
Lulu Santos, Djavan, SZA e Billie Eilish representam as diferentes gerações que mergulham na água como metáfora de emoção, escapismo e ancestralidade. De Djavan à Billie Eilish: a obsessão dos artistas pelo mar
Em 1966, os Beatles viajaram pelos sete mares em seu “submarino amarelo” e mostraram os mistérios do fundo do mar na música “Yellow Submarine”. Vinte anos depois, Djavan lançou “Oceano”, uma canção sobre o fim de um grande amor.
A representação do mar não é nova na arte. Ela aparece desde os hieróglifos egípcios com figuras marinhas, passa pela mitologia grega e chega ao cinema moderno, usado para criar narrativas, documentários ou expressar emoções.
Na música, o oceano também tem ganhado espaço. De estilos como pop, R&B alternativo, MPB e hip-hop, artistas vêm usando o mar como metáfora em discos, videoclipes e composições.
SZA, Jack Johnson, Billie Eilish, Miley Cyrus, Luedji Luna, Djavan e Dorival Caymmi são alguns dos nomes que exploram o oceano muito além da estética. A recorrência chama atenção pelo simbolismo que carrega.
Dorival Caymmi, SZA e Billie Eilish em capas de discos que usam o mar como metáfora
Reprodução
Um oceano entre o caos e o consolo
Em tempos marcados por colapsos políticos, ansiedade digital e crise climática, a água — especialmente o mar — tem funcionado como espaço simbólico para artistas que desejam refletir ou escapar da realidade.
“Olhar para o oceano ativa os receptores opiáceos no cérebro, liberando dopamina e sua onda de recompensa”, escreve a cientista Catherine Schmitt no artigo “Why We Love The Ocean”, da revista Maine Boats, Homes & Harbors.
O fenômeno descrito é conhecido como blue mind, um estado de relaxamento estimulado por ambientes aquáticos.
Álbuns como “S.O.S”, da americana SZA, expressam a angústia diante do mundo moderno. Ao longo de 23 faixas, a artista fala sobre dilemas de uma sociedade digital, relacionamentos e amadurecimento pessoal.
Álbum “SOS”, de SZA
Divulgação / redes sociais
Jack Johnson adota uma abordagem mais ativista. Em álbuns como “To The Sea” e “The Essentials”, o mar aparece como paisagem e símbolo. O cantor promove ações em prol da conservação dos oceanos, como sua parceria com a ONG Surfrider Foundation e sua atuação como embaixador da ONU entre 2013 e 2023.
Entre a superfície e o abismo
O mar é ambíguo: profundo, misterioso, silencioso — mas também vibrante e generoso. Essas camadas o tornaram uma metáfora potente para emoções humanas.
No álbum “Hit Me Hard and Soft”, Billie Eilish retoma a estética aquática que já aparecia em músicas como “Ocean Eyes”, seu primeiro single. As faixas abordam sentimentos confusos, aceitação e vulnerabilidade.
Hit Me Hard and Soft, álbum de estúdio de Billie Eilish
Divulgação / redes sociais
Mac Miller também mergulha nesse universo em “Swimming” (2018), disco em que usa a água como metáfora para a luta contra a depressão e o abuso de drogas.
Luedji Luna reflete sobre seu novo disco “Um Mar Pra Cada Um” em uma postagem nas redes sociais: “No fundo de um oceano abissal, ou ali mesmo na superfície, existe um mar invisível. Ele é vivo e dinâmico, estranho e, ao mesmo tempo, encantador. Acontece o mesmo dentro da gente.”
A profundidade vira metáfora da tristeza; a superfície, da leveza. Por isso, efeitos como reverb e ecos são usados para criar sensações de imersão — com timbres que remetem à água e referências a sonoridades indígenas e africanas.
O mar como origem e espiritualidade
Esse elo entre oceano e ancestralidade também aparece em músicas que abordam o mar como espaço espiritual.
No Brasil, artistas celebram o dois de fevereiro — Dia de Iemanjá — desde Dorival Caymmi, com canções como “Rainha do Mar” (1939) e “Dois de Fevereiro”. As músicas foram regravadas por nomes como Gal Costa e Gilberto Gil, mantendo viva a conexão com os orixás.
O sambista Candeia cantou “O Mar Serenou” como louvor a uma sereia encantadora. Já “Oceano”, de Djavan, mistura religiosidade e romance ao retratar o mar como lugar de transformação.
Marina Lima também associa o oceano à origem da vida. Em entrevistas, ela já comparou o mar à placenta. Por isso, existiria essa sensação de já pertencer ao mar desde antes de nascer.
Nos últimos anos, uma série de discos tem se aprofundado na estética oceânica.
Em “S.O.S”, SZA aparece perdida no mar, frágil e isolada da terra firme.
Em “Coisas Naturais”, Marina Sena transforma a imersão literal em metáfora de autoconhecimento.
Maré sensível
No fim das contas, o mar talvez seja só uma forma de dizer o que ainda não conseguimos nomear: cansaço, esperança, medo, nostalgia, amor.
A geração que nasceu com o mundo digitalizado tem buscado, em suas músicas, outras linguagens para dar conta do que sente. E a água — essa entidade fluida, ancestral, viva — tem sido uma das metáforas mais férteis para isso.
Seja na religião, ciência ou espiritualidade, a música e o mar se misturam entre o fundo e a superfície, o caos e a cura, eles seguem a deriva — tentando não afundar.