Expansão naval da China acende alerta nos EUA sobre presença militar e civil nos mares

A disputa estratégica entre China e Estados Unidos fez acender em Washington um alerta em uma de suas áreas de expertise, que ao longo das últimas décadas lhe garantiu uma posição de dominância: o poder naval. Observando os investimentos crescentes de Pequim e a maior presença chinesa em rotas marítimas e portos pelo mundo, um número cada vez maior de vozes tem advogado por uma maior atenção aos fatores militares e civis relacionados ao domínio dos mares.

A soberania naval sempre foi uma prioridade e um tema de importância estratégica para os EUA, que se projetaram como uma potência global a partir de sua Marinha. A frota americana foi um importante ativo na Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria, e ainda hoje garante uma atuação ampla do Mar Vermelho ao Mar do Sul da China, além da defesa das costas Atlântica e Pacífica do país. Mudanças na distribuição estratégica de ativos, contudo, motivam as preocupações atuais.

Ao contrário de 1960, quando os EUA detinham cerca de 17% do total de navios de carga do mundo, o percentual da frota atual é inferior a 1%, de acordo com um levantamento realizado pelo Wall Street Journal. Em contrapartida, Washington viu seu principal adversário econômico e estratégico aumentar os investimentos na indústria naval e na ampliação de sua presença naval.

Apenas a CK Hutchison Holdings, empresa sediada em Hong Kong, opera 53 portos em 24 países, incluindo na Austrália, Holanda e Reino Unido — além de dois portos instalados nas extremidades do Canal do Panamá, controlados pela Hutchison Ports PPC, que faz parte da companhia principal. A presença na importante rota da América Central, por onde passam 40% dos contêineres americanos, rendeu declarações do presidente eleito, Donald Trump, que sugeriu retomar o controle do canal.

Embora Trump tenha sido desmentido por autoridades panamenhas sobre suas sugestões de que há militares chineses no canal — apontada por especialistas como um sinal de uma possível narrativa expansionista americana —, Brian Hughes, porta-voz da equipe de transição Trump-Vance, disse em uma declaração que “o controle chinês do Canal do Panamá representa uma ameaça à segurança nacional dos EUA”.

Ele apontou para o depoimento da general Laura J. Richardson, chefe do Comando Sul dos EUA, perante o Congresso americano no ano passado, em que ela afirmou que os investimentos chineses em infraestrutura servem como “pontos de acesso multidomínio futuro” para os militares chineses.

Michael R. Wessel, ex-integrante da Comissão de Revisão Econômica e de Segurança EUA-China, uma agência governamental que examinou a questão da segurança portuária, disse que a influência sobre os portos é importante por uma variedade de razões, incluindo influência política e econômica e o potencial de vigilância.

Noventa por cento da carga militar dos EUA viaja em navios comerciais, disse ele, dando aos operadores portuários uma visão quando o governo intensifica as operações em certos lugares. A propriedade do porto também pode fornecer pistas sobre como o governo dos EUA rastreia a carga em busca de riscos de segurança, o que pode tornar mais fácil escapar desses esforços.

— Ser um operador de porto ou terminal lhe dá a capacidade de acessar ou ter conhecimento do que o governo dos EUA está procurando, quais contêineres podem ser alvos de avaliação extra — disse Wessel em entrevista ao New York Times.

Medidas em pauta

O secretário da Marinha, Carlos Del Toro, defendeu um foco na “arte de governança marítima”, enfatizando a importância da navegação comercial para a Marinha em tarefas que incluem reabastecimento de navios e transporte de suprimentos militares vitais. Ele pressionou pelo apoio a estaleiros americanos que constroem não apenas navios de guerra, mas também embarcações comerciais.

Um ponto apontado como importante pelo secretário é a expansão da Marinha Mercante dos EUA, um corpo de marinheiros comerciais que pode auxiliar a Marinha em tempos de guerra e cujas fileiras despencaram nas últimas décadas. Autoridades do governo e da indústria estimam que os EUA agora tenham menos de 10 mil marinheiros mercantes, em comparação com cerca de 50 mil em 1960.

— Não sou tolo o suficiente para pensar que será fácil — disse Del Toro em uma entrevista ao New York Times a bordo de um navio de carga da Marinha. — Mas temos que começar de algum lugar.

Autoridades da Marinha e da indústria naval americana esperam que um ponto de partida possa ser uma legislação bipartidária recentemente apresentada na Câmara, o Shipbuilding and Harbor Infrastructure for Prosperity and Security for America Act (Lei de Construção Naval e Infraestrutura Portuária para a Prosperidade e Segurança da América, em tradução livre).

O SHIPS Act, como é conhecido, propõe revitalizar a construção naval e o transporte marítimo ao longo de mais de uma década, ao mesmo tempo em que reconstrói a Marinha Mercante. Ele exige recursos e envolvimento no nível da Casa Branca comparável às políticas de energia, semicondutores e aviação.

Se aprovado, seria a primeira grande parte da legislação marítima desde 1936. (Com NYT)

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