Ao longo da história, de tantas revoluções libertárias, Pernambuco passou a ser representado por um leão e terminou ficando conhecido como o “Leão do Norte”, símbolo de bravura de sua gente.
A presença do animal – estranho à fauna brasileira – está em brasões do Estado e do Recife, na bandeira da capital pernambucana, em escudo de time de futebol, nos estandartes dos maracatus. E até na música. Como mostra “Sou de Pernambuco”, de Raul Moraes, frevo de bloco da década de 1930. E também há o exemplo mais recente, “Leão do Norte”, de Lenine (1993).
Leia mais
Como era de se esperar, o “Leão do Norte” também aparece para designar empresas e produtos, principalmente nos séculos XVIII e XIX. Foi exatamente sobre esse tema que a designer pernambucana Gisela Abad decidiu examinar um século de documentos com registros de marcas na Junta Comercial de Pernambuco. Depois, ela selecionou o período que vai de 1886 a 1996 para a pesquisa que rendeu o livro “Um Leão na Paisagem”, que será lançado a partir das 13h, do dia 31 de agosto, no Museu da Cidade do Recife, no Forte das Cinco Pontas.
No mesmo dia, será inaugurada uma exposição sobre o tema. Os 500 exemplares do livro não serão comercializados. Uma parte será distribuída gratuitamente no dia do lançamento. Outra irá para instituições educativas, bibliotecas, Rede Compaz.
Na publicação, Gisela faz um apanhado histórico da presença do animal no Estado, desde o brasão do primeiro donatário da Capital (Duarte Coelho), passando pelo período holandês, pela insubordinação do militar de José Barros de Lima (o Leão Coroado), até chegar à presença do símbolo do leão em produtos e marcas do passado.
O assunto despertou a atenção de Gisela em 2004, quando ela foi convidada pela Fundação Gilberto Freyre para criar a identidade visual do processo de digitalização, o que a fez se debruçar sobre os cem anos de acervo da Jucepe.
O resultado virou trabalho acadêmico (dissertação de mestrado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro), agora transformado em livro, com incentivo da Lei Paulo Gustavo, via Prefeitura do Recife.
Ao mergulhar no acervo, a primeira constatação: entre os nomes de animais que marcam empresas e produtos, o “Leão do Norte” é predominante. Afinal, que leão é esse? Como ele passa a fazer parte do mundo comercial e industrial do Estado, no registro oficial de marcas entre 1886 e 1926?
A autora apresenta as origens diferenciadas do “Leão do Norte” na heráldica e na semiótica (estudo dos significados), construindo um “percurso instigante e revelador” da cultura de Pernambuco, que “ecoa o refrão sou… Leão do Norte”, lembra Lucy Niemeyer, pesquisadora, palestrante e designer brasileira, doutora em comunicação e semiótica.
No livro, todas as informações sobre a presença do “Leão do Norte” em marcas e produtos estão associadas ao contexto histórico da época.
E uma das hipóteses apontadas para a presença do animal tem a ver com a lusofobia registrada no século XIX, quando “a emergente classe média urbana, em crescente número, encontrava-se excluída do mercado de trabalho, predominantemente ocupado por portugueses”.
Diante de tal situação, usar o “Leão do Norte” foi uma forma de buscar identidade dos produtos, junto aos consumidores pernambucanos. “Alguns comerciantes e industriais procuravam contornar a hostilidade adotando nomes para seus negócios, que refletiam identidades regionais ou nacionais, atribuindo ao Leão do Norte, uma nova característica, a de vendedor”, diz a autora.
O curioso, no entanto, é que o bravo animal vai mudando de postura, à medida que é utilizado para identificar indústrias, lojas, produtos, segundo constata Gisela, ao analisar o “Leão do Norte”.
Ela conclui: “Um vendedor dos melhores produtos e serviços que se possa experimentar não cabe no signo que tenha por objeto dinâmico um leão guerreiro agressivo, de resistência, insurreto. Portanto, na semiose das marcas comerciais, o leão foi visto transfigurado em um signo de amigo, cordato”. Em algumas situações, no entanto, “sustenta a estirpe soberana de rei dos animais, característica que convinha ser conferida também aos produtos”. Por fim, “se apresenta domesticado e adestrado, desvinculando-se da imagem da heráldica, do conceito de leão insurreto e, portanto, com um novo signo”.
O “Leão do Norte”, assim, vira quase um “gatinho” em algumas situações. Passa a ser marca de refinaria, fábrica de cadeiras, cigarros, padaria e bolachas. Sua figura aparece até mesmo em lojas que não ostentam seu nome na marca, como a “Louvre”, de confecções sofisticadas.
Leia menos