A trágica história de Manuel Luiz Nogueira (ou D. Pedro I aqui e lá em Portugal)

Fiz, anos atrás, em uma crônica sobre Portugal, a afirmativa de que, em geral, cada placa de rua em uma cidade portuguesa guarda uma notícia de interesse histórico, muitas vezes relacionada com o Brasil. É natural: a história de Portugal é uma das mais ricas, senão a mais rica dos atuais países constituídos. Em um desses dias, caminhando por Aveiro, deparei-me com uma ruazinha do centro da cidade, cuja placa rezava: Rua de Manuel Luiz Nogueira – um dos justiçados de 1828. Curioso, fui ler a respeito e vai aqui algo da história – trágica – de Manuel Luiz Nogueira, com nosso D. Pedro I (que em Portugal é D. Pedro IV) de permeio.

O Absolutismo, teoria política predominante na Europa durante os séculos XVI e XVII, tinha como a base a concentração de poderes nas mãos de um monarca (ao qual às vezes se atribuía uma concessão divina desses poderes) cujo desejo era lei. Era a ditadura de então. A corrente filosófica que passou a se chamar Iluminismo (John Locke, Hobbes, Rousseau, etc.) contestaria no século XVIII esses poderes absolutos dos reis, alegadamente divinos, e daria origem ao Liberalismo, teoria política com base em liberdade e igualdade. Em Portugal, entre 1832 e 1834, absolutistas e liberalistas (ou liberais) entrariam em verdadeira guerra civil, com uma vitória dos últimos. E nosso imperador D. Pedro I teria muito a ver com isso.

D. Pedro I, após declarar a independência do Brasil em 1822, proclamar-se imperador e assinar um tratado de reconhecimento e paz com Portugal, em 1825, perdeu os direitos à Coroa Portuguesa, da qual seria, até então, o herdeiro natural. O herdeiro passaria a ser o seu irmão mais novo, D. Miguel. Com a morte de D. João VI em 1826, contudo, mesmo à distância, D. Pedro reclamou a sucessão portuguesa para si (como D. Pedro IV, de Portugal), abdicando em benefício de sua filha mais velha, Maria da Glória (nascida no Rio de Janeiro), de apenas sete anos de idade, e apontando o irmão D. Miguel como regente até a maioridade da rainha.

D. Miguel deveria ainda casar-se com a sobrinha (até licença do Papa foi preciso conseguir, devido à consaguineidade). Além disso, outorgou uma Carta Constitucional de caráter liberal, que fez D. Miguel jurar. Ele, que era absolutista, engoliu a contragosto o arranjo, mas em 1828, rebelou-se e conseguiu ser proclamado rei pelas cortes portuguesas. Seu reinado duraria apenas seis anos e não seria nada tranquilo. Inconformado, D. Pedro I abdicou no Brasil em favor de D. Pedro II e, em 1931, se abalou para a Europa, onde juntou uma força de portugueses liberais e mercenários (ingleses principalmente) e derrotou o irmão absolutista D. Miguel I, em 1834. Enviou-o para o exílio na Alemanha, onde morreu em 1866, e restaurou, no trono, a filha, com o nome de D. Maria II.

Foi a última façanha de nosso irrequieto imperador. D. Pedro I morreu ainda em 1834, de uma tuberculose, no próprio palácio de Queluz, em Sintra, próximo a Lisboa, onde havia nascido. Tinha apenas 35 anos. Mas onde surge Manuel Luiz Nogueira? – perguntará, naturalmente, o leitor.

Quando as Cortes Gerais do reino se reuniam para proclamar D. Miguel rei de Portugal, em maio de 1828, já grassava a insatisfação entre os liberalistas por ver um absolutista chegar ao trono e já começava, na pequena cidade de Aveiro, uma revolta liberal, chefiada pelo desembargador Joaquim José de Queiroz – por sinal, avô de Eça de Queiroz -, e por outros civis importantes, a que aderiu o Batalhão de Caçadores sediado na cidade e comandado pelo Coronel José Júlio de Carvalho.

Entre os civis estava Manuel Luiz Nogueira, que desempenhava na cidade o cargo de Juiz de Fora. Juízes de fora eram juízes designados pela Corte para desempenharem sua função em localidades fora de suas cidades de origem e residência, para assegurar sua imparcialidade – daí o nome. Os conjurados, civis e militares se deslocaram para a cidade do Porto, onde contavam com uma adesão maciça para a deposição de D. Miguel I, que consideravam um usurpador. Mas a revolta só durou até julho, com alguns revoltosos presos e muitos exilados (inclusive o avô de Eça). D Miguel não perdoou os chefes, principalmente os aveirenses.

Esses foram enforcados, decapitados e tiveram as cabeças expostas em pontos centrais da cidade. Entre eles, Manuel Luiz Nogueira, hoje homenageado com seu nome na rua central de Aveiro, que me despertou a curiosidade. Os despojos dos seis aveirenses enforcados e decapitados foram mais tarde, com a queda de D. Miguel, enterrados na cidade, e um monumento foi erguido em sua homenagem, além de serem lembrados, também os outros, com nomes de logradouros públicos, como aconteceu com o juiz de fora Manuel Luiz Nogueira. O afamado pintor português Lima de Freitas (1927-1998), ilustrador de muitas obras históricas portuguesas, é autor de um desenho que mostra a cabeça de Manuel Luiz Nogueira tal como exibida na cidade de Aveiro.

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