Filha abre o “baú” de Rubem Fonseca e há contos e poemas inéditos e vasta correspondência

No campo cultural, a melhor reportagem da semana passada é de autoria de Maurício Meirelles. Saiu na “Folha de S. Paulo” (terça-feira, 22) com o título “Filha do escritor recluso descobre textos de juventude, imagem com Carmen Miranda e correspondência de Chico e João Ubaldo”.

Apesar da excelência do material, discordo, de cara, de uma “opinião”. Maurício Meireles assinala que os contos e romances Rubem Fonseca “mudaram o rumo da literatura brasileira”. Para provar isto seriam necessárias uma série de reportagens, uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado. Não se cria, digamos, um novo “cânone” com base apenas no “gosto” pessoal.

Rubem Fonseca e a cantora Carmen Miranda nos EUA, em 1954 | Foto: Arquivo da família

Não há dúvida de que a obra de Rubem Fonseca é importante, tem qualidades — para além da ideia de romance policial —, mas teria mudado “o rumo da literatura brasileira”? Por certo, não.

Quatro prosadores certamente contribuíram para mudar a literatura brasileira: Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Há outros escritores de qualidade, como Lima Barreto, Lygia Fagundes Telles, José Rubem Fonseca, Francisco Dantas, Ricardo Guilherme Dicke, Bernardo Élis, João Antônio, Ana Maria Gonçalves, João Ubaldo Ribeiro, João Gilberto Noll, Ariano Suassuna, Milton Hatoum, Cristóvão Tezza, Bernardo Carvalho, Ronaldo Correia de Brito (muito bom, por sinal). Mas não têm o mesmo “peso”, por assim dizer, do quarteto fantástico.

Há uma “angústia da influência” quando se trata de Rubem Fonseca? Talvez. Patrícia Melo, por exemplo? Quem sabe.

Não se deve tentar diminuir a força literária de Rubem Fonseca por ele pertencer a um ilustre segundo time. Sua literatura tem um vigor narrativo que supera, em muito, a de outros autores de romances policiais, e não apensas do Brasil. Assim como não se pode sustentar que o contista e romancista mudou “o rumo da literatura brasileira”.

Gabriel García Márquez e José Rubem Fonseca: escritores | Foto: Reprodução

Comemora-se no dia 11 de maio o centenário de Rubem Fonseca, mineiro de Juiz de Fora, que, nascido em 1925, faleceu, aos 94 anos, em 15 de abril de 2024, no Rio de Janeiro.

Contos da juventude, um romance epistolar e cartas

Sessenta caixas deixadas por Rubem Fonseca estão sendo esmiuçadas por sua filha Bia Corrêa do Lado, editora e escritora. Ela abriu parte do “baú” (na verdade, “baús”) — para felicidade dos leitores — ao sortudo repórter da “Folha”.

“O conjunto reúne bilhetes, correspondências, datiloscritos anotados, manuscritos, caderninhos, fotografias mil, textos inéditos de ficção e não ficção”, relata Maurício Meirelles.

O mais interessante mesmo são as descobertas literárias. Os contos completos de Rubem Fonseca vão sair em maio com dois textos inéditos.

Os contos “Natal” e “Arinda”, datados de 1948, seriam refugos? Não importa. É sempre interessável ler novos textos de um bom escritor, como Rubem Fonseca. Frise-se que ele só estreou na literatura com “Os Prisioneiros”, de 1963.

Bia Corrêa do Lago: filha de Rubem Fonseca e organizadora de sua obra póstuma | Foto: Reprodução

Bia Corrêa do Lago conta que achou “muitos contos da juventude”. “Natal” e “Arinda” foram escritos quando Rubem Fonseca — que os amigos chamavam de Zé Rubem — “tinha 20 e poucos anos, mas tem muitos com 17, 18 ou 19 anos”.

Qual o grau de elaboração desses contos? Como nem todo mundo é Radiguet ou Rimbaud, os textos seriam primários? Talvez não. Mas não deixa de ser interessante que Rubem Fonseca tenha optado por não publicá-los. Deixou a missão para a sabedoria da filha. Teria receio da repercussão negativa da crítica? É provável, tão rigoroso ele era.

