Taxação de Trump prejudica menos a China e mais os pequenos empresários americanos

Os Estados são nacionais, mas as economias estão mais ligadas do que nunca estiveram na história dos seres humanos. De alguma maneira, com a globalização, há uma “única” economia. Mas não é o que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump — na sua defesa de “a América para os americanos” (do Norte, claro) —, pensa. “Quebrar” (e não apenas subjugar) o mundo para fortalecer os negócios americanos pode ser uma ilusão, sugere a reportagem “Empresas americanas já sentem impacto das tarifas de Trump”, do “New York Times” (traduzida e publicada pela “Folha de S. Paulo” na segunda-feira, 3).

O “Times” ouviu dirigentes de quase 100 empresas que importam da China. Eles não aprovam as tarifas, excessivas, do governo de Trump.

A empresa Be a Heast, da americana Erika Campbell, de 36 anos, vende artigos católicos. Abordada pelo “Times”, a microempresária informou que estava à espera “de um navio cargueiro da China com um carregamento de milhares de bonecos de chocalho de Jesus, ovos da Páscoa de lata, cobertores para bebês com temas religiosos e 15 mil pacotes de curativos Jesus Heals”.

A taxa de 10% ainda não incide nesta importação de Erika Campbell. A empresária está “assustada”. “Não consigo descobrir o que vai acontecer. Estou em alerta máximo.”

Os donos de pequenas empresas dos Estados Unidos estão “apavorados”. Porque há risco, iminente, de “quebra”. “O foco de Trump na China lançou milhões de pequenas empresas no caos. Por décadas, empresas americanas projetaram produtos nos Estados Unidos e recorreram a fábricas chinesas para produzir os bens de forma eficiente e barata”.

Juli Lee e Bill Keefe: empresários americanos que precisam da China para manter o negócio lucrativo | Foto: New York Times

Empresa trilionária, a Apple faz iPhones na China. Para reduzir custos, inclusive para os compradores norte-americanos de smartphones. (E se a China for a salvação e não a responsável pela decadência dos Estados Unidos?)

A empresa de Erica Campbell fatura 2 milhões de reais por ano. É uma pequena empresa, mas — negociando bem com a China — estruturada e lucrativa.

O “Times” enfatiza que dezenas de empresas que consultou “são uma amostra” de empreendimentos cujos proprietários “batalham duro para serem” integrados “à economia global”. São “empresas que fabricam cartões de felicitações, jogos de tabuleiro, calçados para atividades ao ar livre, cabides, porta-retratos digitais, equipamentos de café, brinquedos, vitrais e eletrônicos personalizados”.

A rigor, a economia americana está mais integrada à chinesa do que Trump e seus seguidores, como o bilionário Elon Musk, imaginam. Desmanchar tal vínculo pode gerar uma grande crise nos Estados Unidos.

“Times” registra que o custo das tarifas de Trump não será das empresas chinesas. Será repassado para as empresas americanas. Então, ao taxar os chineses, o governo republicano prejudica não o país de Xi Jinping, e sim os Estados Unidos. Ao menos em termos de pequenas e médias empresas.

Theodore Roosevelt e o marechal Cândido Rondon, no Brasil: o Trump do passado | Foto: Reprodução

Os empresários americanos disseram ao “Times” que há “uma sensação de paralisia nos negócios”. Eles estão com “medo de fazer planos em meio ao fluxo imprevisível de novas tarifas, temendo o risco de mover a produção para fora da China, já que nenhum país parecia imune”. Trump anunciou que vai taxar ainda mais o intercâmbio comercial com a China.

A empresa Juliana Rae, de Bill Keefe e Juli Lee, “vende roupas de dormir de seda de alta qualidade, porque todos os seus produtos são feitos na China”. Funciona assim: “A empresa projeta robes de seda, pijamas e camisolas” e empresas da China fabricam os produtos. Em seguida, a Juliana Rae comercializa os produtos “em seu site e na Amazon”.

Por que os americanos preferem manter a conexão com a China, evitando negociar com Sri Lanka, Índia, Coreia do Sul e Tailândia? “As melhores máquinas, a melhor expertise, a capacidade de produzir bens de qualidade a um bom preço estão localizadas na China”, diz Bill Keefe.

Muitos dos pequenos e médios empresários certamente votaram em Trump (frise-se: o “Times” não perguntou isto aos seus entrevistados). Possivelmente por não entender que o governo do líder republicano está voltado para a defesa das grandes empresas, incluindo as big techs — daí o entusiasmo dos bilionários Elon Musk, Jeff Bezos (que colocou o “Washington Post” a serviço da ideologia liberal, ao menos no seu espaço de opinião) e Mark Zuckerberg.

Os poderosos chefões da Amazon, da Tesla (e X), da Meta (Facebook e Instagram), do Google agora têm o Estado capitalista, mais forte do que nunca, para proteger seus negócios na competição com os grandes negócios de outros países. Trump se tornou o porta-voz do capitalismo agressivo e sem limites das Big Techs.

Como as big techs querem confrontar e subordinar o mundo, desrespeitando as regras dos Estados nacionais, encontraram no republicano um lídimo representante. Trump, com sua voz de ventríloquo, está reinventando o “big stick” dos tempos do presidente Roosevelt, o Theodore, não o Franklin Delano.

A consciência de Trump nem deriva da ideologia liberal, e sim da ambição comercial de seu grupo.

A empatia de Trump com o presidente Vladimir Putin, que pensa na reconstrução da Grande Rússia, tem a ver com a ideia da hegemonia dos Estados Unidos como maior potência universal, um Hércules da economia.

Os EUA, como país “imperial” (prova o discurso de anexar o Canadá e a Groenlândia, e não só), estão na crista da onda. Mas as pequenas e médias empresas, como indica o “Times”, podem definhar, afetando a economia americana de maneira dramática. Os grandes Estados Unidos de Abraham Lincoln, Franklin Roosevelt e John Kennedy podem se tornar os pequenos Estados Unidos de Trump.

O post Taxação de Trump prejudica menos a China e mais os pequenos empresários americanos apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.