Se a economia define eleições, eleitor buscará melhores exemplos em 2026

Na crônica política, o clichê é “a economia define as eleições”. Há jornalistas que levam o adágio tão a sério que traçam a história presidencial brasileira unicamente pela perspectiva da satisfação ou do descontentamento popular com as finanças. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) teria conquistado o segundo mandato pelo sucesso do Plano Real, Lula da Silva (PT) teria sido reeleito e feito a sucessora de 2002 a 2014 pelo boom das commodities e pelo sucesso das políticas liberais dos ministros Palocci e Henrique Meirelles. Dilma (PT) teria caído pela crise de 2015. 

Como qualquer clichê, este está correto na média das vezes. Temer (MDB) foi o presidente mais impopular do Brasil desde a redemocratização, com rejeição de 74%, mas foi ele quem derrotou a crise gerada no governo anterior, derrubando a Selic de 14,25% para 6,50% e a inflação (IPCA) de 9,32% para 2,76% em 2016. Bolsonaro (PL) não foi reeleito em 2022, mas o PIB cresceu 4,6% em 2021, maior taxa desde os governos Lula. 

Acontece que, sem contextualização, os indicadores não contam a história inteira. Em 2017, no governo Temer, 2 milhões entraram para a faixa pobreza extrema, segundo o IBGE. Além disso, para metade dos brasileiros, a imagem política de Temer ficou caracterizada como a de um conspirador durante o processo do impeachment de Dilma. No caso de Bolsonaro, o crescimento de 2021 se explica pela queda provocada pela pandemia em 2020 — e a condução da saúde no período foi catastrófica. Há mais do que economia, mas, na média, a economia é definidora. 

Assim, o governo se aproxima das eleições de 2026 com uma crise encomendada. O dólar quebrou recordes, chegando a R$ 6,30 (até a publicação deste editorial), e o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central aumentou a taxa Selic para 12,25% ao ano, com previsão de novo aumento de um ponto percentual nas próximas reuniões. Pior ainda é o contexto: em entrevista ao Fantástico no dia 15, Lula afirmou que não há problema fiscal no Brasil, e que o único problema é a taxa de juros do BC. Em outras palavras, sinalizou que não está comprometido com a solução da situação. 

Pelo contrário — pelo que tudo indica, até 2026, o governo e seus defensores vão fingir que tudo vai conforme o esperado. Apontarão (sem mentir) o crescimento do PIB, que foi revisto para 4%, e do desemprego, que caiu a 6,2% em 2024. Como nos casos dos bons indicadores econômicos de Temer e Bolsonaro, entretanto, esses números sozinhos não contam a história inteira. 

Em 1º de janeiro de 2025, o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, que foi indicado por Lula, assumirá a presidência da instituição, e o governo terá de eleger um novo inimigo fora do BC. A pressão sobre Galípolo pela redução da taxa de juros explica em parte o receio de que o Brasil possa não conseguir equilibrar suas contas. Se a interferência surtir efeito, o país terá um bode expiatório (tradicionalmente presidentes usam o abstrato “mercado” como inimigo interno que sabota suas excelentes intenções), mas também terá mais inflação, menor poder de compra e qualidade de vida.

Bolsonaro também elegeu o mercado como inimigo em 2021 ao chamá-lo de “nervosinho” por aumentar as taxas de juros “por qualquer negocinho” e dizer que lhe faltava “patriotismo”. A linguagem vaga é conveniente, porque nenhum brasileiro se identifica com hipotéticos neoliberais de cartola. Cabe tornar concreto: toda pessoa física com dinheiro no banco participa indiretamente do mercado; empresas, seguradoras, fundos de pensão e qualquer um que faça investimentos participa de forma direta.  

O aumento na taxa de juros por aquilo que Bolsonaro caracterizou em outubro de 2021 como “qualquer negocinho” se deveu à mesma motivação que eleva as taxas de juros hoje: déficit público (gastos do governo acima da receita). Naquela ocasião, os gastos vinham na forma do estouro do teto de gastos. Em 2022, o déficit veio da gastança para estimular crescimento que favorecesse Bolsonaro nas eleições. 

Atualmente, o déficit se explica pela desmoralização do Arcabouço Fiscal e desidratação dos pacotes de corte de gastos. O ministro da Fazenda Fernando Haddad já disse acreditar piamente no déficit zero, e lembrar dessa promessa hoje, quando o déficit acumulado desde janeiro é de R$ 64 bilhões, faz sua credibilidade ir pelo ralo. A dívida pública é de 77% do PIB e deve chegar a 100% em 2030, segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI). É exatamente por desacreditar na capacidade do governo de equilibrar as contas que investidores preferem aportar seus recursos em dólar, fazendo-o chegar a R$ 6,20.

