Protestos no Afeganistão: bloqueios nas estradas como símbolo de resistência

Desde o final de 2024, o Afeganistão tem sido palco de uma nova forma de protesto pacífico: cidadãos, especialmente mulheres, bloqueando estradas principais para chamar a atenção do governo talibã e da comunidade internacional para suas demandas. Esses bloqueios, semelhantes aos sit-ins vistos em movimentos de resistência ao redor do mundo, representam uma estratégia criativa e poderosa para desafiar as políticas repressivas do regime talibã.

Os protestos emergiram em um contexto de grave crise econômica, repressão social e crescente desespero entre a população. Enquanto os bloqueios nas estradas refletem a resiliência do povo afegão, eles também destacam a complexidade de um cenário político marcado por violações de direitos humanos e a ausência de respostas eficazes por parte da comunidade internacional.

As origens desses bloqueios nas estradas podem ser rastreadas até as políticas repressivas do regime talibã, que retomou o poder em 2021. Entre as restrições mais controversas estão as impostas às mulheres, incluindo a proibição de falar ou cantar em público, trabalhar fora de casa e frequentar escolas. Essas medidas, que têm como objetivo silenciar as vozes femininas, geraram revolta em diversas comunidades.

Movimentos de desobediência civil começaram a ganhar força em 2023, mas foi no final de 2024 que os bloqueios nas estradas se tornaram uma estratégia central de resistência. Inspirados por táticas de movimentos pacíficos globais, esses protestos foram inicialmente organizados por redes femininas secretas, que usavam plataformas digitais para coordenar ações. Apesar das ameaças e da repressão violenta por parte do Talibã, as manifestações se espalharam por várias províncias, incluindo Cabul, Herat e Kandahar.

Além da repressão social, a crise econômica foi um catalisador significativo. Com cerca de 85% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, a falta de acesso a recursos básicos, como alimentos e medicamentos, tem gerado indignação generalizada. Os bloqueios nas estradas, portanto, não são apenas uma forma de protestar contra as políticas do Talibã, mas também um grito por sobrevivência em meio a uma crise humanitária sem precedentes.

As demandas dos manifestantes refletem uma busca por direitos civis, econômicos e sociais. Uma das principais reivindicações é a revogação das leis que restringem a participação feminina na vida pública, permitindo que mulheres estudem, trabalhem e expressem suas opiniões sem medo de represálias. Este ponto tem sido central nos protestos, destacando a luta pela igualdade de gênero em uma sociedade historicamente dominada por valores patriarcais.

Outra exigência fundamental é a implementação de um plano emergencial para aliviar a pobreza extrema e criar oportunidades de emprego. A população enfrenta níveis alarmantes de fome, enquanto o desemprego afeta homens e mulheres de todas as idades, ampliando o desespero coletivo. Os manifestantes também pedem garantias de liberdade de expressão e reunião, defendendo o direito de protestar pacificamente sem temer represálias, prisões arbitrárias ou execuções sumárias.

Essas demandas não são apenas uma reação às políticas repressivas do governo, mas também uma tentativa de mobilizar a sociedade afegã e a comunidade internacional para pressionar por mudanças estruturais. Os bloqueios nas estradas têm servido como um canal para amplificar essas vozes, apesar dos riscos enfrentados pelos participantes.

O papel dos Estados Unidos no Afeganistão continua a ser tema de intensos debates, especialmente após a retirada em 2021. Desde então, Washington tem se concentrado em condenar publicamente as violações de direitos humanos no país, enquanto aplica sanções econômicas e diplomáticas contra o regime talibã. No entanto, muitos críticos argumentam que essas medidas têm um impacto limitado no governo talibã, ao mesmo tempo em que pioram as condições de vida da população civil.

Relatórios recentes apontam que o governo americano precisa superar o “trauma” de duas décadas de guerra para adotar uma postura mais proativa no apoio à população afegã. Grupos de direitos humanos têm pressionado Washington a oferecer mais assistência humanitária direta e a criar canais diplomáticos para negociar com o Talibã a liberação de restrições draconianas, especialmente contra mulheres.

Adicionalmente, a retirada desorganizada dos EUA continua a ser um ponto de tensão política interna. O fracasso em garantir uma transição estável após a saída das tropas é frequentemente citado como uma das causas da deterioração acelerada da situação no Afeganistão. Enquanto isso, a comunidade internacional, incluindo os EUA, enfrenta o dilema de como lidar com um regime amplamente considerado ilegítimo, mas que controla grande parte do território afegão.

Os bloqueios nas estradas, como forma de protesto no Afeganistão, são um testemunho da coragem e da determinação do povo afegão em sua luta por direitos básicos e dignidade. Embora pacíficos, esses protestos têm sido enfrentados com violência pelo regime talibã, que busca silenciar qualquer forma de dissidência.

A resposta internacional, incluindo a dos Estados Unidos, continua a ser insuficiente diante da magnitude da crise. Enquanto os manifestantes continuam a arriscar suas vidas em busca de mudanças, o mundo enfrenta o desafio de apoiar sua causa de maneira eficaz, sem agravar as condições já devastadoras no país. O futuro do Afeganistão dependerá, em última análise, da resiliência de seu povo e da capacidade da comunidade global de agir com firmeza e humanidade.

Antônio Caiado | Foto: Acervo Pessoal

*Antônio Caiado é brasileiro e atua nas forças armadas dos Estados Unidos desde 2009. Atualmente serve no 102º Batalhão de Operações de Informação como Primeiro Sargento (1SG), liderando grupos de soldados em busca de informações que possam facilitar as estratetgias militares americanas em solo estrangeiro.

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