A fazenda da produtora rural Thamires Nitrini fica a pouco mais de 40 km da cidade de Rio Verde, no distrito de Ouroana, cidade às margens do rio São Francisco. O terreno de 133 hectares é comandado pela produtora e mais dois funcionários que operam na região. Natural do interior de São Paulo e formada em engenharia agrônoma pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), Thamires era analista de mercado de uma multinacional exportadora do agro na pequena cidade de Bebedouro.
Contudo, tudo isso mudou em 2021 quando decidiu tentar a sorte na produção de soja no sudoeste goiano. Desde o começo das atividades, Thamires usava os chamados créditos rurais, empréstimos com juros para arcar com produção agropecuária.

De maneira geral, os recursos são aplicados em diferentes finalidades, do custeio de insumos, do investimento em bens e serviços, de comercialização e industrialização. No mercado atual, existem dois principais tipos de empréstimos usados pelo Agro que se diferenciam nos juros aplicados para o repasse: aqueles que têm os juros subsidiados pelo Governo Federal e Estadual por meio de bancos públicos, e os que são emprestados por bancos e instituições financeiras privadas, contudo a juros elevados do mercado.
Os juros dos créditos subsidiados anuais são divididos em diferentes faixas, sendo de 5% e 6% para os pequenos produtores, de 7% e 8% para os médios e 9% e 12% para os grandes produtores rurais. Anualmente, um novo Plano Safra é desenhado no Congresso Nacional junto ao Executivo e funciona da segunda metade de um ano vigente até a primeira metade do ano seguinte, com as linhas subsidiadas em bancos públicos.
Em 2024 e início de 2025, o valor liberado para o Plano Safra foi de R$ 475,5 bilhões, sendo R$ 16,7 bilhões para a equalização dos juros, ou seja, o abatimento dos custos de empréstimos para beneficiar os produtores rurais a partir do Tesouro Nacional. Estes investimentos são chamados de recursos não controlados, nos quais o governo promove o empréstimo por meio de bancos públicos ou privados com juros específicos. Para 2025, a equalização dos juros deve ficar ao que foi acordado pela Lei Orçamentária Anual de 2025 (LOA 2025) no valor de R$ 15,03 bi.
Com a chegada da segunda safra para o plantio da soja em junho, Thamires olha as linhas de crédito com mais cautela pelo aumento da taxa básica do juro (Selic) efetuado pelo Banco Central (BC). Em maio de 2025, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) aumentou a Selic para 14,75%, o maior valor em 20 anos. Dois meses antes, a taxa sofreu alteração de um ponto e chegou a 14,25%, saindo de 13,25% no mês de janeiro. O valor da taxa é revisado a cada 45 dias pelo Copom e pode sofrer mais uma alteração em julho.
O acréscimo da Selic para níveis históricos despertou olhares preocupados para o empresariado brasileiro que observa o futuro com possíveis dificuldades para captação de investimentos. A elevação da taxa também afetou o Plano Safra que teve de ser aditivado em mais R$ 4 bilhões via crédito extraordinário do governo dado a rápida ascendência da Selic entre a confecção da Lei Orçamentária de 2025 e a elevação da taxa nos meses seguintes. Junto a isso, ligou o alerta no Ministério da Agricultura e da Pecuária (Mapa), encabeçada pelo ministro Carlos Fávaro, para como deve ficar o próximo Plano Safra de 2025/2026. A exceção são os recursos destinados à agricultura familiar do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que não deve sofrer grandes alterações.
Caso os empréstimos fiquem mais caros, pequenos produtores como a Thamires podem ver a sua principal fonte de investimento se esvaziando. “Desde que eu comecei eu procurei essas linhas [de crédito] mais baratas, e eu sou bem dependente dessas linhas para compras de insumos à vista para que eu possa ter caixa para rodar a safra”.
Plano da produção rural
Para o engenheiro agrônomo e consultor de mercado da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Enio Fernandes, as linhas são essenciais para a manutenção da atividade rural, não só no Estado, mas como em todo território nacional devido a produção e necessidade de investimentos contínuos.
“A atividade agrícola é uma atividade intensiva em uso de capital. O produtor tá sempre precisando de capital, principalmente no Cerrado, porque ao colher ele já entra plantando de novo. Ele colhe a soja, já entra plantando o milho. Quando ele colhe o milho, ele já está preparando o solo para plantar a soja novamente”, afirma.
Pela alta da Selic, Fernandes estima que as linhas de crédito podem vir mais caras por causa do aumento do valor que o Governo precisa “pagar” para custear os empréstimos. Mesmo uma alteração pequena de 1 a 2% nos créditos pode ter uma repercussão nos valores das contas dos ruralistas que pode levar a uma redução na produção para arcar com custos maiores.

