticas. Ao flexibilizar as suas políticas de moderação, a Meta não está apenas colocando em risco a confiança dos usuários em suas plataformas, mas também contribuindo para um ambiente propício à radicalização política, que pode culminar em novos ataques ao Estado democrático de direito.

A decisão de Zuckerberg ecoa um alerta para todos nós: as grandes corporações de tecnologia não podem continuar ignorando o impacto que suas plataformas têm sobre a democracia e o tecido social. Quando a liberdade de expressão se torna um disfarce para a desinformação, a verdadeira ameaça à democracia se torna cada vez mais evidente.

Portanto, ao celebrarmos os dois anos do 8 de janeiro, é crucial ficarmos atentos sobre os desafios que ainda enfrentamos. O Brasil, após a tentativa de golpe, está em um processo de reconstrução e reafirmação da democracia.

No entanto, a flexibilidade das redes sociais em relação à checagem de fatos e à moderação de conteúdo pode colocar em risco essa reconstrução, permitindo que novos ventos golpistas se alimentem da desinformação. O que está em jogo não é apenas a liberdade de expressão, mas a sobrevivência da democracia.

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