Muito antes de sua estreia literária, um editor perdeu uma coletânea de contos de Rubem Fonseca. “Não” havia cópia. O material que Bia Corrêa do Lago encontrou tem a ver com volume desaparecido? A filha do escritor diz que não tem como saber.

A filha do prosador encontrou narrativas brevíssimas, que ele chamou de “romances de oito linhas”.

A reportagem de Maurício Meireles não menciona que Rubem Fonseca trabalhou para a ditadura — felizmente, sem torturar e matar pessoas. Era, digamos um burocrata criativo e, possivelmente, entusiasmado. Mas em 1976 a ditadura, sob a distensão do general-presidente Ernesto Geisel, censurou seu livro “Feliz Ano Novo”.

Bia Corrêa do Lago encontrou “um datiloscrito anotado do conto ‘Feliz Ano Novo’”.

“Manuel e Léia”, um romance epistolar, também foi encontrado no “baú” de Rubem Fonseca.

A correspondência de Rubem Fonseca parece ser valiosa e foi organizada por Pedro Corrêa do Lago. Há bilhetes de João Ubaldo Ribeiro (debochando do amigo), de Chico Buarque e Isabel Allende. Há cartas com seus tradutores.

Aos que pediam conselhos literários, Rubem Fonseca os dava, mas de maneira franca, sem os salamaleques típicos de outros escritores, como Carlos Drummond de Andrade, que tinha o hábito de elogiar amigos e quase-amigos.

Poeta Zé Rubem e o encontro com Thomas Pynchon

A Editora Capivava vai lançar, este ano, uma fotobiografia de Rubem Fonseca. Há fotografias do escritor com Carmen Miranda (nos Estados Unidos, em 1954), Pelé e Gabriel García Márquez.

Thomas Pynchon e Rubem Fonseca: convescote no Rio de Janeiro, nos anos 1980 | Fotos: Reproduções

Bia Corrêa do Lago descobriu que Rubem Fonseca não era apenas prosador. Na velhice, deu para escrever poesia. “Encontrei muitos manuscritos com versos”, conta sua filha. “Mas é uma poesia estranha, bem Rubem Fonseca, bem dura.”

O repórter da “Folha” não cita, mas a Nova Fronteira publicou “Amalgama: Contos (e Alguns Poemas)”.

Maurício Meireles foi premiado por Bia Corrêa do Lago com uma grande informação: Thomas Pynchon, mais recluso do que o brasileiro, jantou com Rubem Fonseca, no Brasil, nos anos 1980. O escritor americano autografou um livro para o “confrade” patropi.

Rubem Fonseca não pediu para seus filhos queimarem o acervo literário. Por isso, Bia Corrêa do Lago está divulgando o que há de mais apreciável. Deveria solicitar uma consultoria de Deonísio Silva, Flora Sussekind, Leila Perrone-Moisés, Alcir Pécora ou Ivan Marques. Talvez não seja relevante publicar “tudo”. Às vezes é melhor deixar todo o material ao alcance de pesquisadores altamente qualificados, como os citados.

Qual é o livro mais importante de Rubens Fonseca? Decerto, em vez de um, há vários, como “Feliz Ano Novo”, “Lúcia McCartney”, “Romance Negro e Outras Histórias”, “O Cobrador”, “Agosto” (uma boa história de Getúlio Vargas), “Carne Crua”, “Bufo & Spallanzani” (mui bueno), “A Grande Arte” (ótimo), “O Caso Morel”, “Histórias de Amor”, “O Romance Negro”, “O Selvagem da Ópera”.  Mas o meu preferido, por causa do contista russo Isaac Bábel, é “Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos”.

Rubem Fonseca traduziu um conto do russo Isaac Bábel — “A Morte de Dolguchov”. Decano dos tradutores da literatura russa no Brasil, Boris Schnaiderman chegou a elogiar a versão indireta, feita a partir do inglês.

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