Além da diminuição da produção, o agrônomo estima que caso a Selic permaneça em alta por muito tempo os pequenos produtores e médios produtores possam ter dificuldades na captação de investimento com as entidades financeiras devido a falta da confiança na amortização dos recursos. Por causa do alto custo do agro o uso de capital, bancos podem limitar as linhas de crédito para produtores menores com exigência que nos contratos inviáveis para os pequenos produtores se comparado com as empresas de grande porte.
Crédito cada vez menor
A diminuição do uso das linhas de créditos foi evidenciada no Estado de Goiás, segundo dados obtidos pelo Jornal Opção junto a Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) que mostram uma redução na aplicação dos recursos financeiros. De julho de 2024 a abril de 2025 a aplicação de crédito rural em Goiás foi de R$ 26,22 bi, valor 24% menor se comparado ao mesmo período de 2024 com R$ 34,95 bi. O valor de 2025 também é menor se comparado com a mesma faixa de tempo do ano de 2023, com R$ 31,42 bi.
De acordo com o levantamento, a utilização dos créditos operados por bancos públicos no mesmo período de 2024 e 2025 foi 16% menor do que o registrado no ano de 2023 e 2024, sendo R$ 19,65 bi e R$ 24,31 bi, respectivamente. De forma similar, o valor é inferior ao período de 2022 e 2023 com R$ 22,18 bi aplicados para Vale notar que os bancos públicos representam cerca de 75% das aplicações em linhas de créditos.
Para o gerente técnico do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás do sistema Faeg (IFAG/Faeg), Leonardo Machado, a diminuição da aplicação das linhas de crédito se deram por dois motivos, pela elevação da Selic e a diminuição dos recursos destinados para o abatimento dos juros. “A gente tem levantado subsídios para apresentar para o governo uma saída para que os recursos [do Plano Safra] voltem a ligar o setor. Porque a gente sabe que muitas das vezes, o governo não entende que essa aplicação desse recurso do crédito rural é um investimento, que desenvolve a atividade, gerando emprego e gerando renda.”

Diante do cenário de dificuldades no mercado, Machado denota a importância de uma gestão rural para que o produtor reduza gastos e possa continuar com caixa durante a produção. Assim como a compra de insumos à vista pela Thamires, Machado aponta que gaste estrategicamente a fim de gerar renda no final da colheita.
Aumento na produção, mas um aumento nos custos
Mesmo com a diminuição do uso do crédito rural, a colheita da safra da soja de 2024 e 2025 foi em alta no Estado de Goiás. De acordo com dados da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) divulgados para o Jornal Opção, a última safra do grão fechou com 20.4 milhões de toneladas, com uma área plantada de 4.9 milhões de hectares e uma produtividade de 4.1 toneladas por hectare. Com isso, houve um aumento de 20% da produção em relação à safra anterior, junto a um acréscimo de 2,5% da área plantada e 18% da produtividade.
Além disso, ainda é esperado uma elevação nos índices da segunda safra em Goiás, a principal do Estado, com um aumento de produção em torno de 12 milhões de toneladas, uma área de 1,7 milhões de hectares maior e uma produtividade de 6.8 toneladas por hectare. Com isso, é esperado que a segunda safra de 2025 seja 7% maior em relação à fase anterior de produção, com um aumento na área plantada de 2.2% e uma produtividade acrescida em 4.6%.
Apesar dos números positivos para o Agro goiano, a superintendente de Produção Rural da Seapa, Patrícia Honorato, adverte que os balanços da soja de 2025 devem vir mais caros que os dos últimos anos pelo aumento do custo de produção. Sobre isso, alerta que este impacto nos custos de produção foram registrados desde o começo da safra de 2024 com um aumento de preços em quase toda a cadeia produtiva.

“[A secretaria] entende que o produtor continua numa dificuldade de orçamento muito grande, porque ele já veio do ano passado com um ano de safra que não era bom, que foi um ano ruim, e este ano os cursos de produção também segue elevado.”
Junto com o aumento dos custos de produção, a secretaria projeta um aumento nos preços para o consumidor final, especialmente para a proteína bovina devido a diminuição da disponibilidade na tomada de crédito para a aquisição de matrizes e novilhas.
Com essas dificuldades, Patrícia afirma que a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) do Estado segue com programas para assistência técnica e desenhos de projetos rurais voltados aos pequenos e médios produtores rurais. Além disso, afirmam ter expandido os limites das tomadas de crédito junto ao Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste de R$ 3 a 5 milhões por produtor para financiar projetos de armazenamento de grãos a fim de oferecer uma maior faixa uma faixa de tempo maior para comercialização dos commodities.
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