Alguns dias atrás havia começado essa coluna com a intenção de escrever sobre outros dois livros, que gosto tanto, a ponto de pensar em como gostaria de tê-los escrito.
Porém, nessas ironias que acontecem na vida de uma leitora, terminei essa semana a leitura dessa “descoberta”: “A louca da casa”, da Rosa Montero. E foi um desses livros que ao terminar, pensei em quanto desperdício por não a ter lido antes.
Assim, os dois outros livros ficam para próxima coluna, (já deixo aqui a curiosidade despertada para não me deixarem escrevendo sozinha), e convido você a também conhecer quem, afinal, é a louca da casa que ocupou todos os meus pensamentos – e imaginação -, nessa semana.
Nesse livro, onde Rosa Montero brinca com nossos devaneios, o termo “louca da casa” era usado por Santa Teresa d’Ávila, mística e escritora espanhola, que empregava essa expressão para se referir à imaginação. Santa Teresa a considerava difícil de controlar durante seus momentos de oração e meditação.
Para ela, a imaginação era uma força desgovernada, que atrapalhava a concentração espiritual, por isso “louca” no sentido de indomável, agitada, imprevisível.
Tomando emprestado o termo de Santa Teresa, Montero escreve um livro onde nos mostra como essa “louca” pode conduzir nossa vida, nos permitir viver várias possibilidades de vida em uma única, e ainda nos mostrar que através dela, essa indomável, podemos até mesmo “enganar” a morte.
Ela também fala muito sobre esse desejo de escritores de se manterem vivos através das palavras. E o quanto isso faz sentido, afinal uma vez dita – e escrita – elas podem ser eternas. Esse poder da escrita, de nos perpetuarmos através dos livros, isso é bonito e forte demais.
“(…) Você também é eterno ao inventar histórias. A gente sempre escreve contra a morte.”
A autora brinca com a gente e ao mesmo tempo com todas as possibilidades de vida. Quando imagina e nos conta as várias vidas que cabem em uma. E é divertidíssimo quando nos deparamos com a dúvida: quem está nos contanto é a Rosa Montero ou a louca da casa assumiu a escrita? Isso é verdade, ou uma das inúmeras possibilidades que essa louca que nunca nos abandona, pensou?
As múltiplas possibilidades de vida que a imaginação – ou a louca da casa – pensa para a nossa vida, é o que permeia todo o livro, e acaba por nos fazer, inúmeras vezes, pensar nas imensas chances de vida.
Montero é uma crítica feroz, mas elegante. Ao também discorrer sobre literatura, seus gostos pessoais, ou nem tanto, ela nos aponta todas as contradições que envolvem a literatura. E gosto especialmente como ela reforça que a literatura, assim como a vida, “é um caminho de autoconhecimento que precisamos percorrer carregados de perguntas, não de respostas.”
Sua ironia requintada, suas críticas ácidas, seus comentários precisos e críticos sobre livros, escritores e até a própria vida, são um tempero gracioso para o livro.
Lendo Rosa Montero, descobri que poesia me faz sim, muito feliz, mas que prosa é minha casa, meu conforto, meu lar. E que me dá sentido, prumo na vida.
“(…) o gênero literário que prefiro é o romance, que é o que melhor se adapta à matéria estilhaçada da vida. A poesia aspira à perfeição (…)”
Processo criativo, ego de escritores, dicas literárias, de escrita, histórias da sua vida – reais ou inventadas -, tudo isso mesclado com curiosidades sobre autores e livros, tornam a leitura instigante, porque nunca sabemos o que ela pretende fazer com tudo que nos conta.
E assim vamos lendo nessa mistura de ficção e realidade, ensaio e autobiografia, essa celebração da mente inquieta e o quanto nossa imaginação é poderosa. Porque mesmo o que não aconteceu, pode nos dar um sentido de entendimento da situação.
Quando, por vezes, recorremos “a louca da casa”, é uma busca de algo à solucionar, nos projetar, ou proteger.
“A louca da casa” é sobre o ato da escrita, criatividade, histórias de escritores, histórias de livros. Mas principalmente sobre essa que domina nossos dias e acaba por dominar nossa vida: a imaginação.
Livro sobre livros, que acabam por ser sobre processo criativo, sobre a vida, sobre lembranças. Sobre a vida, acontecendo.
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