O mercado chinês com 75 mil lojas que vende de tudo – até sua decoração de Natal

Yiwu, China* – Yiwu, uma cidade no leste da China desconhecida pela maioria dos brasileiros, planeja que seu nome reverbere mais mundo afora. Faz sentido. A cidade é a capital global das “pequenas commodities”. O International Trade Center reúne 75.000 lojas em cinco distritos que vendem praticamente de tudo. Saem dali, 25% dos brinquedos que são vendidos em todo o planeta. E em época de natal outra estatística estarrece: quase 80% das decorações natalinas do mundo saem de lá. É a legítima materialização do slogan Made in China.

Ao se adentrar no International Trade Center, a sensação é labiríntica — e estranhamente familiar, embora mais organizada, para quem já se aventurou pelas galerias da rua 25 de Março em São Paulo.

São milhares de pequenas cabines que expõem 2 milhões de produtos de todo tipo. A expressão aqui não é mera figura linguagem. Uma pessoa demoraria 15 meses se visitasse cada loja por três minutos. Basicamente, todo o portfólio de produtos aleatórios que os brasileiros veem no TikTok em posts viralizados pode ter vindo de lá.

São 4 quilômetros quadrados, divididos atualmente em cinco distritos. Cada prédio tem até cinco andares de altura, e cada piso comporta 1.100 lojas. Os andares são divididos tematicamente: há o andar das bijuterias, o das malas, o dos eletrônicos… Um novo distrito, voltado para produtos de alta tecnologia, está sendo construído e deve ser entregue no próximo ano.

A equipe da EXAME caminhou pelos corredores e conversou com empresários locais. Não éramos os únicos estrangeiros. Ouvia-se bastante espanhol, árabe e russo pelos corredores.

O Brasil é o 6º país que mais importa mercadorias de lá, atrás de Estados Unidos, Índia, México, Holanda e Emirados Árabes Unidos.

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Uma pequena loja era forrada, do teto ao chão, de ímãs de geladeira e outros souvenirs — daqueles que se encontra em quaisquer lojinhas de lembranças ao lado da Torre Eiffel, em Paris, ou na Times Square, em Nova York. Ali, três colombianos negociavam os detalhes de sua próxima encomenda na China para a rede de lojas que têm em Medellín. “Estamos aqui de três em três meses aproximadamente”, disse à EXAME um deles, que não se identificou

Na frente dessa loja, havia outra cabine, de decoração de natal. Apenas três prateleiras estavam viradas para fora. Nelas, estava kits de pacotes de papelão. Na primeira, estampava-se um Papai Noel pintado aos moldes da arte naiff —  com traços que lembram desenhos infantis.

A segunda prateleira chamou a atenção de brasileiros: tinha a mesma temática natalina, mas com os dizeres “Feliz Natal”. Impressiona, pois somente se deseja um bom natal assim em português. “São os os best-sellers”, disse a vendedora.

As pequenas lojas servem de lembrança de que a China é, de fato, a grande fábrica global. E Yiwu é uma das maiores fábricas da China.

Tradição do comércio

Um centro de comércio histórico, Yiwu passou a ter uma zona especial de livre comércio em 1978. O crescimento foi significativo. A região exportou 500 bilhões de yuans em 2023, cerca de US$ 69 bilhões. O PIB local é de 205 bilhões de yuans (US$ 28,5 bilhões), cujo crescimento projetado pelo governo é de 7,5% em 2024.

Nos anos 70, o atual mercado de 4 quilômetros quadrados era apenas um amontoado de barracas de rua. As vias da cidade mal tinham pavimentação.

A historiografia oficial e os pesquisadores citam 1982 como o ano que marcou o início formal do mercado atacadista de Yiwu, escreve o pesquisador Linliang Qian, da Universidade Nacional da Austrália, no paper “Refazendo “a capital mundial das pequenas mercadorias”: A internacionalização e digitalização de Yiwu“.