A preocupação dos investidores é de que, com descontrole fiscal, o governo tenha cada vez mais dificuldade de se financiar. Em geral, o mercado exige juros maiores como prêmio pelo risco de emprestar dinheiro nesse cenário, mas, dada a névoa da influência sobre Galípolo, podemos chegar a um momento em que o governo não consiga dinheiro emprestado. Avança-se então para uma emissão de moeda, que eleva ainda mais a inflação. O medo, enfim, é de que a coisa saia do controle mesmo com a venda de dólares pelo BC. 

Haddad e a equipe econômica do governo sabem de tudo isso; sabem que são moinhos de vento os gigantes inimigos do mercado, BC, Faria Lima. Em suas tentativas de controlar as contas, deixam ainda transparecer ainda outra crença: a de que não vale a pena tentar de fato sanear as finanças até 2026 por conta do desgaste político. 

O texto básico do primeiro pacote de corte de gastos foi aprovado nesta quarta-feira, 18. Foi vetada a autorização do governo para limitar a concessão de créditos tributários, por exemplo. Por essa e outras, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos) afirmou à TV Senado: “O pacote de ajuste fiscal, que chamo de pacotinho, é claramente insuficiente e deve passar porque, apesar da necessidade de cortes mais profundos, parlamentares estão condicionando a votação à liberação de emendas, o que é lamentável.” 

Para 2025, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) projeta que o PIB crescerá 3,5% em 2024, mas vai desacelerar para 2,4% em 2025 devido ao aumento da taxa Selic. A retomada do ciclo de alta dos juros deve afetar negativamente os investimentos. Se a lógica se mantiver, o Brasil pode se aproximar das eleições presidenciais em 2026 com ânimo de mudança, e não de continuidade. Contraditoriamente, a escolha evitar problemas políticos pode gerar a condição econômica que exige solução política. 

Nesse cenário hipotético, quem ganharia força é a corrente política com o discurso contrário. Em 2026, se Lula insistir em um gaslighting com o eleitor, afirmando que está tudo perfeito, que sua via é a única alternativa contra o fascismo, que as coisas estão caras por conta de inimigos imaginários, então caberá à direita apontar o óbvio. O aumento do custo de vida causado pelo dólar, juros e inflação será inegável. Em um cenário de mudança, o eleitor tende a ir com o lado que apresenta propostas, e não com aquele que procura culpados (como ficou provado na eleição municipal de Goiânia em 2024).

Dentro das direitas, se sobressairá aquela com sucessos em seu currículo para apresentar. Goiás, por exemplo, mostrou como equilibrar o déficit. Ronaldo Caiado (UB) assumiu em 2018 com R$ 4 bilhões em dívidas (proporcionalmente ao PIB o valor é muito maior do que o déficit público brasileiro) e inúmeras obras paralisadas. De acordo com os últimos dados do Instituto Mauro Borges (IMB), Goiás cresceu 8% em setembro de 2024 em comparação com o mesmo período do ano passado — o dobro do crescimento nacional. Em 2022, Goiás cresceu 6,6% ao ano. Em 2023, cresceu 4,4%. Bem acima do crescimento nacional.

Em outubro de 2026, o Brasil poderá olhar para o que Goiás fez quando necessitou equilibrar as finanças. O estado entrou no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e cortou gastos. O RRF, aliás, não deve ser visto como uma saída fácil. Desde 2019, o Jornal Opção alerta que o regime é um “remédio muito amargo”, e que nem todos os estados saem maiores dele — Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul também estão no regime, mas não chegaram perto do resultado goiano. 

Desde a última semana, com a aprovação pelo Legislativo do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), a expectativa é de que Goiás chegue ainda maior a 2026. O programa permitirá que o governo estadual invista mais do que tem sido autorizado até agora. Isso ajudará a desmontar os argumentos de parte dos defensores do governo federal: “desenvolvimento social é sinônimo de fundos perdidos”; “a classe média tem de pagar mais impostos pelos programas sociais”; “o mercado nos combate por ódio aos mais pobres”.

Nesses anos de equilíbrio fiscal, Goiás atingiu a menor taxa de pobreza de sua história, segundo o IBGE. Em 2013, apenas 1,3% da população vivia com renda domiciliar per capita inferior a R$ 210. O índice está muito abaixo da média nacional, de 4,5%. Como foi possível criar programas sociais em um cenário de corte de gastos e perda de impostos do ICMS dos combustíveis? Um bom primeiro passo é focar na gestão e deixar de combater moinhos de vento. 

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