Entre bravatas, recuos e derrotas judiciais, “crista” de Trump vai baixando

O início do segundo mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos teve como marca apoteótica uma “declaração de guerra”. Não contra problemas que afetam o país e que parecem estar se intensificando sob a liderança do republicano, mas contra parceiros comerciais, minorias, imigrantes e quaisquer autoridades e instituições políticas e diplomáticas que possam, minimamente, se opor ou mesmo apontar equívocos nas canetadas e discursos inflamados do presidente norte-americano.

Se pudéssemos associar o começo da gestão de Trump a uma imagem, seria à emblemática fotografia tirada durante o atentado do ano passado em que ele aparece intrépido e ensanguentado com o punho em riste. Mas se fôssemos relacionar uma imagem à atual posição do presidente, ela mostraria um Donald um tanto quanto atordoado, não tão destemido e, quiçá, mais humilde. Não por vontade própria, claro.

A instabilidade trazida aos americanos diante das idas e vindas das decisões de Trump, em áreas que vão da econômica à social, tem feito com que até os mais inflamados apoiadores passem a respirar fundo numa contida (às vezes não tanto) desaprovação. O republicano assumiu a Casa Branca para um segundo mandato com a ideia enraizada de que o mundo precisa dos EUA, mas os EUA não precisam do mundo. E quanto mais os dias passam, mais o “laranjão” percebe a furada em que se meteu ao agir guiado por essa concepção.

O tarifaço sobre as importações, ferramenta que Trump brande no ar como uma faca ameaçadora, é um dos pontos que borbulham como água fervente no centro de sua instável postura política e econômica. A linha cronológica das tarifas sobre produtos do México e Canadá, por exemplo, chega a ser cômica.

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Em 1º de fevereiro, o presidente, do alto de seu furor, anuncia tarifas adicionais de 25% sobre todas as importações canadenses e mexicanas com exceção dos produtos de petróleo e energia do Canadá, com vigor a partir de 4 de fevereiro. Mas no dia 3, ele volta atrás e decide suspender as tarifas por 30 dias. No dia 10 do mesmo mês, o “laranjão” aumenta as tarifas sobre o aço e alumínio de todos os países para 25%.

Já no dia 4 de março, como prometido, as tarifas contra México e Canadá passam a vigorar. No dia seguinte, Trump recua pela segunda vez e resolve isentar das tarifas por um mês as montadoras instaladas nos EUA. Em seis de março, novo recuo: o presidente decide atrasar em um mês a aplicação das tarifas de 25% sobre produtos importados e do México e Canadá, jogando-as para a abril.

É claro que o Canadá não ficou imóvel. Em resposta à taxação, o vizinho dos EUA anunciou a implementação de tarifas de 25% sobre produtos americanos. Em entrevista, o primeiro-ministro Justin Trudeau informou que as tarifas atingiriam as importações dos EUA no valor de 30 bilhões de dólares canadenses com efeito imediato, e que se os EUA persistissem com o tarifaço, em 21 dias vai impor tarifas de 25% sobre mais 125 bilhões de dólares canadenses em importações dos ianques.

Trudeau, por sua vez, se manteve firme e não retirou as tarifas, mesmo com o recuo de Trump. Ao final, Trump ficou com três recuos na conta e uma taxa de 25% do Canadá sobre produtos americanos que não existia antes.

Investidores e empresários americanos ficaram estarrecidos nessa montanha-russa. Em entrevista ao Financial Times, Jeff Aznavorian, presidente da Clips e Clamps Industries, se referiu à situação como “desconcertante”. “Houve três mudanças em 24 horas nos afetando como fornecedor automotivo da América do Norte”, disse.

A inconstância de Trump tem irritado até mesmo um dos setores mais trumpistas e conservadores dos EUA: o agro. “Há anos, os agricultores têm mantido consistentemente sua posição de que não apoiam o uso de tarifas, que ameaçam mercados importantes e aumentam os custos de insumos para os agricultores, como tática de negociação”, afirmou a Associação Americana de Soja, que agora reúne produtores confusos e insatisfeitos a maneira Trump de governar.

O radicalismo e a insegurança do presidente norte-americano não se restringem à área econômica, e se expandem para a social. Nesse ponto, os recuos do presidente têm sido impostos. Na última semana, por exemplo, a Suprema Corte dos EUA rejeitou o recurso de Trump para congelar cerca de 2 bilhões de dólares em ajuda externa. A Corte decidiu manter uma decisão de instância inferior, representando uma derrota inesperada para o republicano.

E essa não foi a primeira. Ainda em janeiro, a Justiça americana suspendeu uma ordem de Trump que acabava com o direito à cidadania para filhos de imigrantes ilegais e turistas. A decisão foi em resposta a grupos civis e procuradores-gerais de mais de 20 Estados americanos que entraram com ações judiciais contra a ordem do presidente.

Trump tem sofrido revés atrás de revés e, mesmo assim, parece não se atentar a questões emergenciais. O chefe da Casa Branca parece ignorar, por exemplo, que a deportação em massa de imigrantes provocará um apagão de mão de obra nos EUA. Uma pesquisa de julho do ano passado, conduzida pelo Pew Research Center, apontou a existência de cerca de 11 milhões de imigrantes não autorizados nos Estados Unidos em 2022. Uma população que oferecia, conforme a pesquisa, um contingente de 8,3 milhões de trabalhadores para a economia do país.

Imaginemos o impacto disso em um cenário em que o Federal Reserve Bank de Atlanta, por meio de sua ferramenta GPDNow, já projeta (no último dia 6 de março) uma contração de 2,4% em termos anuais da economia dos EUA no primeiro trimestre de 2025.

Esbravejando, recuando ou “sendo recuado”, Donald Trump – aquele, do punho erguido em ato heroico – vai aos poucos percebendo que a subserviência à qual ele está acostumado a usufruir em suas empresas pode não ser encontrada no mundo real. O presidente da maior economia do mundo, que se comporta como uma criança birrenta e mimada, passa a observar atônito que o playground tem monitores e regras, e que ele não é livre para fazer o que bem entender.

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