Isso ocorreu graças a um evento específico: o encontro entre o então secretário do Partido de Yiwu, Xie Gaohua, e uma vendedora do mercado negro chamada Feng Aiqian. “Ao ver Xie em frente ao escritório do condado, Feng se aproximou dele e perguntou por que o governo estava continuamente impedindo-a de administrar um pequeno negócio para sustentar sua família. Durante a conversa, Xie entendeu a situação e concedeu a Feng permissão para “temporariamente” continuar vendendo seus produtos”, anota o pesquisador.

Discutia-se então a natureza do comércio – seria socialista ou capitalista? –, o que representava riscos políticos à decisão de Xie. Ele optou por formular uma política de “quatro permissões”: permitir que agricultores negociassem, permitir o comércio de longa distância, permitir o funcionamento de mercados urbanos e rurais e permitir a concorrência por múltiplos canais. Em setembro de 1982, o governo local anunciou oficialmente a abertura do mercado Huqingmen de primeira geração, onde a primeira licença comercial foi concedida a Feng Aiqian. E o mercado cresceu rapidamente.

Até meados da década passada, os empresários locais estavam satisfeitos em ser revendedores de “produtos neutros”. Ou seja, fazia mais sentido buscar no sistema fabril local por mercadorias que eles pudessem revender globalmente, sem marca.

Agora, os negócios da cidade buscam ir além da produção em massa e tentam criar marcas para competir internacionalmente com produtos do Ocidente.

É o caso da empresa Jortan, que fabrica câmeras de vigilância. Eles exportam 2 milhões de unidades anualmente ao Brasil, maior comprador da mercadoria e responsável por 40% da receita. A venda para cá começou há 20 anos, e a companhia projeta uma meta agressiva de chegar a 3 milhões de unidades vendidas ao país em 2024, com uma nova linha de produção.

“Antes, nossa marca era Made in China. Agora, mudamos para nossa própria marca e estamos dispostos a investir em marketing. Nossa mente não era tão aberta”, diz uma funcionária do CCC Group, conglomerado de comércio exterior local que abastece 60% do mercado de esmaltes de El Salvador, na América Central, com seus produtos.

O volume do comércio de exportação de Yiwu cresceu rapidamente em 2012 e 2013 após a aprovação pelo Conselho de Estado, em 2011, de um programa piloto para a reforma abrangente do comércio internacional, segundo a Xinhua, veículo de comunicação estatal chinês.

Nessa mesma época, a região também passou a se tornar uma potência do e-commerce, cujas transações saltaram de 115 bilhões de yuans para 390 bilhões de yuans de 2014 a 2022. Atualmente, são mais de 600 mil empresas de comércio digital ativas na cidade, segundo o governo local.

Em dezembro deste ano, o Conselho de Estado chinês aprovou o plano geral para aprofundar as reformas de comércio internacional em Yiwu, em especial no comércio para a Europa por meio de um canal logístico ferroviário que liga a China a Madri, na Espanha. A expectativa é de uma novo boom econômico.

Cidade nova

A cidade, como quase tudo o que se vê na China, é nova: ruas, praças, o transporte público; tudo é recente.

Yiwu, com 1,8 milhão de habitantes, tem uma das maiores rendas per capita do país entre cidades com seu porte — na China, há sete níveis administrativos, de província a vila — e ocupou o primeiro lugar entre todos os condados chineses por 15 anos consecutivos. Nas ruas, Ferraris, Porsches e Teslas desfilam pelas vias de trânsito organizado.

“Vou para Yiwu desde 2008. Já são 30 viagens”, diz Rodrigo Giraldelli, dono da empresa especializada em importação ChinaGate, que detém uma sede com sete funcionários na cidade. “Acabei virando um embaixador informal. Quando ninguém falava sobre, eu já ia lá.”

“Quando cheguei, havia muitas fábricas de chão batido. O trânsito era caótico, havia mercadoria por todos os lados. Não havia prédios”, prossegue. “Nas cidades menores da China dá para sentir muito a mudança do país. A cada ano que se for para Yiwu se verá uma cidade diferente. Agora estão fazendo metrô. Há 14 anos, peguei um coletivo do hotel em que eu estava. O trânsito congestionou. O coletivo pegou a contramão, e foi por 2 quilômetros na contramão na frente dos outros carros. Hoje, é super organizado.”

* O editor viajou a convite do China Media Group

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